A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE, entidade representativa de mais de 4,5 milhões de trabalhadores das escolas públicas brasileiras, entre professores, especialistas e
funcionários da educação – ativos, aposentados, efetivos ou contratados a qualquer título –, vem a público esclarecer questões suscitadas em notas públicas de duas entidades municipalistas (CNM e
Undime) a respeito da aplicação do reajuste de 12,84% conferido pela Lei 11.738 ao piso do magistério, neste ano de 2020, devendo o mesmo ser praticado no valor de R$ 2.886,241.
Primeiramente, cumpre reforçar a disposição da CNTE em encampar conjuntamente com as entidades representativas dos gestores públicos municipais, entre elas, a Confederação Nacional dos Municípios – CNM e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – Undime, as pautas educacionais em destaque no Congresso Nacional, especialmente a aprovação das propostas de emenda à constituição – PECs 15/2015 e 65/2019, que visam tornar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB em política permanente e com maior aporte de recursos para financiar todas as etapas e modalidades da educação básica pública.
Segundo dados da Pnad/IBGE 2019 e do Censo Escolar, o Brasil possui cerca de 77 milhões de pessoas com mais de 18 anos de idade sem ter concluído a educação básica; 23% dos jovens entre 15 e 17 anos não estudam e nem trabalham; mais de 60% das crianças entre 0 e 3 anos de idade não frequentam a creche; quase três milhões de meninos e meninas de 5 a 14 anos são vítimas do trabalho infantil e estão fora da escola. Ademais, os/as professores/as brasileiros estão entre os que detêm menor remuneração entre as nações desenvolvidas ou em processo de desenvolvimento2 , ao mesmo tempo em que cumprem as maiores jornadas de trabalho em sala de aula, convivendo com a violência e com condições de trabalho extremamente precárias. A maior parte dos funcionários da educação carece de reconhecimento e valorização profissionais.
Na contramão dessa gigantesca demanda socioeducacional, o Brasil se mantém entre as nações com menor investimento per capita por estudante na educação básica (US$ 9.600 na média anual da OCDE contra US$ 3.860/ano em nosso país). Já a média salarial do magistério brasileiro no nível básico de ensino foi de US$ 14.775 no ano de 2018 – incluídos os encargos sociais – contra US$ 33.058 dos países da OCDE.
Diante dessa realidade e dos compromissos assumidos em âmbito do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005, de 2014), sobretudo de equiparar a remuneração média do magistério com a de outras categorias com mesma formação em nível superior, de ampliar o piso salarial e de garantir a formação profissional e planos de carreira aos funcionários da educação, de incluir todas as crianças e jovens na escola pública e de ampliar a escolarização das pessoas adultas e o acesso da juventude na universidade e em cursos técnicos profissionais, de assegurar a oferta escolar sob o pilar do Custo Aluno Qualidade, a CNTE se junta à luta dos gestores municipais (e estaduais) pela aprovação do novo FUNDEB permanente e com mais recursos para a educação pública, além de outras políticas que assegurem a regulamentação do Sistema Nacional de Educação.
Sobre o PSPN como vencimento inicial das carreiras, e as corretas aplicações da jornada de trabalho e dos reajustes anuais
O piso salarial profissional nacional (PSPN) do magistério público da educação básica, aprovado pela Lei 11.738, de 2008, está inserido num contexto de políticas de valorização desses profissionais, que precisa ser observado a fim de dar pleno cumprimento a seus propósitos. O art. 6º da supracitada Lei estabeleceu prazo para que os entes públicos das três esferas administrativas adequassem seus planos de carreira com a finalidade de recepcionar (na CARREIRA) a nova legislação, in verbis:
Art. 6o A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar ou adequar seus Planos de Carreira e Remuneração do Magistério até 31 de dezembro de 2009, tendo em vista o cumprimento do piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, conforme disposto no parágrafo único do art. 206 da Constituição Federal.
O regime de colaboração – embora incipiente e defasado – também é observado pela Lei do Piso, em seu art. 4º, uma vez que compete à União complementar os recursos para pagamento do Piso numa estrutura de carreira compatível com a valorização profissional, senão vejamos:
Art. 4o A União deverá complementar, na forma e no limite do disposto no inciso VI do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e em regulamento, a integralização de que trata o art. 3o desta Lei, nos casos em que o ente federativo, a partir da consideração dos recursos constitucionalmente vinculados à educação, não tenha disponibilidade orçamentária para cumprir o valor fixado. § 1o O ente federativo deverá justificar sua necessidade e incapacidade, enviando ao Ministério da Educação solicitação fundamentada, acompanhada de planilha de custos comprovando a necessidade da complementação de que trata o caput deste artigo. § 2o A União será responsável por cooperar tecnicamente com o ente federativo que não conseguir assegurar o pagamento do piso, de forma a assessorá-lo no planejamento e aperfeiçoamento da aplicação de seus recursos. (g.n)
Sobre a parte inicial do art. 4º acima colacionado, que vincula a complementação da União ao inciso VI do art. 60 do ADCT, a Constituição permite elevar o percentual mínimo de repasse federal aos entes federados em patamar superior a 10% do total dos fundos estaduais (FUNDEB), razão pela qual os entes subnacionais podem requisitar maior aporte de recursos da União para a política de valorização dos profissionais da educação.
