O governo federal decide, até o fim desta semana, se envia ao Congresso Nacional medida provisória referente à reforma do Ensino Médio, segundo informações do Ministro da Educação (MEC), Mendonça Filho. Em entrevista ao site da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anepd), a professora Monica Ribeiro da Silva, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integrante do Movimento em Defesa do Ensino Médio, ressalta que há um flagrante desconhecimento, do atual governo, sobre o tema. “Propor a obrigatoriedade do tempo integral demonstra total ignorância sobre quem são os brasileiros que estudam no Ensino Médio. Demonstra também o desconhecimento a respeito da rede de escolas que temos, o desconhecimento das condições em que se realiza atualmente a formação e o trabalho docente, dentre outros aspectos fundamentais para um ensino médio de qualidade”. Leia a entrevista:
Anped – É realmente necessária uma reformulação do Ensino Médio? Por quê?
Mônica Ribeiro da Silva – Hoje o Ensino Médio no Brasil ocupa as preocupações de vários setores da sociedade. Seja porque se tornou obrigatória a faixa etária de 15 a 17 anos, seja porque temos mais de 3.5 milhões de jovens dessa faixa etária que ainda encontram-se no Ensino Fundamental, ou ainda mais de um milhão sem qualquer vinculo escolar. Mas não é apenas a necessidade ampliação do acesso que coloca o Ensino Médio no centro das discussões: também a qualidade do ensino que é oferecido, as condições de oferta muito desiguais, etc…Enfim, se olharmos para esse conjunto de fatores, eu diria que sim, o Ensino Médio precisa ser reformulado, porém, não basta uma mudança na organização do currículo. É preciso pensar nessa amplitude de elementos: a formação do professores; as condições do trabalho docente; a estrutura física e material das escolas; políticas de assistência ao estudante, dentre eles.
Anped – Qual a principal diretriz que deve nortear uma reformulação no Ensino Médio?
MRS – Pensar em única diretriz eu entendo como sendo perigoso pois recairíamos em reducionismos. Talvez pensarmos em alguns eixos, por exemplo: levar em consideração os jovens e suas necessidades em termos de educação (a juventude e sua relação com a escola poderia ser um eixo); a docência (outro eixo); a organização pedagógica e curricular (os, tempos, os espaços, os conhecimentos escolares).
Anped – A sugestão de solução para o ensino médio se coloca na reformulação do currículo, e quanto às práticas e autonomia do professor em sala de aula? São necessárias também modificações em relação ao modelo de ensino em sala de aula?
MRS – Colocar a reformulação do EM somente no currículo é um reducionismo, uma simplificação. O currículo (que inclui o ensino, pois currículo não é apenas o texto, a proposta curricular) é um elemento fundamental, mas a ele precisam estar atreladas as demais condições já mencionadas.
Anped – Como você observa a participação dos professores nesse processo?
MRS – Há um aparente envolvimento dos professores na discussão do documento proposto pelo governo e intitulado Base Nacional Comum Curricular. Mas não vejo aí uma participação efetiva.
Anped – Qual a principal crítica com relação à proposta de reformulação do Ensino Médio?
MRS – Vou me referir ao Projeto de Lei 6840/2013 que trata da proposta de reformulação do Ensino Médio e que hoje encontra apoio por parte do Ministério da Educação do governo Temer. Do ponto de vista da organização curricular, O PL nº 6.840/2013 retoma o modelo curricular dos tempos da ditadura militar trazendo de volta a organização por opções formativas com ênfases de escolha dos estudantes. No último ano do ensino médio o estudante faria a escolha por uma das áreas do currículo ou pela formação profissional. Esse modelo reforça a fragmentação e hierarquia do conhecimento escolar que as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio visam minimizar. Além de significar enorme prejuízo no que se refere à formação de nossos jovens, por negar-lhes o direito ao conhecimento e a uma formação básica comum a todos/as os/as jovens, o fatiamento do currículo em áreas ou ênfases leva à privação do acesso ao conhecimento, bem como às formas de produção da ciência e suas implicações éticas, políticas e estéticas. Acesso este considerado relevante neste momento histórico em que as fusões de campos disciplinares rompem velhas hierarquias e fragmentações.
A proposta do PL nº 6.840 de organização curricular, com base em temas transversais às disciplinas, retrocede também ao retomar o formato experimentado em período recente da educação brasileira que se mostrou inócuo. As atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica e para o Ensino Médio entende o currículo como elemento organizador das experiências significativas que a escola deve propiciar. As atuais Diretrizes preconizam que haja uma estreita relação entre o conhecimento tratado na escola e sua relação com a sociedade que o produz. Desse modo, não cabe falar em “temas transversais”, posto que todo conhecimento, ao estar vinculado ao contexto social que o produziu, adquire sentido e expressão na construção da autonomia intelectual e moral dos educandos.
A compulsoriedade do cumprimento da jornada completa de 7 horas diárias para todos ignora que no Brasil temos aproximadamente 2 milhões de jovens de 15 a 17 anos que estudam e trabalham. Será que esses jovens trabalham e estudam à noite porque querem? Ou será que suas condições de vida os levam a isso? Propor a obrigatoriedade do tempo integral demonstra total ignorância sobre quem são os brasileiros que estudam no ensino médio. Demonstra também o desconhecimento a respeito da rede de escolas que temos, o desconhecimento das condições em que se realiza atualmente a formação e o trabalho docente, dentre outros aspectos fundamentais para um ensino médio de qualidade. Além do que as escolas não possuem estrutura física e material para isso. Muito menos professores em quantidade suficiente para dobrar a jornada.
Anped – Em entrevista para nosso portal você já afirmou que uma base formativa comum é interessante para o enfrentamento das desigualdades, por quê?
MRS – Uma base formativa comum é uma coisa: é o que está, por exemplo, nas Diretrizes Curriculares Nacionais (Resolução 02/12 do Conselho Nacional de educação) que estabelece princípios comuns para a organização dos currículos com vistas a assegurar a todos os mesmos direitos. Já uma lista única de objetivos com vistas a estabelecer um padrão fechado para os currículos (como é o caso do documento da Base Nacional Comum Curricular), produziria exatamente o contrário, isto é, aprofundaria as desigualdades. Um padrão único em condições desiguais mascara ou aprofunda essas desigualdades.
Anped – Com a reformulação do ensino médio, uma das sugestões é oferecer ao aluno a possibilidade de obter o diploma do ensino técnico junto ao do ensino médio. Ele cursaria um ano e meio de currículo regular e um ano e meio de formação técnica. Você vê isso como um avanço ou retrocesso? Por quê?
MRS – Quanto à formação para o trabalho, temos a possibilidade da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, preferencialmente na forma integrada – o chamado Ensino Médio Integrado, que tem no mundo do trabalho, na integração entre ciência e trabalho, entre formação científica básica e formação técnica específica, o grande ganho em termos de formação profissional. Esta é mais adequada por conseguir tratar de modo integrado a formação científica básica e a formação técnico profissional. A proposta que você menciona, e que está em consonância com o entendimento do MEC conforme explicitado recentemente, não faz nem bem uma coisa (formação básica) e nem outra (formação profissional). É um arremedo, um simulacro de formação.