Quilombo dos Palmares e Zumbi: o maior símbolo da resistência à escravidão da história do Brasil

Quilombo dos Palmares e Zumbi: o maior símbolo da resistência à escravidão da história do Brasil

*Por Michele Corrêa

Foto: Divulgação

A História do Quilombo de Palmares e de Zumbi se misturam, entrelaçadas são parte importante da história de luta pela libertação das populações escravizadas em terras brasileiras. Memórias de organização, resistência e empoderamento do povo negro na defesa de sua liberdade e resgate de sua dignidade. Quando os direitos e a vida das populações negras e povos originários são ameaçadas se faz necessário recordar, celebrar e nos inspirarmos na luta de Zumbi para novamente quebrar o jugo do opressor, a partir de um projeto de libertação e vida digna para o povo brasileiro.

O quilombo dos Palmares (cujo nome vem das palmeiras que compunham a vegetação local) era formado por escravos de origem angolana, fugidos das fazendas de cana-de-açúcar da região. Nos mais de 100 anos de existência do lugar, indígenas e brancos marginalizados também se juntaram à população negra. No auge, Palmares era um povoado grande para os padrões da época, abrigava em torno de 20 mil habitantes e incluía nove aldeias, chamadas de mocambos (“esconderijos”, no dialeto banto).

Tudo começou com a revolta dos escravizados de um engenho de açúcar que, armados apenas com foices, chuços e paus atacaram e dominaram seus amos e feitores, segundo conta o historiador Décio Freitas, em “Palmares – A Guerra dos Escravos”, de 1973. E arremata: “E assim, viram-se Senhores do Engenho que fora tanto tempo o instrumento da sua opressão. Mas quedaram perplexos: que fazer da liberdade que haviam conquistado?”.

Corria o ano de 1.580 e já havia muitos exemplos de revoltas que foram sufocadas, como seria também a deles. Se ficassem na usina, logo seriam cercados por forças bem armadas. Se fugissem pra perto, logo seriam alcançados. Daí, a decisão de andar semanas e semanas até a região dos Palmares. A escolha do local denunciava que o território já havia sido percorrido por alguns deles.

O Quilombo ficava na Serra da Barriga, então Pernambuco, distante de áreas urbanas, a região de mais difícil acesso naquela Província. Era uma área enorme, metade do que é hoje o Pernambuco, indo até as margens do rio São Francisco, de topografia acidentada e uma mescla de mata fechada com palmeirais (palmares) nativos nos topos dos pequenos morros. Hoje, boa parte do território estaria em Alagoas, onde está a cidade de União dos Palmares.

A nação palmarina começou a se formar por volta de 1597, com a princesa Aqualtune, filha do rei Mani-Kongo, do Congo. Sua organização e consequente fortalecimento passaram a ser visto como uma ameaça perigosa ao poder colonial, pois sua existência estimulava as fugas de escravizados, fazendo com que os fazendeiros da região reunissem milícias para atacar Palmares durante todo o século 17. Apesar da aura utópica, o quilombo tinha pouco de sociedade alternativa. Pelo contrário. Além de praticarem uma agricultura considerada avançada para os padrões da época, desenvolveram uma atividade metalúrgica organizada para sua defesa e subsistência e chegaram a estabelecer comércio com localidades próximas.

A própria palavra “kilombo”, em banto, quer dizer algo como “sociedade guerreira com rigorosa disciplina militar”. “Havia pena de morte para adultério, roubo e deserção”, afirma o historiador Dagoberto José Fonseca, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara (SP). Como os quilombolas não deixaram registros escritos, seus hábitos não são totalmente conhecidos. Sabe-se, porém, que eles eram governados por um rei, com o título de Ganga Zumba (“grande chefe”), assistido por um conselho composto pelos chefes dos vários mocambos. O chefe maior era eleito, como na maioria das comunidades africanas, e não tinha poderes absolutos nem linhagem religiosa, num convívio baseado na fraternidade e solidariedade, citando de novo Décio Freitas.

Em Palmares, no mocambo Cerca do Macaco, nasceu o menino Zumbi dos Palmares, em 1.655, que ainda criança foi raptado e aprisionado pela expedição de Brás da Rocha Cardoso, e entregue a um missionário português, padre Antônio Melo, em Porto Calvo, que o batizou com o nome de Francisco e o deu uma educação formal. Era neto da princesa Aqualtune. Aos 10 anos, já sabia latim e português e, aos 12, tornou-se coroinha. A inteligência do menino recebia elogios do Padre Antônio Melo, segundo relatam registros existentes. Com 15 anos, Francisco fugiu de volta a Palmares, adotando o nome de Zumbi e passando a fazer parte da Família Real, pois foi adotado pelo então rei Ganga Zumba.

