Plataformização: prefeitura do Rio de Janeiro proíbe o uso de celulares em sala de aula APP-Sindicato

Plataformização: prefeitura do Rio de Janeiro proíbe o uso de celulares em sala de aula

APP defende que a utilização de dispositivos eletrônicos em sala de aula precisa ser repensada

Imagem: Reprodução/ Prefeitura do Rio de Janeiro

A prefeitura do Rio de Janeiro publicou na, última segunda-feira (7), um decreto que regulamenta a utilização de celulares em salas de aulas em escolas públicas do município. Com a mudança, celulares passam a ser utilizados apenas em atividades pedagógicas, com a autorização dos(as) professores(as). 

A decisão se soma à tendência global de limitar o uso de tecnologias após estudos recentes que apontam para potenciais prejuízos à aprendizagem, a exemplo do relatório “Tecnologia na educação: a serviço de quem?” publicado pela Unesco em julho. 14 países já proibiram o uso de celulares em sala de aula.

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Ao mesmo tempo, desafia a tendência nacional. Após submeter a rede estadual do Paraná a um intenso processo de digitalização, o secretário da Educação de São Paulo, Renato Feder, dobrou a aposta e baniu os livros das escolas do estado.  

De acordo com o decreto do Rio de Janeiro, dispositivos eletrônicos como celulares e tablets deverão ser guardados na mochila do próprio estudante, desligado ou em modo silencioso.

O decreto estabelece ainda que os aparelhos só poderão ser usados em atividades pedagógicas, devidamente autorizadas pelo(a) educador(a), como pesquisas, leituras, ou acesso ao material Rioeduca, oferecido pela Prefeitura, ou outro conteúdo ou serviço. Quando permitido, o aluno deverá utilizar os aparelhos de forma silenciosa e de acordo com as orientações do professor. 

De acordo com o Renan Ferreirinha, secretário de Educação do município, a medida visa garantir que os(as) alunos(as) limitem o tempo em frente a telas e participem de atividades que aumentem a interação com colegas. 

“A gente precisa entender que escola é o local de interação social onde as nossas crianças precisam brincar umas com as outras, precisam interagir e não ficar isoladas em suas telas de celular”, explica Ferreirinha em publicação nas redes sociais.

Paraná – Enquanto a prefeitura do Rio de Janeiro nada contra a maré, o Paraná segue acentuando a plataformização. Iniciada em 2019 com o ex-secretário da Educação do Paraná e atual secretário da Educação de São Paulo, Renato Feder, a utilização de plataformas digitais atingiu seu ápice em 2023, disponibilizando cerca de 20 plataformas para que estudantes utilizem tanto em sala de aula, quanto em casa.

A secretária Educacional da APP-Sindicato, Vanda Santana aponta que medidas como a tomada pela prefeitura do Rio de Janeiro chamam atenção para a importância do debate sobre o uso das tecnologias digitais na educação enquanto recurso didático, com garantia da autonomia docente sobre a sua adoção nas aulas

“Além do aspecto preventivo em relação à saúde, o uso do celular precisa ser analisado a partir da dimensão pedagógica, pois a escola é um espaço de aprendizagem sendo a  socialização entre os sujeitos um elemento fundamental. Neste sentido, a mera proibição não trará efeitos positivos se não houver um conjunto de ações por parte dos governos que garantam condições adequadas de trabalho a uma organização curricular que promova uma formação de qualidade para nossos estudantes”, explica Vanda.

Uma pesquisa pioneira realizada pela APP-Sindicato e o Instituto Pesquisas de Opinião (IPO) com educadores(as) de todo o Paraná revela os reflexos da intensa digitalização nas condições de trabalho da categoria e no processo de ensino-aprendizagem.

O levantamento traz dados alarmantes, como o grau de adoecimento e sobrecarga atrelados ao modelo, a percepção de baixa aprendizagem dos(as) alunos(as) e as deficiências estruturais da rede para atender às exigências tecnológicas. Também chama atenção o elevado número de professores(as) que se sentem assediados(as) com a pressão exercida pelo cumprimento de metas e a obrigatoriedade de uso de plataformas.

Quase a totalidade dos(as) educadores(as), 91,3%, se declaram sobrecarregados(as) com a avalanche de novas plataformas, aplicativos e meios tecnológicos somados à cobrança pelo cumprimento de metas. Já 74,3% reconhecem os impactos negativos do modelo na sua saúde física e/ou mental, enquanto uma parcela maior (78,3%) afirma ter colegas que adoeceram em decorrência das dificuldades impostas pelas novas tecnologias.

Outro dado descortina a deterioração das condições de trabalho: quatro a cada 10 educadores(as) (43%) se sentem assediados(as) e reconhecem abuso de autoridade na pressão exercida sobre a comunidade escolar para utilizar as plataformas. No cerne do problema está a imposição do modelo e a pressão pelo cumprimento de metas de uso.

Sete a cada 10 entrevistados(as) (73%) se sentem obrigados(as) a adotar os meios tecnológicos impostos pela Secretaria da Educação e 95% dizem que há cobrança por metas e resultados.

>> Confira a Parte I do relatório da pesquisa “Plataformização da Educação”

Unesco – Segundo a Unesco, existem poucas evidências científicas que comprovem a melhora educacional após a implementação de meios digitais. Já as que existem sofrem com um problema de confiabilidade, pois boa parte são produzidas por empresas que tentam vender seus produtos. 

>> Confira aqui o relatório da Unesco

Um exemplo é o Reino Unido, onde 7% das empresas de tecnologia educacional conduziram estudos controlados randomizados e 12% usaram certificação de terceiros. Já uma pesquisa entre professores(as) e gestores(as) em 17 estados dos Estados Unidos demonstraram que somente 11% haviam solicitado evidências revisadas por pares antes de adotar tecnologia educacional.

O documento aponta também que a tecnologia pode ter um impacto negativo se for utilizada de forma adequada ou excessiva. A Unesco ressalta ainda que a simples proximidade de um aparelho celular é capaz de distrair os(as) estudantes e provocar impacto negativo na aprendizagem.

Outros pontos críticos apontados pela Unesco são a falta de regulamentação ou avaliação de qualidade do conteúdo, que é produzido por grupos dominantes, e a exposição de dados de estudantes a partir do acesso a dados privados, já que somente 14% dos países garantem a lei de privacidade dos dados na educação. 

“Uma análise descobriu que 89% dos 163 produtos de tecnologia recomendados durante a pandemia tinham a capacidade de coletar dados de crianças. Ademais, 39 dos 42 governos que ofereceram educação online durante a pandemia acomodavam usos que colocavam em risco ou infringiam os direitos das crianças”, aponta o documento.

Já sobre o acesso, a Unesco entende que a falta de democratização da rede de internet e a falta de equipamento adequado pode interferir negativamente na educação. 

“Havia no máximo 10 computadores para cada 100 estudantes no Brasil e no Marrocos, enquanto em Luxemburgo havia 160 computadores para cada 100 estudantes, de acordo com o PISA 2018”, evidencia o relatório.


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