Seguindo nessa trajetória, a Resolução/MEC nº 5, de 22 de fevereiro de 2011 – a qual não foi revogada, mas sim ratificada pela Resolução nº 7, de 26 de abril de 2012 – elencou critérios para os repasses federais com vistas a cumprir o piso do magistério (nas estruturas de Carreira) em todo país, com destaque para as seguintes comprovações por parte dos entes subnacionais:
– Aplicar no mínimo 25% das receitas na manutenção e no desenvolvimento do
ensino (entre impostos próprios e transferências constitucionais vinculadas à
educação);
– Preencher o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação
(Siope);
– Cumprir o regime de gestão plena dos recursos vinculados para manutenção e
desenvolvimento do ensino, especialmente o previsto no § 5º do art. 69 da Lei
9.394/1996 (LDB);
– Dispor de plano de carreira para o magistério, com lei específica;
– Demonstrar cabalmente o impacto da lei do piso nos recursos do estado ou
município. (g.n)
Já o art. 4º da Resolução/MEC nº 5/2011 dispõe o seguinte:
Art. 4º A incapacidade será aferida com base nos seguintes parâmetros:
I – relação professor/aluno por etapa, modalidade e por tipo de estabelecimento de ensino (urbana e rural), face à média nacional e face à média histórica do solicitante;
II – comprometimento dos recursos vinculados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino com o pagamento dos profissionais do magistério em efetivo exercício;
III – perfil da dispersão da remuneração na carreira do magistério;
IV – aplicação em educação para além do mínimo determinado constitucionalmente.
O art. 3º da Lei 11.738, combinado com os §§ 1º e 5º da mesma normativa legal, vincula o piso nacional do magistério ao vencimento inicial dos planos de carreira que regem a categoria, devendo ser alcançados todos os profissionais que integram os respectivos planos. Eis o que diz a Lei:
Art. 2o ……………………………………………………………………………………………………..
§ 1o O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais. …
§ 5o As disposições relativas ao piso salarial de que trata esta Lei serão aplicadas a todas as aposentadorias e pensões dos profissionais do magistério público da educação básica alcançadas pelo art. 7o da Emenda Constitucional n o 41, de 19 de dezembro de 2003, e pela Emenda Constitucional no 47, de 5 de julho de 2005.
Art. 3o O valor de que trata o art. 2o desta Lei passará a vigorar a partir de 1o de janeiro de 2008, e sua integralização, como vencimento inicial das Carreiras dos profissionais da educação básica pública, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios será feita de forma progressiva e proporcional, observado o seguinte: (…) (g.n)
O fato de o piso nacional do magistério estar vinculado aos vencimentos iniciais das carreiras, tendo a lei federal disposto de prazo para a criação ou adequação dos planos de carreira da categoria, até 31.12.2009, como pré-requisito para recepcionar o valor do piso nacional na Carreira; em razão de a Lei também ter estabelecido critério de complementação da União ao Piso; e pelo fato de o MEC reconhecer em suas portarias de regulamentação do art. 4º da Lei 11.738 “o perfil da dispersão da remuneração na carreira do magistério” como critério de repasse de eventual complementação para o piso nacional, entre outros requisitos, não deixa margem quanto à vinculação do piso aos planos de carreira, devendo incidir os reajustes anuais em toda a estrutura da carreira.
Embora haja decisões judiciais em algumas localidades divergindo dessa lógica legal, que vincula os reajustes do piso à Carreira em geral, a CNTE chama atenção para o fato de o Supremo Tribunal Federal – STF não ter quaisquer decisões de mérito sobre a aplicação linear dos reajustes do piso na estrutura da carreira, tese que encontra ampla guarida na recente liminar concedida pelo Ministro-Presidente do STF, Dias Toffoli, equiparando o teto salarial das universidades estaduais e federais à luz do princípio do Sistema Nacional de Educação – SNE, que por sua vez está alicerçado nos regimes de Cooperação e Colaboração previstos na Constituição Federal. E o FUNDEB, o Piso do Magistério, entre outras políticas, integram o regime de Cooperação interfederativa no qual se reveste o SNE.
