Perícia estadual obriga servidores(as) doentes a permanecerem nos postos de trabalho

Perícia estadual obriga servidores(as) doentes a permanecerem nos postos de trabalho


Peritos ignoram laudos e atestados de outros médicos e mandam de volta ao trabalho servidores comprovadamente doentes

O laudo médico da funcionária de escola Ana Piedade diz que ela precisa permanecer afastada do trabalho durante os próximos 60 dias. No entanto, a perícia médica do estado julga que os 70% de surdez, a recente cirurgia no ombro e a quase total incapacidade de movimentar os braços não são empecilhos para que Ana exerça as funções de agente I no colégio onde trabalha.  Depois de um longo tempo de espera e de uma rápida consulta Ana saiu da perícia médica com a definição de retorno imediato ao trabalho.

Parece uma narração fictícia, mas essa história vem acontecendo de forma rotineira no Paraná e demonstra o quanto é grave a situação dos servidores, quando necessitam do atendimento da Perícia Médica do Estado. Ana Piedade Gonçalves trabalha no Colégio Estadual Macedo Soares em Campo Largo – região metropolitana de Curitiba. Assim como ela, centenas de servidores públicos passam todos os dias pelas 18 juntas de perícia médica no Paraná, em comum, a indignação com o atendimento prestado pela perícia do Estado.

“É humilhante. Os médicos nos tratam com desprezo, com desrespeito porque julgam, não querem trabalhar. Eu quero! Quero voltar para minha escola. Mas estou fazendo um tratamento psicológico depois que o meu colégio foi assaltado seis vezes neste último ano. Eu não quero estar doente, eu não escolhi isso!” revolta-se a diretora Maria Elisângela Ribeiro da Silva. “Esta é a décima primeira vez que estou aqui porque só consigo atestados de poucos dias que são insuficientes para o tratamento necessário indicado pelo meu médico para o restabelecimento da minha saúde”, explica a professora ao comentar um das maiores reclamações dos periciados: o desrespeito quanto à quantidade de dias solicitado para tratamento pelos médicos assistentes (ao adoecer o servidor é atendido por um médico assistente do Sistema de Assistência a Saúde- SAS ou da iniciativa privada, que emite um laudo de acordo com sua análise profissional).

De acordo com a própria perícia, os transtornos mentais e as doenças osteomusculares representam mais da metade dos casos de pedido de licença. No caso dos problemas psicológicos, a avaliação e comprovação é ainda mais difícil, pois demanda uma postura diferente da praticada hoje: o preconceito da perícia do Estado é maior quando se trata das doenças de ordem psicossomáticas, muitos casos são tratados com extrema desconfiança, descrédito e desrespeito. “A psicóloga da perícia, já chegou a rir de mim quando eu contava sobre a minha depressão. Só em agosto para conseguir os dias que precisava, tive e vim para a perícia quatro vezes. Eu, na verdade, estou piorando cada vez que tenho de passar por isso”, desabafa a educadora Rute Rodrigues Correa.

O diretor geral da Divisão de Medicina e Saúde Ocupacional do Estado (DIMS), Marcus Vinicius Garcia Negrão, explica que pela Legislação, o perito é o profissional capacitado para atestar a capacidade laboral do trabalhador e, por isso, tem autonomia para determinar um afastamento com período diferente do médico assistente. “O perito avalia a doença, avalia a capacidade ou incapacidade de trabalhar”. O problema é que, em boa parte dos casos essa forma de avaliação desconhece fatores como condições de trabalho e contexto psico-social do trabalhador. É necessária uma análise mais profunda, criteriosa e isenta da equipe pericial.

A APP-Sindicato, entidade que representa os professores e funcionários de escola da rede estadual, recebe semanalmente dezenas de reclamações sobre a qualidade dos serviços da perícia médica. São educadores(as) que, muitas vezes, adoecem na escola e, quando precisam da licença para tratamento, são tratados com descaso pelo Estado.  A professora Maria Madalena Ames, de Foz do Iguaçu, desenvolveu fibromialgia, doença que é agravada em ambientes de estresse. Teve que ir a Curitiba e, depois de longas horas de espera, obteve o laudo do perito: três dias de afastamento da sala de aula. “O que eu faço agora? Eu tenho dores em todas as juntas do meu corpo, um atestado de 30 dias de afastamento e a perícia me mandou voltar em três dias para a escola. Para tentar conseguir mais dias, eu tenho que voltar à Foz, no meu médico, conseguir uma nova consulta e um novo laudo para mostrar que realmente não tenho condições. Quem vai ressarcir minhas despesas com transporte, alimentação e hospedagem? O que eu faço?”, revolta-se a professora.

