Para o Ministério Público Federal, padronização e patrulha estética em escolas cívico-militares é ilegal e precisa acabar

Para o Ministério Público Federal, padronização e patrulha estética em escolas cívico-militares é ilegal e precisa acabar

De acordo com o órgão, militarização coloca em risco liberdade de expressão de estudantes e reforça a exclusão de estudantes negros(as) e LGBTIA+

Foto: Silvio Turra/SEED

O Ministério Público Federal defende que escolas militarizadas devem ser proibidas de exigir padrões estéticos como corte de cabelo, cor das unhas e uso de acessórios por parte dos(as) estudantes. A posição foi reforçada nesta segunda-feira (5), quando o órgão recorreu de decisão judicial que negou pedido liminar contra a imposição.

A ação tramita na Justiça Federal do Acre, mas tem efeitos sobre colégios cívico-militares estaduais e municipais em todo o território nacional, inclusive no Paraná, onde a obrigatoriedade tem gerado inúmeros transtornos à comunidade escolar.

Para o procurador Lucas Costa Almeida Dias, a militarização das escolas públicas resulta em “violências múltiplas a direitos fundamentais de crianças e adolescentes, especialmente aqueles relacionados ao livre desenvolvimento da personalidade, além de ferir o direito à educação como instrumento emancipatório, num estado democrático e plural, sem potencial para melhoria no ensino”.

O MPF destaca ainda que, ao negar a liminar, a Justiça permite a violação do direito dos estudantes à liberdade de expressão, à intimidade e à vida privada. Outro argumento atesta que a padronização militar reforça o racismo institucional e acentua a exclusão de pessoas LGBTIA+ da educação.

“Para o MPF, a imposição de padrão estético uniforme aos alunos, quanto ao tipo de corte de cabelo, roupas, maquiagem e outros adereços possui impacto negativo desproporcional em indivíduos de grupos minoritários, marginalizados ou alvos de preconceito, como pessoas com cabelos crespos e cacheados”, explica o ministério pública em nota.

A ação civil pública do MPF foi ajuizada em julho de 2023 e também pede que o Estado se abstenha de proibir vedações à liberdade de expressão como a livre manifestação política e a comportamentos que em nada interferem na aprendizagem.

>> Confira a íntegra da petição inicial

Comunidade e estudantes reclamam de militarização

Com o início do ano letivo e a militarização de novas escolas, a APP-Sindicato tem recebido inúmeras denúncias sobre os problemas que estudantes têm enfrentado com a imposição de regras arbitrárias pelo modelo, como a obsessão pelo controle do corte de cabelo.

Em um dos relatos, uma mãe da cidade de Londrina conta que o filho enfrenta problemas por ter cabelo comprido.

“A escola do meu filho virou cívico-militar. Votei contra, mas infelizmente as pessoas não entenderam que isso é um abuso. Falaram que tudo que eu tinha lido a respeito era falso, porém ontem, mandaram no whatsapp da escola as normas igual às que eu tinha lido e que diziam ser mentira. Meu filho tem cabelo comprido e terá que cortar, mas não farei isso e também não acho certo ter que trocá-lo de escola, pois é perto de casa e os amigos dele estão lá”, explica relato da mãe.

Em um segundo relato, uma estudante enfatiza a frustração por não poder ter liberdade para se vestir e se portar como é.

Avesso aos valores de uma educação humanizadora e que valoriza a diversidade, o modelo cívico-militar não possui qualquer sustentação pedagógica ou na literatura científica, mas foi implantado à força para agradar a base de extrema-direita do governo Ratinho Junior.

Vale lembrar que cada monitor militar custa R$ 5,5 mil aos cofres públicos, uma gratificação maior do que o piso dos(as) professores(as) e o suficiente para pagar o salário básico de quatro funcionários(as) (Agentes I). É o maior cabide de emprego para militares aposentados(as) do Brasil.

>> Saiba mais: Escola Não é Quartel: 7 motivos para dizer não às escolas cívico-militares

Rejeição do público

Apesar da propaganda do governo, a rejeição ao modelo vem crescendo em todo o estado. No processo realizado em novembro de 2023, 44 escolas (35%) optaram pela continuidade da escola democrática. Os números representam uma evolução significativa em relação à consulta de 2020, quando apenas 12% das comunidades rejeitaram a militarização.

O programa foi adotado em cerca de 200 escolas estaduais no primeiro mandato do governo Ratinho Jr. Até hoje, não há notícia de resultados positivos, mas o estado já conta com 312 estabelecimentos nesta modalidade.

A ampliação se deu em 2023, em um processo de consulta viciado pela marcado pela condução autoritária do governo, sem prazo para o debate nem espaço para o contraditório, escandaloso uso da máquina pública, episódios de coação e censura a educadores(as) e estudantes, restrição ao voto de alunos(as), entre outras irregularidades que põem em xeque sua legitimidade.

Tais fatos foram amplamente documentados pela APP, que esteve presente nas escolas ao longo de toda a consulta, apesar das práticas antissindicais do governo condenadas pelo Ministério Público do Trabalho.

Abusos

O modelo cívico-militar também se notabiliza por graves episódios de violência contra menores, abuso de autoridade e corrosão da gestão democrática. Um modelo falido, ultrapassado e cuja única sustentação é ideológica.

Além disso, nas escolas militarizadas o governo encerra a oferta do ensino noturno, da Educação de Jovens e Adultos e dos cursos técnicos, prejudicando milhares de estudantes e adultos que trabalham durante o dia ou que não terminaram os estudos na idade certa.

Com a expulsão deste público, melhora-se a evasão e o governo usa o dado para fazer propaganda do modelo. Outro agravante é o fato de que a direção deixa de ser eleita pela comunidade e passa a ser indicada pelo governo. 

Retrocesso

Anunciados pelo governo Ratinho Jr. como se fossem uma fórmula mágica para melhoria da educação, todos os colégios Cívico-Militares implantados na rede estadual apresentam resultados no Ideb inferiores ao de dezenas de escolas com gestão democrática. 

É o que mostra uma análise realizada pela APP-Sindicato nos dados do Ideb 2021, divulgados pelo Ministério da Educação. No ranking das 30 escolas com maior nota no ensino médio, por exemplo, nenhuma é cívico-militar. O Colégio Estadual de Laranjeiras do Sul lidera a lista. A escola obteve nota 6,2, índice 34% maior do que a média do estado.


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