O material disponível pela Seed para a semana pedagógica de janeiro de 2019 propõe uma discussão sobre “o uso pedagógico dos resultados das avaliações externas, o diagnóstico e a elaboração de um plano de ação que tenha como foco o avanço da aprendizagem” como, também, “o estudo de temáticas relacionadas aos aspectos da liderança do professor e gestão de sala”. Trata-se de um conjunto roteirizado de atividades que dialoga com atual proposta da Secretaria de Educação, num viés da pedagogia de resultados e das técnicas de gestão associadas à produção destes mesmos resultados.
A análise que propomos em nenhum momento desmerece a importância da reflexão sobre a qualidade da educação, prática constante desde sindicato. Temos reafirmado, insistentemente, a necessidade de um debate de fundo sobre as reais condições das escolas e do trabalho pedagógico – os cenários conjunturais e estruturais, que impactam diretamente nas formas de ensinar e aprender e que se traduzem na qualidade educacional. Para ficarmos em apenas um exemplo, a diminuição da hora-atividade tem relação direto na organização do trabalho pedagógico do professor(a) e por conseguinte, reflete-se na qualidade de ensinar.
A ausência de qualquer debate mais de fundo é algo que salta aos olhos ao analisarmos o proposto pela Seed para Semana Pedagógica de 2019. Nada de discussão teórica e profunda. Um amontoado de atividades (oficinas) cronometricamente orientadas para não dispersar a atenção dos professores(as). A máxima é o “foco” e a produção de resultados, e resultado – na perspectiva demonstrada na semana pedagógica, traduz-se no aumento do IDEB.
No primeiro dia (11/2), no Iº Período, em 1h40min, os(as) professores discutem os índices do IDEB, refletem sobre as taxas de aprovação, desempenho e demais indicadores de fluxo escolar, características comuns de escolas com bons resultados e, ainda, sugestões de ações. O mesmo ocorre no IIº Período do dia 11, com a agravante que nesse período deverão ser detalhadas ações para combater a reprovação, abandono e melhorar a proficiência em leitura e matemática. Trata-se de diagnóstico inicial aligeirado e insuficiente do ponto de vista teórico e da reflexão em si e que tende não cumprir os objetivos propostos pela própria Seed. Nesse dia os(as) funcionários(as) de escola também participam do debate. No entanto, não há nenhuma menção ou cuidado pedagógico e dialógico entre professores(as) e funcionários(as).
No segundo dia (12/2) apresenta miscelânea de conteúdos saídos de um livro de auto-ajuda e que deixaria James Hunter (O monge e o executivo) orgulhoso: professor líder, mindset e gestão de sala de aula são os temas abordados. O fundo da discussão que é mobilizar para o conhecimento é importante mas que se perde na superficialidade do que é proposto. Os autores russos Leontiev e Davidov ou o francês Charlot que reconhecidamente discutem com profundidade o tema, são esquecidos. Até mesmo autores brasileiros que discutem o tema na perspectiva da didática como Vasconcellos, Luckesi, Libânio e Saviani e que são estudados em todos os cursos de pedagogia foram deixados de fora. Em contrapartida, o que se propõem é um conjunto de atividades baseados no processo de coaching.
Ainda no dia 12 as escolas poderão definir, no Período 2, uma oficina do interesse de cada escola. Nossa sugestão é que nesse horário possam ser discutidos os temas propostos no jornal 30 de agosto – edição pedagógica. São dois temas de fundo que remetem a importância de organização do PPP nas escolas: o primeiro texto reflete a escola como território de luta, mas também de resistência e esperança (Escola, do território de resistência ao projeto da esperança: o Projeto Político Pedagógico para além do burocratismo). O segundo texto trata de demonstrar as maquinarias capitalistas e seus engendramentos para a produção da reformas educacionais que ocorrem no Brasil e no mundo e os impactos destas reformas na educação pública (Educação e as maquinarias capitalistas: o processo de financeirização e capitalização da educação pública). Ambos os textos estão para debate nas escolas e fazem aquilo que a Semana Pedagógica não faz: contextualiza e teoriza as situações atuais vivenciadas na educação pública, além de apontar as contradições e possibilidades necessárias e viáveis para a superação do atual momento de organização da escola. Por isso a indicação de revisitar os PPPs e não apenas como um instrumento organizador das práticas pedagógicas, mas também, como ferramenta de resistência e luta de nossa pauta (hora atividade, jornada de trabalho, porte de escolas, valorização e respeito aos profissionais da educação, gestão democrática…) resgatando a esperança no chão da escola.
O terceiro e último dia (13/2) é destinado ao planejamento da primeira quinzena de aulas e o Plano de Trabalho Docente para o ano de 2019, baseados evidentemente nos indicadores que impactam no IDEB da escola. Segue-se o roteiro dos dias anteriores com proposições sem um efeito de fundo, ao contrário são placebos, como as proposições de mudanças na organização de sala de aula e as metodologias de ensino. Lançados no vazio, sem suporte teórico-prático necessário, os(as) professores(as) vão produzir o que já fazem – e não que isso esteja errado, mas para os objetivos que a Seed busca, talvez não sejam suficientes.