Em relação à aplicação do valor nominal do piso, o § 1º do art. 2º da Lei 11.738 (supratranscrito) é taxativo quanto à possibilidade de sua aplicação a jornadas inferiores às 40 horas. Isso porque a lei dispôs que o piso está condicionado a jornadas de no máximo 40 horas, podendo ser aplicada a proporcionalidade ao valor de acordo com as diferentes jornadas disponíveis em cada ente. Ocorre que, em muitas localidades, só existe uma jornada de trabalho do magistério, muitas vezes inferior à de 40 horas, devendo, portanto, o piso ser aplicado integralmente a cada uma delas (seja de 20h, 24h, 30h). A lei permite essa aplicação justa do ponto de vista da organização dos sistemas de ensino e da valorização dos profissionais da educação.
Outra questão essencial diz respeito ao cumprimento da jornada de trabalho extraclasse, devendo ser observada, independentemente da jornada, o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária em atividades de interação com os educandos. Nesse caso também não há que se falar em proporcionalidade da jornada extraclasse a partir das 40 horas. O gestor público não pode inovar a legislação, sob pena de incorrer em grave delito administrativo.
Ainda sobre a vinculação do Piso e de seus reajustes anuais aos planos de carreira, outros preceitos constitucionais e legais reiteram a necessidade de se observar a valorização do conjunto do magistério e demais trabalhadores/as em educação, e não somente àqueles que se encontram no início da carreira, onde o valor do piso incide nominalmente. Destaque, neste sentido, os seguintes dispositivos:
Constituição Federal de 1988. Art. 206 O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
… V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
… VII – garantia de padrão de qualidade.
VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (g.n.)
Lei 9.394/1996 – LDB. Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:
I – ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;
III – piso salarial profissional;
IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;
V – período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho;
VI – condições adequadas de trabalho.
Lei 11.494/07 – FUNDEB. Art. 40 Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão implantar Planos de Carreira e remuneração dos profissionais da educação básica, de modo a assegurar:
I – a remuneração condigna dos profissionais na educação básica da rede pública;
II – integração entre o trabalho individual e a proposta pedagógica da escola;
III – a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem.
Parágrafo único. Os Planos de Carreira deverão contemplar capacitação profissional especialmente voltada à formação continuada com vistas na melhoria da qualidade do ensino.
Lei 13.005 – PNE. Meta 17: valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE. Meta 18: assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de Carreira para os (as) profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de Carreira dos (as) profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal. Meta 20: ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio.
Diante do exposto, conclamamos os gestores públicos municipais, distrital e estaduais:
– A constituírem planos de carreira para todos/as os/as trabalhadores/as em educação, assegurando condições dignas de trabalho e vida e preservando o princípio constitucional do concurso público para as contratações nas escolas públicas;
– A respeitarem os princípios da valorização profissional do magistério e demais trabalhadores/as em educação, aplicando o percentual de reajuste do piso nacional do magistério nos planos de carreira da categoria, zelando, inclusive, pela paridade com os/as trabalhadores/as aposentados/as, nos termos das normas constitucionais;
– A requererem ao Ministério da Educação a aplicação efetiva da Resolução nº 5/2011, em consonância com a Resolução nº 7/2012, em caso de efetiva necessidade de complementação do piso na estrutura das Carreiras do magistério;
– A manterem amplo engajamento na luta pela aprovação do novo FUNDEB, com mais recursos para a educação, sobretudo da esfera federal (40% do total do Fundo), possibilitando a consecução do Custo Aluno Qualidade, política essencial para sobrepor o atual patamar de investimento público em educação em nosso país;
– A rejeitarem os projetos que retiram recursos da educação pública, a exemplo da desregulamentação e privatização do Pré-sal, do fim do Fundo Social, das PECs 186/19 e 188/19, que flexibilizam as vinculações constitucionais para as áreas de educação e saúde, e das propostas de reforma Tributária em trâmite no Congresso Nacional (PEC 45/19, entre outras);
– A serem partícipes efetivos na luta pela consecução das metas do Plano Nacional de Educação e dos respectivos planos subnacionais, aos quais são responsáveis diretos.
A CNTE conhece a realidade das finanças municipais, distrital e estaduais, razão pela qual reforça o compromisso pela regulamentação do regime de Cooperação (e Colaboração) institucional, no qual o FUNDEB, o piso do magistério e outras políticas púbicas estão inseridos. E é preciso fortalecer as atuais políticas e ampliar as condições de implementação das mesmas, em todo território nacional, a fim de atender ao princípio constitucional do padrão de qualidade na educação.
Assim sendo, reiteramos nosso compromisso, junto com os gestores públicos, de adequação e fortalecimento do pacto federativo, com políticas que atendam aos interesses da maioria da população e que resguardem os objetivos de nosso Estado insculpidos no art. 3º da Carta Magna: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Em defesa do piso nacional do magistério e pela valorização de todos/as os/as trabalhadores/as em educação!
Brasília, 28 de janeiro de 2020
Diretoria Executiva
Consultada a assessoria jurídica da CNTE
Fonte: CNTE