Entre 1596 e 1716, os palmarinos resistiram a 66 expedições coloniais, tanto de portugueses como de holandeses. Foi a maior e mais longa expressão contestatória da escravidão em todo o mundo. De todos os líderes da resistência negra, dois se tornaram conhecidos: Ganga Zumba e Zumbi. Zumbi, porém, foi o líder mais famoso da confederação de quilombos de Palmares, que se estendia pelos territórios atuais de Alagoas e Pernambuco.

Quando Zumbi voltou aos Palmares, à época sob a liderança de seu tio Ganga Zumba, chefe que negociava um armistício com as autoridades da Província, pois estas haviam aprisionado seus três filhos. Ganga Zumba, cansado de muitas guerras, assinou um acordo de paz com os portugueses, em 1678. Isso desagradou uma parte significativa dos quilombolas, que viam a transferência para Cucaú como uma forma de controlar a comunidade, além de não resolver o problema da escravidão. Zumbi tomou à dianteira e impediu o acordo, destacando-se como comandante militar, foi nesse momento que Zumbi rompeu com Ganga Zumba, sendo aclamado Grande Chefe por aqueles que ficaram em Palmares,o que o colocou na posição de líder maior do quilombo.

Entretanto, Ganga Zumba prosseguiu as negociações por sua própria conta foi pessoalmente a Recife, acompanhado de um séquito de 40 homens, e fechou um acordo com o governador da Província, Aires de Souza e Castro. Assim, ele deixou o quilombo e foi morar em umas terras cedidas pelo mandatário. E consta que lá morreu uns anos depois, envenenado.

Desde lá atrás, no início de tudo, os quilombolas de Palmaras já haviam enfrentado incontáveis batalhas contra portugueses, holandeses e senhores de engenhos. Usavam táticas de guerrilha e quase sempre saiam vitoriosos ou pelo menos ilesos, pois ninguém ousava entrar nos redutos por eles dominados, na tentativa de alcançá-los.

Mas, eles enfrentavam sérios problemas, entre os quais o de poucas mulheres, o que os forçava a descer a serra, como se dizia, pra raptar negras em senzalas, plantações ou casas de fazendas. Isto era feito com escaramuças e violência, pois eles aproveitavam pra confiscar armas e alimentos. O fato é que, agora, a fama de Zumbi se espalhava pelo país inteiro, como homem capaz de muitas proezas, que não aceitava negociar com o poder colonial que os escravizava e que, além do mais, tinha o corpo fechado, ninguém conseguiria matá-lo. Pelo sim, pelo não, as histórias que corriam incomodavam as autoridades e senhores de escravos.

Foi armada, então, em 1.687, uma grande ofensiva contra Palmares, tarefa entregue ao bandeirante Domingos Jorge Velho, então já conhecido matador de indígenas da Bahia ao Piauí, e senhor de fazendas em todo o nordeste. Ele tinha um exército de 2.100 homens, dentre os quais 1.300 índios cooptados e uns 800 não indígenas, inclusive negros.

Mas na manhã de 6 de fevereiro de 1694 a Cerca Real do Macaco, capital de Palmares, foi ocupada por um batalhão comandado pelo bandeirante Domingos Jorge Velho. Durante o ataque em 1694, Zumbi caiu ferido em um desfiladeiro, o que gerou o mito de que o herói se suicidara para evitar a escravização. Foram 7 anos de ofensivas que, aos poucos, foram solapando o quilombo pelas beiradas, mocambo a mocambo, até o derradeiro ataque ao Macaco, iniciado em março de 1.695. Zumbi escapou do massacre inicial e liderou uma luta de guerrilhas, voltando a comandar ataques, mostrando que estava vivo. Zumbi foi traído por um de seus principais comandantes, Antônio Soares, e assassinado durante expedição de Domingos Jorge Velho, em 20 de novembro de 1695.. Delatado por um ex-comparsa, Zumbi foi apanhado no dia 20 de novembro, morto e decapitado. Sua cabeça foi levada ao Recife, onde foi exposta no lugar mais público da cidade, e ali ficou até se decompor.

A cabeça de Zumbi foi decepada e levada para Recife, onde foi pendurada em local público até sua total decomposição. Palmares resistiu ainda por mais de 30 anos antes de sucumbir definitivamente. Em homenagem a Zumbi, a data de sua morte foi escolhida como Dia Nacional da Consciência Negra.

Em 20 de novembro de 1695, há 323 anos, morria Zumbi dos Palmares, encerrando mais de um século de resistência naquele que foi o maior quilombo da história do Brasil. Ele morreu na guerra contra a escravidão, lutando pela liberdade da negritude, a coragem de Zumbi e dos palmarinos é lembrada a cada ano, na data de 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, ao Brasil que brasileiras e brasileiros afrodescendentes são partes da nossa sociedade, mas ainda padece da falta de igualdade plena, verdadeira, não apenas formal, no papel.

*Por Michele Corrêa, graduanda em Filosofia na UFPel, assessora da Pastoral da Juventude (PJ) e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)

Fonte: Rede Soberania

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