Infelizmente o proposto para os três dias de semana pedagógica pode ser simbólico do que teremos no período: um alinhamento as Reformas Educacionais Globais (GERM – Global Educational Reform Movement) impulsionadas pela OCDE e Banco Mundial. O Ideb é um índice criado com base a atender as demandas criadas por estes organismos. No Brasil a Reforma curricular (BNCC) e do Ensino Médio também são evidências desse alinhamento – e que estranhamente não se discute na semana pedagógica, isso após o Conselho Estadual de Educação no final do ano passado ter publicado Deliberação sobre Referencial Curricular do Paraná (Deliberação CEE-PR 03/2018). A utilização de ferramentas da administração de empresas para impulsionar resultados, algumas delas baseadas nas técnicas de coaching, demonstram o roteiro empresarial que a Seed desenvolverá no período e que impactará na comunidade escolar e, em especial, na responsabilização total dos(as) professores(as) pela não aprendizagem dos estudantes.
Funcionários de escola: invisibilizados(as) como educadores(as)
O que se propõe para discussão com os funcionários(as) de escola, com exceção do primeiro dia (11/2) em que professores(as) e funcionários(as) refletem juntos, reforça aspectos técnicos operacionais e os(as) distancia dos aspectos pedagógicos inerentes a condição de serem agentes educacionais, o que contribui ainda mais para invisibiliza-los(as) como educadores(as). Evidente que existem questões que precisam ser aprofundadas por professores(as) assim como existem questões que dizem respeito aos agentes educacionais, mas da forma como estão organizadas as propostas, ambos grupos não dialogam em nenhuma perspectiva pedagógica. Enquanto professores(as) refletem aspectos que a priori auxiliariam na melhoria na aprendizagem – pelo menos é o que espera a Seed, mas como vimos são insuficientes, funcionários(as) refletem sobre segurança, uso de laboratórios, brigada e patrulham, centro de memória, educação patrimonial, alimentação escolar, ambientação escolar / espaço físico e violência. Um conjunto interminável de temas e discussões que não guardam relação entre si e muito menos com os aspectos pedagógicos.
No segundo dia (12/2) até somos levados a acreditar que teremos avanço na proposta. Abre-se o 1º Período com um tema sugestivo: o olhar dos agentes educacionais nos espaços escolares. Imaginamos uma reflexão de fundo – como o título indica, do olhar dos agentes educacionais para a produção dos tempos e espaços escolares. No entanto, do nada a reflexão recai sobre a segurança no trabalho e descamba de vez em manuais de orientação práticas para a segurança, para o uso dos laboratórios, de organização das brigadas escolares e de procedimento para acionar a patrulha escolar. Segue o dia – 2º período, com mais um amontoado de orientações para organização do memorial, de documentação escolar e da alimentação escolares. Os participantes são levados a responder perguntas do tipo “se a escola tem ou não arquivo morto” o que exemplifica o grau limítrofe que a Seed tem sobre a compreensão dos sujeitos e os aspectos gerais da reflexão.
No dia 13/2 propõem-se aos(às) agentes uma reflexão sobre a necessidade de criar espaços educadores sustentáveis. O próprio texto de estudo remete a uma discussão mais complexa que envolve a gestão, o currículo escolar e o espaço físico e que, portanto, é tarefa da comunidade escolar como um todo. Corrobora com a complexidade do tema o diagnóstico sugerido a partir de uma planilha que pode até ser de fácil preenchimento, no entanto não há relação dos itens descritos com a discussão dos espaços educadores sustentáveis. Um exemplo é o levantamento de que se aponte em qual bacia hidrográfica a escola está inserida. Um mapa com as bacias hidrográficas até ajuda na tarefa, mas qual a relação disto com a criação de uma escola sustentável ambientalmente?
Ainda no dia 13/2, no 2º período, a discussão é sobre a violência e de forma que elas atravessam o espaço escolar, objetivando a atuação dos(as) agentes na proteção das crianças e adolescentes e na identificação e denúncia de casos. Tema de relevância, mas é igualmente complexo e que demanda uma reflexão profunda de produção da atual sociedade que é de naturalização das formas de violência. O atual presidente foi eleito com esse discurso – de banalização das formas de violência. Esse pano de fundo não aparece nas discussões, como se a violência fosse gerada de forma aleatória, sem o envolvimento de aspectos culturais, históricos e sociológicos. Ainda que a proposta seja da escuta e do encaminhamento a rede proteção – com orientações detalhadas para que se faça esses encaminhamentos, a ausência do tema de fundo torna incompreensível a produção da violência nas sociedades atuais. Assim, o remédio é paliativo – e precisa ser discutido, mas não é suficiente para atuar nas causas culturais, históricas e sociais que produzem uma endemia como é a violência na nossa sociedade.
Ressalta-se os mesmos aspectos anteriormente discutidos quando da análise do material proposto para os(as) professores – do uso e abuso de temas e oficinas sem um pano de fundo que relacione as questões que se pretende discutir com aspectos mais gerais do fazer pedagógico. Alias, no aspecto pedagógico, a semana como um todo deixa muito a desejar. E isso se evidencia de forma mais contundente no material destinado a discussão dos(as) funcionários(as) de escola. De Semana Pedagógica, de uma formação especializada, de reflexão teórica de fundo, de diálogo entre funcionários(as) e professores(as) sobre as diferenças do fazer pedagógico, não temos nada, a não ser o fato de que este momento se realiza no ambiente escolar.