Slides para aula de Geografia disponibilizados pelo governo trazem erros crassos de conceito e gramática APP-Sindicato

Slides para aula de Geografia disponibilizados pelo governo trazem erros crassos de conceito e gramática

Textos ruins, com erros de pontuação e até de informação tornam difícil acreditar que se trata de material pedagógico

Baixa qualidade é pouco para descrever o material didático a que estão sendo submetidos(as) estudantes e professores(as) do 7º ano da rede pública estadual. Textos ruins, com erros de pontuação e até de informação tornam difícil acreditar que se trata de material de apoio pedagógico. 

A APP teve acesso aos slides da aula 48 de Geografia do RCO+aulas, que trata da composição da população da Região Sul do Brasil. A aula, disponibilizada para o 3º trimestre letivo deste ano, traz equívocos flagrantes, como a afirmação de que Florianópolis é a 3ª cidade mais populosa da região. A capital catarinense ocupa, na realidade, a 5ª posição.

Também há graves problemas de gramática, como o uso de vírgula para separar sujeito e predicado; um erro básico e danoso à aprendizagem dos(as) estudantes. A aula em questão aborda a distribuição territorial da população e política de imigração, mas em nenhum momento há menção a datas, situando historicamente os fatos.

O material contém equívocos de concepção e estrutura, aponta Daniel Luiz Stefenon, professor da Área de Ensino de Geografia do Departamento de Teoria e Prática de Ensino da UFPR. Um dos problemas, segundo ele, é suprimir aspectos importantes de nossa Geografia e de nossa história. 

“Praticamente não há menção, e muito menos problematizações, sobre as contradições que marcaram a formação do território paranaense e a diversidade que o caracteriza. O foco dado ao conteúdo do material de aula tende a marginalizar ou invisibilizar a presença indígena e negra em nosso estado”, analisa Stefenon. 

De fato, as únicas duas fotos publicadas no material são de pessoas brancas: um grupo de mulheres polonesas e uma família com homens de terno.

Há também erros grotescos de informação. “Quando busca demonstrar os municípios mais populosos da Região Sul, por exemplo, indica que Curitiba, Porto Alegre e Florianópolis ocupam as primeiras posições, o que não é verdade, posto que Joinville (SC) ocupa o terceiro lugar neste ranking”, aponta Stefenon.

Descuido

A redação das frases do slide é péssima, revelando total desprezo pelos estudantes e professores(as).  É o que acontece no trecho “Cidades mais populosas do Sul: Curitiba (PR), Porto Alegre (RS) e Florianópolis (SC) ocupam o 2º e o 3º lugar respectivamente”. Três cidades ocupam dois lugares no mesmo ranking?

O texto do material “didático” é sofrível, com erros até no uso das vírgulas, como em “A ocupação da Região Sul, obedeceu a um padrão um pouco distinto do restante do país”. É errado usar a pontuação entre o sujeito e o predicado, mas os(as) estudantes vão aprender o contrário. 

O desleixo com as boas normas de uso da língua está em cada página dos slides da aula 48, como em “Atualmente, a maior parte dos habitantes que habitam a Região Sul se autodeclara branca”. Nessa mesma página, há o lembrete “Momento preparatório para a Prova Paraná”.

“Para além dos erros estatísticos e equívocos de redação, vale dizer que o material didático deixa de problematizar elementos importantes para a formação das crianças, especialmente quando se parte do pressuposto de uma educação geográfica ocupada com uma visão crítica e plural de nossa espacialidade”, avalia Stefenon.

Equívoco pedagógico

O engessamento do ato de ensinar é outra preocupação de Stefenon, considerando os slides da aula 48 de Geografia do 7º ano. “Não dá pra deixar de salientar, também, o equívoco pedagógico que este modelo das aulas padronizadas representa. A autonomia docente é a base para que os saberes escolares, e a própria escola, façam sentido para os estudantes”, diz.

“As aulas jamais alcançarão seus objetivos se forem pensadas a partir de tempos e sequenciamentos únicos. Isso porque a atividade docente sempre vai se desenvolver em condições e contextos muito desiguais e marcados pela diferença. Isso exige sensibilidade das professoras e professores para compreender quais experiências fazem mais sentido para seus estudantes, exige conexão entre o mundo da vida e aquilo que se busca aprender, e no caso da Geografia, tais saberes precisam dialogar com o local onde a escola está”, afirma.

É difícil achar uma página sem erro no material. Um mesmo slide mostra informações do IBGE de 2010 e de 2021. Ocorre que o censo de 2021 não aconteceu – foi cancelado durante o governo Bolsonaro. Os dados mais atuais são do Censo de 2022.

O mesmo slide traz um erro de matemática. “De acordo com o último censo do IBGE, de 2010, a Região Sul conta com quase 30 milhões de habitantes”, informa uma página para em seguida detalhar: Paraná – 11,597 milhões de habitantes (2021); Rio Grande do Sul (RS) – 11,466 milhões (2021); Santa Catarina (SC) – 7,338 milhões (2021).” Se somar, dá 30,401 milhões, o que é mais de 30 milhões e não quase 30 milhões.

Prova Paraná

Mais do que com o aprendizado, o governo do Paraná parece preocupado com a Prova Paraná, um treinamento para o Saeb, que subsidia o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Já na segunda página da sequência de slides há a mensagem: “Você está preparado para a Prova Paraná? O conteúdo desta aula aborda os descritores que serão avaliados! Fique ligado!”

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