As entidades de defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, reunidas no Fórum das Entidades Sindicais (FES), buscam um diálogo com a Secretaria de Administração, Saúde e Previdência no sentido de humanizar o atendimento da perícia médica no Estado do Paraná. “No Paraná os trabalhadores sofrem com as más condições de trabalho, sofrem com a falta de políticas de atenção à saúde do servidor, sofrem novamente com a insuficiência do atendimento do SAS e sofre também com o descaso da perícia, que trata os servidores sem a merecida consideração, obrigando mesmo nos casos graves de problemas motores ou psíquicos, a voltar para suas funções, sem terem condições de exercer plenamente o seu trabalho”.

 “Alguma coisa precisa ser feita, e é urgente”, defende a diretora estadual da APP e coordenadora do FES, Marlei Fernandes de Carvalho. Enquanto os servidores adoecem nos seus postos de trabalho, uma fila se forma na perícia. São trabalhadores que carregam uma cruz talhada pela má administração do dinheiro público e pela falta do olhar humano da gestão do governo do Estado do Paraná.

Como funciona o atendimento na perícia médica?

Uma equipe da APP-Sindicato passou algumas manhãs na sala de espera da perícia para acompanhar o que acontece no local. Os depoimentos colhidos de alguns servidores(as) – que diariamente são registrados nos sindicatos membros do FES – permitiu identificar quais os principais transtornos que os servidores estão expostos:

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1. O trabalhador não consegue informações claras e precisas: O problema começa no balcão de atendimento. Os servidores, em sua maioria reclamam, são atendidos logo na triagem inicial para verificação dos documentos e retirada das senhas, com desprezo, com palavras e atitudes de humilhação e sem o devido cuidado em informar com boa vontade e clareza, os procedimentos das próximas etapas do atendimento e possíveis dúvidas. Alguns atendimentos são agendados para as 07h30, mas são feitos somente depois de três ou quatro horas, também não seguem uma ordem numérica ou de chegada, e tão pouco, informam o motivo da utilização dessa forma de atendimento, indevida e injusta para quem chega mais cedo.
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2. Geralmente, no atendimento do médico perito, a falta de respeito impera, é cortesia da casa. Queixas como “não dizem bom dia”, “se quer olham nos olhos”, “agem com grosseria nas palavras e postura” são às mais leves. As reclamações mostram que os peritos não fazem uma análise clínica física, de exames, de laudos e de outros documentos ou mesmo o acompanhamento dos casos. Alguns não aceitam receber ou olhar a documentação que os servidores levam que comprova e argumenta o adoecimento. Os médicos peritos e funcionários não possuem nenhuma identificação, e se questionados, não respondem, o servidor entra e sai sem saber os nomes dos profissionais que o atendeu.
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3. O laudo da perícia não é divulgado ao paciente. É publicado no site da DIMS e, com um código de acesso, o periciado só descobre em casa a definição da perícia. Isso é claro, quando o servidor tem além do acesso fácil, a intimidade digital. É comum a diminuição considerável da licença ou a decisão contrária a do médico assistente quanto à concessão da readaptação ou de aposentadoria. Há casos em que o paciente chega à perícia com um laudo de 30, 60 ou 90 dias para tratamento de saúde e consegue apenas 1, 2 ou 3 dias. Para conseguir um período maior, o processo de remarcação de consultas começa novamente.
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4. A perícia médica também não leva em consideração o tempo necessário entre a ida ao médico, a ida a perícia e o retorno ao trabalho, também nos casos onde existe a necessidade de tratamentos ou procedimentos, principalmente dos servidores que residem em locais distantes dos centros de atendimentos á saúde ou em outras cidades. Outro problema extremamente sério está relacionado a alguns casos em que o periciado é obrigado pela administração do estado a viajar até por 12 horas para chegar ao local de atendimento, sem que suas despesas com deslocamento, alimentação e hospedagem sejam bancadas pelo estado, mas sim, bancadas pelos próprios servidores.
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5. A readaptação, tão importante e necessária para os casos em que o servidor não tem condição laboral de permanecer na sua função original e precisa do afastamento para tratamento da recuperação de sua saúde, mas tem ainda, a capacidade laboral em outra função, desempenhando outra atividade afim por certo período de tempo, não vem sido concedida.
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