Os contrastes da luta contra a reforma trabalhista e a cobertura da mídia no Brasil e na França

Os contrastes da luta contra a reforma trabalhista e a cobertura da mídia no Brasil e na França


Reprodução DCM

Trinta mil franceses, segundo a polícia, ocuparam a Praça da República, em Paris, para protestar contra a Reforma Trabalhista sancionada pelo presidente do país, Emmanuel Macron.

De acordo com a organização do ato, convocado pelo candidato derrotado à presidência Jean-Luc Mélenchon, eram 150 mil. Se foi um número ou outro, a manifestação foi considerada importante para a mídia francesa.

Ao longo de toda a semana, foi abordada na TV, no rádio e na mídia impressa, seja pelos veículos de direita, seja pelos veículos de esquerda. No Brasil, sabemos seria bem diferente.

Exemplo foi a grande greve geral realizada em abril em diversas cidades e estados brasileiros. Na véspera, a grande mídia não fez uma menção sequer.

Neste sábado, todos os grandes jornais fizeram coberturas ao vivo da manifestação, tuitando minuto a minuto o discurso do esquerdista Jean-Luc Mélenchon, colhendo depoimentos de manifestantes, como fez o Le Monde. No destaque, a convocação de um novo protesto para o sábado que vem.

Assim como o Ouest-France, o jornal destacou na manifestação a presença do também candidato à presidência este ano Benoît Hamon, do Partido Socialista.

O Libération observa a presença de Benoît Hamon e do também ex-candidato de esquerda à presidência nas eleições deste ano Philippe Poutou, juntos no mesmo ato: “imaginamos esse mesmo grupo em abril (mês da votação)”.

Na mesma semana, seu editorial questionava o editorial do jornal Le Parisien, apontando-o como parcial e defensor da Reforma proposta por Macron.

Mesmo o Le Figaro, que destacou contestações à quantidade de público da manifestação, mostrou primeiro a nota da polícia de Paris, que enaltece boas relações com os organizadores do ato e a ausência de confusões e depredações.

 

Capa do Figaro
A BFMTV mostrava a ação de black blocs ao mesmo em que citava trechos de uma entrevista com Jean-Luc Mélenchon, avaliando o ato como um “sucesso”.

A Rádio Europe1 menciona a expressão entre aspas Golpe de Estado Social, de Jean-Luc Mélenchon no título de sua reportagem e já de início aponta as palavras de ordem do protesto: contra a Reforma Trabalhista, o aumento do imposto de seguridade social e a redução do auxílio-moradia.

O Le Parisien tenta desqualificar o ato, dizendo que segundo a polícia eram “somente” 30 mil, mas ao mesmo tempo exibe uma grande imagem de frente com Mélenchon, em meio ao ato.

No Brasil, esse tipo de desqualificação não seria exatamente uma novidade, mas é possível lembrar que a mídia, principalmente as televisões, tem grande “dificuldade” de chegar perto do público, como nas manifestações de 2013, quando tinha de esconder o logotipo de suas empresas. Situação semelhante se deu com os atos contra o golpe.

A particularidade brasileira é que a grande imprensa não chega perto em qualquer manifestação, seja ela grande ou pequena. Quando são da esquerda, é comum não ver repórteres, nem imagens próprias, apenas aquelas que circulam em redes sociais, filmadas por celular.

A relativização dos valores é perceptível também na ordem dos fatos. Reportagem da Globo do dia 1º de abril, por exemplo, mostrava primeiro os atos com menor público. E só depois aqueles com mais manifestantes no final, o que no jargão jornalístico é chamado de “inversão de lide”.

Como se não bastasse o silêncio da polícia em diversos atos, que diferente da de Paris, sequer se pronunciava sobre as manifestações, como se ela mesma fosse um órgão político e adversário dos manifestantes, houve jornalistas falando em total de manifestantes, para dizer com todas as letras que o número de pessoas a favor de Dilma era menor do que nas manifestações anteriores. Mas como, se a Polícia não calculou todos os atos?

Diferentemente da Rádio Europe1, que levou as palavras do líder da manifestação à manchete, no Brasil, a palavra da fonte deve ser suprimida, a depender de quem fala.

Assim foi com diversos dos discursos da ex-presidente Dilma e do ex-presidente Lula, cujas imagens sumiram da televisão no período em que a então chefe do Executivo afastada viajava pelo Brasil em atos contrários ao golpe. E só reapareceram com força nos últimos tempos, para falar das denúncias da Operação Lava-Jato e afins.

 

Le Monde
O que dizer da estudante que ficou parcialmente cega durante ato contra o golpe? A grande mídia preferiu ir até seu Facebook, em vez de ouvi-la pessoalmente. É como se, para a mídia, a deficiência dela não era ser cega, mas muda.

Alguém ouviu o “estudante catarinense” que perdeu parte da mão no ato contra a Reforma Trabalhista e da Previdência em Brasília, em maio deste ano? Outro manifestante, Clementino Nascimento Neto, foi baleado no mesmo ato e perdeu um olho. Quem disparou?

Se na França, a polícia é uma instituição, no Brasil parece ser um partido, que agiu em conformidade com a mídia em diversos momentos, afinal, o que ela queria era a aprovação das “necessárias” Reformas – ah esse mantra…

Apesar das disputas entre centrais sindicais impedirem atos maiores na França, ex-rivais na corrida eleitoral se uniram para fazer frente à política neoliberal de Macron. No Brasil, a palavra “união” não existe no vocabulário da esquerda. Luciana Genro e Marina Silva se manifestaram contra o golpe? Ou foram a favor dele?

No momento em que o povo mais precisou de união política, a sanha por poder falou mais alto. O resultado está aí: o desastre que afunda o país e destrói os direitos da sociedade conquistados ao longo de décadas.

Enquanto na França ex-adversários ficam lado a lado, demonstrando um significado platônico – mas real – da política, no Brasil, o que se vê é um significado maquiavélico.

Outro grande contraste do ato deste sábado esteve numa semelhança: o uso de panelas. A diferença é que enquanto no Brasil as panelas favoreceram os mais poderosos, aqui elas foram usadas em prol dos mais fracos.

 

Escrito por: Por Willy Delvalle, de Paris, para o Diário do Centro do Mundo

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