Violeta (2022), o último livro de Isabel Allende suave como a flor do mesmo nome, mas, ao mesmo tempo forte e altivo como os condores que habitam a Cordilheiras do Andes. Nele, ficamos conhecendo a história de uma mulher centenária: Violeta Del Valle, que nasceu e morreu durante duas pandemias – a gripe espanhola (1920) e o Covid (2020).
Nasci em 1920, na pandemia de influenza espanhola, e vou morrer em 2020, na pandemia do coronavírus. Caramba, que nome elegante para um bicho tão maligno. Vivi um século e tenho boa memória […] (pág. 313
Para criar a personagem, a autora inspirou-se na própria mãe, que segundo ela, era linda, inteligente, talentosa, independente e forte. Mas, Violeta vai além, é uma mulher que aprendeu, a duras penas, sustentar-se e ganhar muito dinheiro; assim possuía uma liberdade muito maior que a das mulheres de seu tempo.
Além de conhecer a história da personagem, dos seus familiares e amigos próximos, o leitor também mergulha na história de um país que supostamente seria o Chile. Um país de castas sociais, muito preconceituoso e violento ao extremo, nos anos da ditadura militar.
Quem nos conta a história é a própria Violeta, no formato de cartas a seu neto Camilo, que trazem suas lembranças, o que permite a liberdade do ir e vir, de não ter a obrigatoriedade de se prender com rigor e exatidão à História, nem a cronologia dos fatos. Violeta apaixona-se diversas vezes e também sofre diversas vezes, inclusive com violências domésticas, o que a torna uma defensora incondicional das mulheres que a cercam.
O que eu temia? Temia as explosões violentas de Júlian, as brigas mortais presenciadas pelas crianças, que provocavam crises de asma e enxaquecas en Juan Martin, minha fraqueza para cair vezes sem conta nas armadilhas que você estendia para mim, temia aceitar as reconciliações tumultuosas e perdoá-lo. (pág. 152)
Com uma linguagem simples, dinâmica e beirando à coloquialidade, o texto envolve o leitor, levando-o a refletir sobre questões relacionadas às relações e conflitos familiares, amores, paixões, amizades, traições, angústias interiores, sexualidade, maternidade pois, Violeta, ao narrar sua história de vida, faz uma análise sobre esses assuntos e muitos outros que se intercalam e se entrelaçam.
Outra questão que prende a atenção é a crítica e a análise à ditadura militar (chilena), os horrores de um ditador (Pinochet) e o retorno da democracia em seu país. As semelhanças com outros governos militares do mesmo período (Argentina, Brasil e Paraguai, por exemplo) não é mera coincidência e reforça a todos nós a defesa incondicional e a importância da manutenção da democracia na América Latina.
[…] Tal como ocorreu em nosso país e em outros, milhares de pessoas foram raptadas e desapareceram, ou então foram torturadas e assassinadas, e os corpos nunca foram encontrados. Agora sabemos, Camilo, da infame Operação Condor, criada nos Estados Unidos para estabelecer ditaduras de direita em nosso continente e coordenar as estratégias mais cruéis para acabar com os dissidentes. (pág. 236)
Isabel Allende escolheu a data de 25 de janeiro de para o lançamento mundial de Violeta, pois há muita simbologia aqui. A exatos 40 anos atrás, nesta mesma data, ela publicaria o livro que a alçou à literatura mundial: A casa dos espíritos. Assim como em Violeta (cartas ao neto Camilo) este livro é uma série de cartas a seu avô e, se o leitor for fã da autora, encontrará muitas outras intertextualidades na obra. Mas, isso já é outra história.
ALLENDE, Isabel. Violeta. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2022.