O professor de Geografia, Clodoaldo Beraldo Antunes, é doador de sangue desde seus 22 anos. Mas ele conta que, por ter que omitir sua orientação sexual, se sentia constrangido toda vez que praticava esse gesto de amor ao próximo.
O motivo está nas normas do Ministério da Saúde (Portaria 158/2016) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) (Resolução RDC 34/2014) que proíbem a doação de sangue por “homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes nos 12 meses antecedentes”.
Após anos de luta contra esse tipo de restrição, essa situação vexatória deve acabar. Em votação histórica, finalizada no último dia 8 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5543, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), e decidiu que essas restrições são discriminatórias e inconstitucionais”.
Antunes comemorou a decisão do STF. “Quando você vai doar o sangue, você não se interessa em saber quem que vai receber, qual o gênero da pessoa, qual a sexualidade dela. Então, da mesma forma, acho que não deveria ter nenhum tipo de restrição para quem queira doar sangue”, comentou.
“A primeira vez que doei foi quando um amigo pediu para ajudar um parente dele. Até então eu não entendia muito e não sabia muito como funcionava. A partir daí eu comecei a perceber o quanto era necessária a doação de sangue”, contou o professor, que mora em Umuarama, interior do Paraná.
Para o educador, essa regulamentação restritiva tem base em preconceitos, pois, segundo ele, pessoas e casais homossexuais ou heterosexuais têm vida sexual e risco de contrair doenças muitos semelhantes. Ele lembra também que todo sangue doado é testado.
“Doar sangue nada mais é do que amor ao próximo. Mas você ter que se esconder atrás de uma mentira para conseguir fazer isso, é um constrangimento muito grande”, acrescentou.
Luta contra o preconceito
Na avaliação do secretário-executivo da Mulher Trabalhadora e dos Direitos LGBTI+ da APP-Sindicato, professor Clau Lopes, a decisão do STF representa um avanço significativo e contribui para a desmistificação da discriminação contra a população LGBTI+, construída a partir dos anos 80, em relação a aids.
“De fato a população LGBTI+ é uma das que mais sofre preconceito e, na sociedade brasileira, práticas como as que reforçam o discurso de ódio, violência, entre outras, implicam negativamente na vida do indivíduo”, disse.
Por outro lado, ele analisa que as políticas públicas aumentaram a compreensão da doença e o acesso a diagnóstico, tratamento e informações sobre os cuidados que a população em geral deve ter para ter vida sexual saudável.
Vitória do direito à igualdade
Em seu voto, o ministro relator do caso no STF, Edson Fachin, destacou que “o estabelecimento de grupos – e não de condutas – de risco incorre em discriminação, pois lança mão de uma interpretação consequencialista desmedida que concebe especialmente que homens homossexuais ou bissexuais são, apenas em razão da orientação sexual que vivenciam, possíveis vetores de transmissão de variadas enfermidades, como a AIDS”.
“Tais normas violam o direito à igualdade e à não-discriminação dos homens homossexuais à medida que estabelecem restrição quase proibitiva para a fruição de duas dimensões de direitos da personalidade: o de exercer ato empático e solidário de doar sangue ao próximo e o de vivenciar livremente sua sexualidade”, acrescentou Fachin em outro trecho da decisão.
O voto do relator foi seguido pela maioria e o resultado final do julgamento registrou 7 votos contrários às normas restritivas e 4 favoráveis. “É impossível, assim, ignorar a violência física e simbólica a que diariamente se encontra submetida a população LGBT em nosso país”, afirmou Fachin.