A gestão do governador Ratinho Jr. tenta impor ao Paraná um modelo de educação autoritário que visa ao controle de professores(as) e alunos(as) por meios digitais. A observação é da secretária Educacional das APP-Sindicato, Vanda Santana, e foi feita durante o lançamento do Relatório sobre Reconhecimento Facial nas Escolas Públicas do Paraná, na noite da última quarta-feira (13), em Curitiba.
“O uso da tecnologia na educação paranaense não objetiva ganhos de aprendizado, mas o controle de comportamentos, do tempo, do conteúdo da escola, do método de ensino e da organização do trabalho pedagógico”, apontou Vanda.
O trabalho foi desenvolvido por cientistas do Jararaca, laboratório de tecnopolíticas urbanas, do Observatório das Metrópoles – Núcleo Curitiba, da Rede de Pesquisa em Governança da Internet e da Lavits – Rede latino-americana de estudos sobre vigilância, tecnologia e sociedade.
A elaboração do estudo teve a colaboração da APP e evidenciou a construção de um “tecnoautoritarismo” nas escolas da rede pública paranaense, alertando para o risco da normalização do uso de tecnologias de vigilância nas escolas.
“O que estamos denunciando nesse relatório é que é um sistema que desumaniza a relação social, que é a essência da escola, principalmente na educação básica. O reconhecimento facial e as plataformas desumanizam cada vez mais os adolescentes”, afirmou Vanda.
Os(as) pesquisadores(as) constataram que o uso de reconhecimento facial nas escolas do Paraná vem se expandindo rapidamente. Até maio de 2023, 1.667 colégios já usavam a tecnologia. O Registro de Frequência opera a partir de coleta e tratamento de dados biométricos, designados como dados sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Falhas e riscos
A pesquisa aponta falhas nos procedimentos adotados e riscos do reconhecimento facial. As principais são: o sistema foi implantado sem consulta pública nem acompanhamento do legislativo estadual; desrespeito à LGPD e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); ausência de avaliação de impactos da coleta de dados sensíveis; inexistência de uma política de consentimento adequada; custos desproporcionais em relação aos benefícios anunciados; limitação técnica e vieses raciais e de gênero.
Vanda Santana ressaltou a luta da APP contra a obrigatoriedade do uso do sistema de reconhecimento facial para verificar a presença de estudantes em sala de aula. O principal argumento da Seed para impor o sistema é que reduziria o tempo gasto com a chamada, mas isso não aconteceu na prática.
“A tecnologia se condenou por si, na questão da otimização do tempo. Nossas turmas têm mais de 40 estudantes, são adolescentes e muitos não gostam de fotos. Quando a professora tirava a foto, alguns viravam o rosto. Não deu certo a foto, reúne todo mundo, faz outra”, relatou Vanda.
Depois de publicar a foto no Registro de Classe On Line, os(as) professores(as) têm que conferir se funcionou. “É um retrabalho, pois tem que fazer as fotos e conferir. Na dúvida, os estudantes entram no aplicativo Paraná para ver se a presença deles foi registrada. Isso fez com que o sistema se mostrasse ineficiente, contraditoriamente à propaganda”, observou.
Esse problema na chamada também foi constatado por outro estudo, a pesquisa Plataformização da Educação, realizada pela APP-Sindicato e o Instituto IPO. De acordo com o levantamento, para 82% dos(as) educadores(as) do Paraná, o registro de presença por reconhecimento facial é pior do que o manual.
“Tecnocontrole”
A professora da UFPR e coordenadora do estudo sobre o uso do reconhecimento facial nas escolas, Carolina Batista Israel, afirmou que a divulgação do relatório é um momento de reflexão sobre como essas tecnologias têm sido inseridas nas salas de aula, para que a sociedade possa avaliar o real impacto e que tipo de sociedade surge com a inserção dessas ferramentas.
“O reconhecimento facial e a plataformização são tecnologias que, no final das contas, formam um arranjo de tecnocontrole, que não está longe da militarização das escolas. Existem aquelas formas de controle arcaicas ou institucionalizadas, conhecidas, mas muitas vezes uma tecnologia que se coloca como inovação pode exercer essa mesma função de controle social”, explicou.
Recomendações
As análises e conclusões resultaram da compilação de dados oficiais divulgados pelo governo do Paraná e obtidos através da Lei de Acesso à Informação, além de entrevistas com professores(as) da rede pública e com servidores da Seed e da Celepar envolvidos na implementação do reconhecimento facial nas escolas.
Ao final do documento, o Relatório apresenta sete recomendações aos gestores públicos, como avaliar a real necessidade do uso de tecnologias com potencial de ampliar o controle e a vigilância sobre a população e garantir a participação de especialistas independentes na análise dos impactos.
As sugestões incluem ainda a realização de consulta à comunidade escolar, envolvendo mães e pais, professores(as) e estudantes, divulgação dos resultados da adoção dessas tecnologias e a realização de amplo debate público com a sociedade civil.
O lançamento aconteceu no Campus Reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), com transmissão ao vivo pelo canal da APUFPR no Youtube. A íntegra do Relatório está disponível para leitura na internet. Clique no link abaixo para acessar o conteúdo.
>> Clique aqui para conferir a íntegra do relatório.
O que é o tecnoautoritarismo? | What is techno-authoritarianism?