A propaganda do governador Ratinho Júnior (PSD) dizia que a implantação do Parceiro da Escola, programa que transfere a parte administrativa de escolas públicas para a iniciativa privada, permitiria uma gestão eficiente, de qualidade e com melhorias significativas nas instalações. Mas no Colégio Estadual Natália Reginato, em Curitiba, onde o governo passou a gestão para uma empresa contra a vontade dos(as) responsáveis pelos(as) estudantes, denúncias de sujeira, ventilador quebrado, merenda ruim e poucos(as) funcionários(as) têm gerado reclamações e atrapalhado o trabalho de professores(as), a vida dos(as) funcionários(as) e o cotidiano dos(as) estudantes.
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“Um professor me ligou contando que ele entrou na sala para dar aula, mas encontrou a sala toda suja. Ele disse que deu uma bronca nos estudantes, mas foi informado de que a sala já estava suja há dias. Segundo ele, os alunos apontaram para uma mochila rasgada jogada no chão, há dias no mesmo lugar, e que o único ventilador do ambiente também estava estragado”, relata a secretária Geral do Núcleo Sindical Curitiba Norte da APP-Sindicato, professora Márcia Amaral Pontes de Lima.
Segundo Márcia, até o ano passado, antes da empresa privada assumir a gestão administrativa, havia oito funcionários(as) para fazer a limpeza e três para merenda. Mas em abril deste ano, quando recebeu as reclamações, foi relatada a redução para cinco funcionários(as) e uma merendeira. “Com essa quantidade de funcionários, é impossível manter aquela escola limpa. Então, eu imagino que eles estão fazendo de propósito, porque esses funcionários não vão dar conta, serão pressionados para sair de lá. É o que a empresa quer. Sai todo mundo e ela contrata diaristas. É estratégico”, explica.
Salas sujas e fezes de pombos na quadra esportiva preocupam no Colégio Natalia Reginato – Foto: divulgação

A reportagem da APP-Sindicato conversou com uma professora que atua no estabelecimento. De acordo com a docente, as denúncias são verdadeiras e tem causado preocupação. “A escola realmente está com pouquíssimos funcionários de limpeza. A escola anda bem suja, sim. Às vezes, chegamos de manhã e as salas não estão nem varridas. Os alunos estão reclamando muito da qualidade do lanche e falam que pratos e talheres muitas vezes estão sujos. A quadra teve que ter denúncia para ser lavada. O bebedouro, hoje, estava uma nojeira também. A empresa parceira, ao invés de contratar funcionários fixos, de vez em quando paga uma diarista para fazer o mais grosso. Hoje estavam lavando os banheiros”, conta a professora que, por receio de ser perseguida pela Secretaria da Educação (Seed), pediu para não ter a sua identidade revelada.
Indignação
Luci de Oliveira é avó e responsável por um estudante do Natália Reginato. Ela conta que acompanha a rotina da escola e diz que está preocupada com os problemas. “O colégio está muito sujo. Ano passado tinha oito pessoas para limpar, neste ano só tem quatro, que são inspetores. Dispensaram os outros e não colocaram mais ninguém pra ajudar. Hoje tem banheiro com vazamento. O lanche está muito ruim, só melhora em dias de datas comemorativas. Hoje teve cachorro quente, mas em outros dias os alunos estão reclamando”, desabafa.
A responsável afirma que mantém contato frequente com outras mães e estudantes e também está preocupada com a sujeira na quadra esportiva da escola. Segundo os relatos e imagens feitas pelos próprios estudantes, fezes de pombo se acumulam por dias no local. O receio é de que a situação possa ocasionar a transmissão de doenças. “Ano passado era maravilhoso, mas neste ano meu neto sentiu muito pelas mudanças”, relata.
A indignação da comunidade virou apelo nas redes sociais. Em uma postagem no Instagram, feita na segunda semana de abril, um texto denuncia a situação, questiona o destino do dinheiro público pago às empresas e pede providências. “Há semanas nossa escola está emporcalhada: quadra, salas de aula, carteiras, saguão e outros espaços sem a devida limpeza. Para onde está indo o dinheiro? Agora o CE Natália Reginato é administrada por uma “empresa parceira”, com previsão de repasse milionário de dinheiro público. Vai ser tudo lucro mesmo? Quem tá pagando o pato? Os alunos estão tendo que faxinar a escola e lidar com produtos químicos fortes, em vez de assistirem às aulas. Vários pais foram à escola reclamar da situação. Mas esse nem é o único problema”, descreve a publicação.
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As reclamações seguem nos comentários, indicando que a vida da escola piorou após ter a gestão administrativa transferida para uma empresa. “Absurdo! Tem tanto dinheiro agora pra que? A situação está bem pior na escola”, escreveu um usuário. “Pois é! Temos que cobrar providências da empresa parceira. Tem que ter funcionários suficientes pra atender uma escola desse tamanho”, disse outro.
Outro lado
A direção da escola informou que os problemas foram relatados ao Núcleo Regional de Educação. Fontes ouvidas pelo jornalismo da APP-Sindicato disseram que, após as denúncias, mais uma funcionária foi enviada para atuar na limpeza do colégio. Questionada se tomou conhecimento dos problemas, quais as providências tomadas e se haverá a aplicação de alguma penalidade à empresa, a Secretaria da Educação não comentou as denúncias da comunidade escolar, mas disse em nota que tem realizado visitas técnicas em todas as escolas pertencentes ao programa Parceiro da Escola e que “não foram constatadas irregularidades” no Natália Reginato. Disse ainda que “o colégio conta atualmente com número de servidores acima do estipulado em contrato”. Leia a íntegra da nota no final da matéria.
Privatizado à força
Localizado no bairro Vila Oficinas, em Curitiba, o Colégio Natália Reginato atende uma região bastante populosa da capital paranaense e conta com mais de 1.100 matrículas, segundo dados da Seed. Em 2002, o estabelecimento já havia passado por consulta pública para implantação do projeto-piloto que deu origem ao Parceiro da Escola. Na oportunidade não houve aprovação da proposta. No ano seguinte, a Secretaria da Educação tentou militarizar a escola, mas a comunidade também rejeitou.
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Um ano depois, ao incluir o colégio novamente na consulta pública do Parceiro da Escola, o governo mudou as regras do processo de participação da comunidade, proibindo a participação de estudantes com idade inferior a 18 anos e dificultando o voto das mães, pais e responsáveis.

