Pane no sistema: professores(as) relatam como foi o dia de Plataforma Zero nas escolas APP-Sindicato

Pane no sistema: professores(as) relatam como foi o dia de Plataforma Zero nas escolas

Liberdade de ensinar e dialogar olhando nos olhos dos(as) estudantes marcou dia de pausa na rotina de vigilância e controle digital nas escolas

“Eu estava com saudade de dar uma aula. De não ser um mero operador de máquinas que prega os olhos dos alunos numa tela”. Ontem, 30 de agosto, Paulo Sérgio Vieira, professor do CE Teobaldo Leonardo Kletemberg, de Curitiba, usou quadro e giz em sala e, nas palavras dele, “aquele diálogo gostoso com os estudantes.”


“Até deu para perceber que tinha alunos em sala de aula”, conta o professor de Filosofia e Ensino Religioso. “Hoje a chamada digital não possibilita essa interação. Mal sabemos o nome dos estudantes”.

Paulo aderiu à greve de plataformas deflagrada nesta quarta-feira pela categoria em todo o Paraná, em protesto contra a política de uso obrigatório das tecnologias educacionais em sala de aula.

O movimento, chamado de “Plataforma Zero”, viralizou entre estudantes e chamou atenção da imprensa nacional, com destaque na Folha de São Paulo.

No Tiktok, vídeo convocando o dia de Pataforma Zero recebeu cerca de 50 mil curtidas e mais de 300 mil visualizações

Em Pato Branco, a professora de Língua Portuguesa do Colégio Cívico-Militar Rui Barbosa, Tamires Terres Skorek, levou os(as) alunos(as) no laboratório de informática, mas não para usar as plataformas Redação Paraná ou Leia Paraná.

“Solicitei a eles uma pesquisa sobre o realismo no Brasil. Foi um dia sem dificuldades no uso, sem passar trabalho para redefinir senhas ou lidar com a instabilidade da Internet”, conta.

Tamires optou por usar recursos tecnológicos e isso é importante. A greve digital convocada pela APP não é contrária às plataformas, mas sim à obrigatoriedade de uso imposta pela Secretaria da Educação (Seed).

A cobrança associada a metas tem gerado sobrecarga, adoecimento, desigualdades educacionais, graves prejuízos à aprendizagem e potencial violação da privacidade, reforçando alertas de estudos internacionais e experiências como a da Suécia.

“O uso excessivo e a pressão por índices de acesso às plataformas têm causado o adoecimento de profissionais da educação, bem como dos(as) estudantes devido ao aumento do tempo diante das telas. E, para piorar, não há o retorno na aprendizagem, conforme aponta a pesquisa que realizamos junto à categoria”, aponta Vanda Santana, secretária educacional da APP.

Ao longo do ano, a cobrança por resultados é tanta que a professora Tamires precisou tirar do próprio bolso para incentivar os(as) estudantes a usarem a plataforma Leia Paraná. Ela criou o “pix premiado”, oferecendo R$ 20 para alunos(as) que somassem o maior tempo de leitura e acertos na avaliação.

“É um valor simbólico para quem lesse mais e aí sim conseguimos atingir as metas. Como foram R$ 20 para duas categorias em duas turmas diferentes, gastei R$ 80 e o salário nem caiu na conta ainda. A meritocracia que o governo prega acaba nos levando a tentar de tudo”, conta.

Kurt Leandro Fausto Jakobsen, de Paranaguá, trabalha em três escolas. O professor começou a organizar o dia de Plataforma Zero já na segunda-feira, apesar da tentativa de boicote por parte da direção de uma delas.

“Sem nenhum pudor, o diretor tentou desmobilizar afirmando que seria uma prática inútil e que poderia haver responsabilização por parte da Secretaria”, revela.

“Como professor de Língua Portuguesa, tenho a responsabilidade de usar três plataformas. Uma delas, o Quizziz, já boicoto desde o início do ano, pois é uma ferramenta fraca, com perguntas sem contexto. Nesta quarta levei textos para fazerem a leitura, interpretação e todo o trabalho de compreensão de gêneros textuais”, conta Kurt.

Para o educador, as plataformas são pouco amigáveis e as turmas perdem muito tempo para iniciar o uso, fazer o login e nivelarem o domínio das tecnologias. Mas o que mais incomoda é “a cobrança quase criminosa. É quase diário. Eu já fui até chamado para me explicar por técnicos do NRE”, afirma.

Ainda mais grave; “as plataformas escondem e omitem o desempenho real. Os alunos tem facilidade pra copiar e colar ou usar inteligência artificial. Isso superfatura as notas. Eu sei porque já avaliei o texto dos mesmos estudantes no papel. Tem gente que fica com nota 9 e, se não fosse as plataformas, teria um 6”, denuncia.

Estudantes do Colégio Francisco Carneiro Martins, de Guarapuava, marcaram a data com cartazes e mobilização nas redes

O professor Paulo, de Curitiba, arremata:

“Tem aulas que o governo disponibiliza no RCO que não têm possibilidade alguma de serem seguidas. É totalmente engessado. Isso gera ansiedade no professor e no aluno. Ontem foi maravilhoso porque nos trouxe de volta a liberdade de ensinar e de poder olhar nos olhos do estudante. Se essas plataformas fossem, pra nós, ferramentas de trabalho, seria bom, seria útil. Contudo elas vêm como ponto central da educação e eu não consigo ver isso como benéfico.”

Regulamentação

Para Margleyse dos Santos, secretária executiva Educacional da APP, a mobilização foi fundamental para dar visibilidade aos problemas advindos da política da Seed.

“Foi um marco de repúdio contra as violações que estamos vivenciando nas escolas. Nós precisamos ter autonomia para ministrar as nossas aulas, ensinar e ver se os estudantes realmente estão tendo aprendizado. Nossa principal bandeira de luta é para que as plataformas sirvam à educação. Hoje é a educação que serve às plataformas”, avalia.

Com a mobilização, a APP busca chamar atenção da sociedade e pressionar o governo para abrir debate e propor o estabelecimento de uma política que priorize a interação humana e a autonomia, mantendo as tecnologias como ferramentas que auxiliem o trabalho pedagógico e não como instrumentos de controle e substituição do papel dos(as) professores(as).

Em manifesto publicado na Edição Pedagógica do Jornal 30 de Agosto, a APP propõe a regulamentação do tempo de estudo e trabalho diante das telas, a oferta de plataformas públicas, o respeito à autonomia e à gestão democrática como princípios inegociáveis e uma educação universal, diversa, plural e inclusiva, em contraponto à sua determinação por interesses do mercado.

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