Relatório do MEC aponta causas e medidas emergenciais para combater ataques a escolas

Relatório do MEC aponta causas e medidas emergenciais para combater ataques a escolas

Extremismo, glorificação da violência, anonimato e armamentismo estão entre os motores do ódio

Foto: QuemTV

Enfrentar redes de ódio, responsabilizar plataformas digitais e pessoas que compartilham vídeos de ataques, investir em inteligência e endurecer o controle sobre armas de fogo são algumas das medidas propostas pelo grupo de trabalho do MEC encarregado de recomendar ações para mitigar os ataques às escolas no Brasil. 

O documento, elaborado por especialistas e representantes da educação, investiga o fenômeno em profundidade, apresenta dados alarmantes e desenha possíveis soluções para a grave epidemia de violência contra as comunidades escolares. A CNTE, confederação à qual a APP é filiada, integrou o grupo responsável pelo texto.

O relatório traz recomendações emergenciais, para implantação imediata pelo poder público, bem como sugestões de longo prazo.

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Confira as 13 propostas emergenciais

1. Desmembrar e enfrentar a formação e a atuação de subcomunidades de ódio e extremismo, inclusive com ações de apoio aos jovens que são cooptados por esses grupos;

2. promover a cultura de paz; implementar um controle rigoroso sobre a venda, o porte e o uso de armas de fogo e munições; e desenvolver ações para monitorar clubes de tiros e similares, inclusive proibindo o acesso de crianças e adolescentes a armas e a tais espaços;

3. responsabilizar as plataformas digitais sobre a circulação de conteúdo extremista e ilegal;

4. responsabilizar as pessoas que compartilham vídeos de ataques e informações sobre os autores;

5. atualizar as leis sobre crimes de ódio (Lei nº 7.716/1989) e bullying (13.185/2015);

6. regulamentar e implementar o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas – SNAVE (Lei 14.643/2023) e a Lei 14.644/2023, sobre a instituição de Conselhos Escolares e de Fóruns de Conselhos Escolares;

7. melhorar a convivência e o ambiente de acolhimento nas instituições educacionais brasileiras, inclusive garantindo boa infraestrutura física e um espaço de interrelações dialógicas e inclusivas, com ênfase na gestão democrática, na promoção da convivência democrática e cidadã, e na resolução pacífica de conflitos;

8. garantir que as escolas possam funcionar a partir das determinações constitucionais e legais, com profissionais da educação valorizados, com adequadas formações inicial e continuada (inclusive sobre o tema em questão), e boas condições de trabalho;

9. promover políticas de saúde mental nas escolas, aumentando os investimentos na expansão e no fortalecimento da rede de atenção psicossocial, promovendo a saúde mental dos estudantes e dos profissionais da educação;

10. expandir espaços comunitários destinados ao lazer, à socialização, aos esportes e à cultura;

11. elaborar diretrizes, orientações e protocolos adequados à realidade brasileira para atuação após os ataques;

12. acordar com os veículos de comunicação e plataformas digitais protocolos sobre a cobertura dos casos de violências nas escolas e contra as escolas, evitando o estímulo a novos ataques, por meio do efeito contágio ou efeito de onda; e

13. ampliar e aperfeiçoar o setor de inteligência sobre os crimes de ódio, além de estabelecer ações

Entre as ações de longo prazo, constam organizar um banco com informações, pesquisas e análises dos dados sobre violência nas escolas e também elaborar diagnósticos dos contextos das violências, a partir das suas especificidades e dinâmicas.

“Ter uma gestão democrática e participativa, contando com todos os segmentos da comunidade escolar é algo muito importante. Mas as condições físicas dessas escolas, não só relacionadas à segurança, como também sobre ser um lugar prazeroso e confortável de estar, que ofereça um espaço adequado para essa educação e com profissionais valorizados, também é algo que precisa ser pensado”, explica Rosilene Corrêa, secretária de Finanças da CNTE.

Causas

O relatório aponta que o bullying é parte do problema mas, sozinho, não explica a ocorrência do fenômeno. Cooptação dos(as) jovens por grupos extremistas, o descontrole do discurso de ódio no ambiente digital, a glorificação da violência e a ascensão da cultura armamentista no país têm peso preponderante sobre os crimes.

Além disso, destacam-se as políticas educacionais inadequadas, que criam ambientes não acolhedores, seja em sua estrutura física ou em seus processos relacionais. 

Para isso, uma das propostas versa sobre apoiar os(as) profissionais da educação na elaboração e implementação de um plano de ação participativo e interdisciplinar, com atividades de pesquisa e educomunicativas com vistas ao enfrentamento das violências. 

Outra medida que o relatório propõe é a formação de Grêmios e Coletivos Estudantis, a fim de que o aluno se sinta parte integrante do processo pedagógico, não apenas um receptor de conteúdos isolado. 

Segundo Rosilene, a apropriação e disseminação de conteúdos positivos e de ajuda em espaços onde mobilizações de ódio são ativas é algo que precisa ser feito. Ela ainda cita a importância da ação de profissionais especializados em segurança no espaço virtual em identificar e combater o uso criminoso das redes em que crianças e adolescentes possuem fácil acesso.

O relatório

De relatoria do professor da Faculdade de Educação da USP e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, o documento possui 4 seções, que buscam colaborar com a compreensão do fenômeno dos ataques às escolas no Brasil e propor caminhos para a ação governamental e para a formulação de políticas públicas. 

A primeira define o fenômeno dos ataques às escolas e descreve o problema no Brasil; a seção seguinte traz as propostas e ações do Grupo de Trabalho Executivo e do Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas; a seção 3 descreve as perspectivas de ação para o enfrentamento dos ataques às escolas; e, por fim, a seção 4 traz propostas de políticas públicas e recomendações para o enfrentamento do fenômeno de ataques às escolas e para sua prevenção.

O documento evidencia que, de janeiro até outubro de 2023, o total de ataques registrados no país teve um aumento de mais de 100% em relação ao ano de 2022. Foram 16 casos neste ano contra sete registrados no ano passado.

Além disso, os dados propõem que os casos não podem ser vistos de maneira isolada, já que, segundo o relatório, há forte correlação entre os ataques ocorridos nos EUA, especialmente o mais conhecido entre eles, de Columbine (1999), com os ataques ocorridos aqui.

Entre 2002 e 2023, 164 vítimas de violência extrema em escolas foram notificados, vitimando 49 pessoas e ferindo outras 115. Das 37 escolas atingidas, 30 são públicas (14 municipais e 16 estaduais), e sete são particulares

Sobre o GT

Em abril deste ano, o Grupo de Trabalho Interministerial “Prevenção e Enfrentamento à Violência nas Escolas”, denominado “Ataques às escolas no Brasil: análise do fenômeno e recomendações para a ação governamental”, foi estabelecido pela Portaria do MEC 1.089/2023, em resposta ao ataque trágico realizado em uma creche em Blumenau (SC), que resultou na morte de quatro crianças.

O GT busca entender as raízes do problema e sugerir propostas para o enfrentamento dos ataques às escolas. A CNTE e outros 67 especialistas integram o Grupo.

Para Rosilene, as ocorrências de violência nas escolas também são inflamadas pela fragilidade do ambiente escolar. “Não se pode negar o desgaste que foi sendo provocado intencionalmente à imagem da escola, e isso passa, inclusive, pela desvalorização dos seus profissionais”, lamenta.

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