Foi o que aconteceu com a Luci. O seu neto que estuda no Natália Reginato mora com ela e, mesmo sendo responsável por acompanhar a vida do estudante, diz que foi impedida de votar porque seu nome não constava no sistema da escola. “Engraçado que quando é pra votar para governador, prefeito e vereador os estudantes podem, mas para decidir o futuro da escola deles nem isso eles puderam”, criticou Luci.
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Outra mudança feita pelo governo Ratinho Júnior foi de determinar que em caso de não alcance do quórum de votação, a decisão por privatizar ou não a gestão da escola seria da Secretaria da Educação. Foi o que aconteceu no Colégio Natália Reginato e mais 82 escolas, onde o comparecimento ficou abaixo do mínimo. As urnas não foram abertas e os resultados não foram divulgados. Para a secretária da APP-Sindicato, não há dúvidas que as medidas alteradas pelo governo foram calculadas exatamente para burlar a vontade da comunidade e implantar o programa à força.
Não venda a minha escola
“A preocupação deste governo não é com a qualidade da educação, com o respeito às leis nem com a gestão democrática. O compromisso dele é com a propaganda, com a retirada de dinheiro da educação para dar lucro aos empresários. A APP lutou e continua lutando contra esse programa porque, como denunciamos, sabíamos que esse seria o resultado. Professores, funcionários e estudantes prejudicados”, comenta a secretária executiva Educacional da APP-Sindicato, Margleyse Santos.
O sindicato questiona na Justiça a legalidade dos atos do governo que instituem e regulamentam o programa Parceiro da Escola. Para a APP-Sindicato, a iniciativa é inconstitucional, pois interfere na gestão pedagógica e viola dispositivos previstos na legislação educacional. O processo também tramita no Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7684, protocolada pelo Partido dos Trabalhadores.

Recentemente, a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou no processo confirmando entendimentos denunciados pela APP-Sindicato desde a criação do programa, especialmente quanto à impossibilidade de empresas privadas assumirem atividades docentes nas escolas públicas estaduais.
Outro ponto importante da manifestação diz respeito à participação dos estudantes nas decisões escolares. A AGU considerou inconstitucional o artigo 27 do Decreto nº 7.235/2024, que exclui estudantes com menos de 18 anos das consultas públicas para adesão ao programa. Segundo a AGU, tal exclusão fere o princípio da gestão democrática do ensino público previsto na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
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Nota da Secretaria da Educação
A Secretaria de Estado da Educação do Paraná e o Núcleo Regional de Educação de Curitiba têm realizado visitas técnicas em todas as escolas pertencentes ao programa Parceiro da Escola, incluindo o Colégio Estadual Natália Reginato, ocasiões nas quais não foram constatadas irregularidades.
A fiscalização da execução contratual é feita periodicamente por equipes técnicas do NRE e pela própria direção da escola, conforme estabelecido nos parâmetros do programa. Caso reste evidenciado, por meio de tais diligências, qualquer descumprimento contratual por parte da empresa prestadora de serviços, o contrato prevê sanções e penalidades conforme as normas do edital.
A Secretaria destaca ainda que o colégio conta atualmente com número de servidores acima do estipulado em contrato (incluindo equipes de limpeza e cozinha), de acordo com o porte da instituição.