A Comissão dos Direitos das Crianças (CDC) da Organização das Nações Unidas (ONU) publicou, na última quinta-feira (5), um documento em que orienta o encerramento e a proibição das escolas cívico-militares no ensino público brasileiro. O objetivo, segundo o documento, é atingir a meta para o avanço educacional no país e a proteção dos direitos das crianças. A indicação da ONU é que o Brasil tome providências para acabar com as escolas militarizadas no país.
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A instrução faz parte da Revisão Periódica Universal, uma avaliação da ONU em relação a aplicação de políticas voltadas aos direitos humanos em cada país-membro a cada quatro anos e meio. O documento abordou a militarização das escolas a partir de uma solicitação dos(as) parlamentares Luciene Cavalcante, Celso Giannazi e Carlos Giannazi, todos(as) do PSOL-SP, que denunciaram a implementação do modelo no estado de São Paulo a partir de uma Lei Complementar apresentada por Tarcísio de Freitas e seu secretário da Educação, Renato Feder.
Além da recomendação de proibição da militarização das escolas públicas, a ONU aponta a necessidade de maior fiscalização na aplicação da Lei 10.639/2003, que institui o ensino da história e cultura afro-brasileira no currículo oficial das escolas públicas e privadas do país, a adoção do novo Plano Nacional da Educação (PNE 2024-2034) garantindo recursos técnicos e financeiros necessários para o avanço educacional e reforçar a política nacional de educação especial.
>> Confira o documento da ONU (em inglês): Revisão Periódica Universal / CDC – ONU
Violência escancarada
O Paraná, sob a gestão do governador Ratinho Júnior (PSD) e do ex-secretário da Educação, Renato Feder na educação, implementou o maior projeto de militarização de escolas públicas no país. De forma autoritária e aproveitando a pandemia que assolou o país e o mundo em 2020, o ex-secretário e o governador enviaram para a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) um projeto que permitia a implementação de escolas cívico-militares na educação paranaense. Após a aprovação, 312 escolas já foram militarizadas no estado, o maior número no país.
Desde o anúncio do modelo no Paraná, a APP-Sindicato tem feito a resistência, denunciando para a sociedade os problemas que a iniciativa representa para os(as) estudantes, educadores(as) e para a qualidade do ensino. O sindicato também tem acompanhado e denunciado casos de violência em unidades militarizadas.
Em 2024, uma estudante foi assediada sexualmente por um monitor militar durante uma viagem escolar ao zoológico de Curitiba. Após denúncias o militar foi afastado.
Segundo o relato da adolescente, após denunciar o caso à direção, foi desacreditada pela mesma, a qual questionou se a aluna não havia inventado a história. A diretora teria dito: “Vocês não estão inventando isso?! Ah, mas agora não tem nem como defender mais, né?”
Na época, a comunidade escolar realizou atos na unidade escolar e na Praça Barão de Guaraúna, em Ponta Grossa, demonstrando também solidariedade à vítima.
Já em maio de 2024, um homem invadiu o Colégio Cívico-Militar Professora Rosa Frederica Johnson, de Almirante Tamandaré, e agrediu estudantes e profissionais da educação. A unidade foi militarizada em 2023 e, no momento da agressão, os monitores militares não estavam presentes.
Em fevereiro de 2024 outros casos de violência e cerceamento de direitos eclodiram em colégios cívico-militares do Paraná, demonstrando a fragilidade do modelo para cumprir a promessa de “segurança” e “disciplina”.
Pelo contrário, além da inação dos(as) monitores(as) militares para conter brigas, em dois casos eles(as) participaram – ativa ou passivamente – das agressões.
No dia 20 de fevereiro do ano passado, no Colégio Jayme Canet, de Curitiba, um homem não identificado e de grande estatura agrediu dois estudantes menores de idade em frente à escola com socos e empurrões. A gravação mostra que o agressor agiu com violência, intimidando e ameaçando outros(as) alunos(as).
O monitor militar da escola não apenas não interveio como teria dito que “faria o mesmo”, de acordo com relatos de diversos estudantes que contataram a APP.
“Quando fomos tirar satisfação com o monitor policial (subtenente), ele disse que isso que estava acontecendo ali era consequência das nossas ações, porque fizeram algo para o filho dele (o agressor). E que ele, o subtenente, faria o mesmo”, conta um dos(as) alunos(as).
Na época, a escola fez uma declaração afirmando que tomaria medidas cabíveis, porém até hoje não se teve notícia da ação tomada.
Inação em Cambé
Já em Cambé, cidade que viveu o trauma do ataque que tirou a vida de uma estudante do Colégio Estadual Professora Helena Kolody, uma briga generalizada em frente à escola Maestro Andrea Nuzzi culminou em um tiro de arma de fogo disparado para o alto, de autoria desconhecida.
O episódio ocorreu no dia 22 de fevereiro de 2024. Em nenhum momento os monitores militares tentaram impedir a briga.
De acordo com relatos da imprensa local coletados na época, os pais não se sentiam seguros com os(as) filhos(as) na escola e se diziam frustrados(as) com o modelo cívico-militar. “Na hora da saída não havia nem uma viatura. Se tivesse uma viatura, essa situação não teria acontecido”, lamentou um pai.
Casos escancaram falácia do modelo cívico-militar
Vendido à sociedade como uma solução mágica para os problemas da escola pública, o modelo cívico-militar tem se mostrado incapaz de cumprir as promessas da propaganda governamental.
O programa foi adotado em cerca de 200 escolas estaduais no primeiro mandato do governo Ratinho Jr. Até hoje, não há notícia de resultados positivos, mas o estado já conta com 312 estabelecimentos nesta modalidade.
A ampliação se deu em 2023, em um processo de consulta marcado pela condução autoritária do governo, sem prazo para o debate nem espaço para o contraditório, escandaloso uso da máquina pública, episódios de coação e censura a educadores(as) e estudantes, restrição ao voto de alunos(as), entre outras irregularidades que põem em xeque sua legitimidade.
Tais fatos foram amplamente documentados pela APP, que esteve presente nas escolas ao longo de toda a consulta, apesar das práticas antissindicais do governo condenadas pelo Ministério Público do Trabalho.
Ação no supremo pede fim do modelo
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), pede a declaração de inconstitucionalidade da Lei 20.338/2020, que criou o Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná, e do art. 1º, inciso VI, da Lei 18.590/2015, que proíbe a realização de eleições para escolha da direção nas escolas cívico-militares.
Em manifestação no processo, a Advocacia-Geral da União (AGU) considerou que o programa de escolas Cívico-Militares de Ratinho Jr é inconstitucional. O parecer da AGU argumenta que os estados não podem instituir um modelo educacional que não esteja previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Além disso, o órgão ressalta que a Constituição Federal não prevê que militares possam exercer funções de ensino ou de apoio escolar.
A posição da AGU reforça o caráter inconstitucional do projeto, que vem sendo adotado por governadores(as) alinhados(as) à extrema-direita para agradar a base reacionária. O relator do caso no STF é o ministro Gilmar Mendes. Até o momento, não há prazo para a decisão.
Caso o STF julgue inconstitucional, o parecer tem efeito no modelo em outros estados, como São Paulo, onde o modelo do Paraná também foi implantado. Em 2024, a Advocacia-Geral da União (AGU) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer defendendo a inconstitucionalidade do projeto das escolas Cívico-Militares no estado de São Paulo. O modelo é alvo de ações protocoladas no STF, pelo PT e PSOL, após a aprovação do projeto de Tarcísio de Freitas e Renato Feder.
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