Com a reforma nos modelos de ensino e a ascensão das escolas cívico-militares, avança uma perigosa concepção de educação pautada no tecnicismo e no “um manda outro obedece”, dificultando ainda mais o acesso de estudantes negros às universidades e espaços de poder.
O projeto político que toma força a partir da pressão das classes dominantes e setores reacionários coloca em xeque o presente e o futuro dos(as) jovens negros, que se veem empurrados para subempregos e o mercado informal.
Trajada de “inovadora”, a Reforma do Ensino Médio dilui o currículo de disciplinas importantes como Sociologia, História e Filosofia e aposta no ensino de valores voltados ao empreendedorismo, com a clara intenção de formar mão de obra com baixa qualificação para o mercado de trabalho.
Na prática, enquanto estudantes brancos(as) de escolas particulares terão acesso ao currículo completo, que engloba conteúdos fundamentais para o ingresso em Universidades, estudantes negros(as) e de escola pública deverão se contentar em aprender como “administrar as contas da casa”, como o secretário da Educação do Paraná, Renato Feder, se refere.
“É fundamental lembrar que a educação tem como princípio atender a todos(as). É um direito social. É fundamental ter uma organização escolar e uma prática pedagógica que valorizem e atendam à população negra”, aponta o professor e pesquisador da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e diretor da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) negros(as), Delton Aparecido Felipe.
O secretário de Promoção de Igualdade racial e Combate ao Racismo da APP, Luiz Carlos dos Santos reforça que a Seed deve respeitar a lei 10.639 e construir uma política efetiva de combate ao racismo.
“O formato imposto pela Seed apresenta um risco para nossos(as) estudantes negros(as). Precisamos avançar no debate racial, principalmente na efetiva implementação da Lei 10639/03. Este é o caminho a trilhar por uma educação antirracista”, avalia Luiz Carlos dos Santos, secretário de Promoção de igualdade racial e Combate ao Racismo da APP.
Escolas cívico militares
Empurradas goela abaixo pelo governo Ratinho Jr., as escolas cívico-militares têm se mostrado especialmente nocivas para crianças e jovens negros(as).
Além de controlar os corpos destes estudantes, definindo como se portar, vestir e cortar o cabelo, o modelo nasce de uma concepção ideológica de controle da mente e da visão de mundo, suprimindo a livre expressão e louvando um militarismo irracional e opressivo.
“A educação nas escolas cívico-militares não é feita para valorizar as diferenças. Essas escolas foram feitas para atender uma ideia de identidade nacional, de formatação do sujeito a partir de um determinado padrão e esse padrão exclui pessoas negras. Nestas escolas militares, jamais será permitido que uma criança negra valorize sua identidade a partir de seu cabelo black. Não há respeito à diversidade”, aponta o pesquisador.
As escolas cívico-militares são palco de graves denúncias de violação dos direitos de crianças e adolescentes. Como foi o caso do abuso sexual por parte de um militar reformado contra uma estudante, a obrigatoriedade do corte de cabelo de estudantes a contragosto e o caso de racismo contra uma estudante negra.
Não pense, trabalhe
Este não é um projeto recente. Setores reacionários há anos lutam por uma educação cada vez mais castradora e que de nada auxilia no empoderamento de estudantes negros(as).
O objetivo é claro: transformar estudantes da classe trabalhadora e negra em massa de trabalho, que não pensa e apenas executa o que o patrão manda.
É preciso construir uma educação antirracista, que busque a valorização de estudantes negros(as) e permita que estes se vejam em espaços de elaboração teórica e de poder.
“Adotar uma metodologia afrocentrada, ou adotar uma metodologia que valorize a história e cultura afrobrasileira na educação escolar é fundamental para ter crianças que se reconheçam enquanto cidadãos do Brasil, que tenham uma autoestima e uma educação que converse com sua realidade”, completa Delton Aparecido Felipe.
Evasão escolar de estudantes negros(as)
Um dos principais problemas que estudantes negros(as) enfrentam é a evasão escolar. O estudo mais recente apresentado pelo IBGE, em 2019, mostra que mais de 10 milhões de jovens com idade entre 14 e 29 anos não concluíram o Ensino Médio. Desse total, 70% eram negros.
As principais causas da evasão são a necessidade de ingressar no mercado de trabalho precocemente, dadas as condições financeiras das famílias negras, assim como um currículo eurocêntrico e excludente.
“Para além disto, os estudantes enfrentam o racismo institucional e intrapessoal constantemente. Quando se tem atrito com outro estudante, as características negras são usadas como instrumento de ataque e opressão. Desta forma, construir estratégias para que alunos(as) se sintam mais pertencentes e combater o racismo nas práticas pedagógicas se faz necessário”, explica o professor.
Pensando nesta perspectiva, o pesquisador aponta que o(a) educador(a) tem papel fundamental na luta antirracista e na efetivação de uma educação que promova a diversidade.
“Os(as) educadores(as) devem considerar os(as) estudantes negros(as) em todos os momentos. Na organização dos projetos político pedagógicos, na organização das suas práticas de ensino e na organização da escolha dos materiais”, finaliza Delton.
A APP-Sindicato reforça que uma educação de qualidade é aquela que prioriza a formação, humanização, acolhimento e socialização, pontos fundamentais na construção da emancipação dos estudantes enquanto cidadãos e cidadãs plenos de direitos.
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