Um artigo elaborado por pesquisadoras e graduandos(as) do curso de Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR) elenca questões preocupantes sobre as plataformas digitais impostas pelo governo na rede estadual de ensino. As conclusões referendam o posicionamento e a luta que a APP-Sindicato tem pautado sobre esse tema.
O trabalho apresenta uma análise preliminar sobre as plataformas Leia Paraná e Redação Paraná. Com base em informações divulgadas pela Secretaria de Estado da Educação (Seed) e relatos de professores(as) da rede, os(as) especialistas(as) concluíram que a iniciativa do governo promove o fim da função do(a) professor(a) e uma formação superficial dos(as) estudantes.
“Essas constatações básicas e preliminares sobre o Leia Paraná comprovam mais uma vez o fim: da função do professor (…); da formação de um leitor crítico e competente, que aprenda a pensar e questione os caminhos da própria educação”. O texto também afirma que a gestão de Ratinho Jr. “tem pressa em formar alunos superficialmente alfabetizados que saibam usar um computador”.

Acervo reduzido
Sobre o Leia Paraná, ferramenta que segundo o governo visa “fomentar o gosto pela leitura”, o artigo destaca que a apresentação sequer menciona o(a) professor(a). “Quem tem objetivo é a ‘ferramenta’, que faz tudo sozinha sem necessidade de professor: basta usá-la e o ‘gosto pela leitura’ e a ‘competência leitora’ se desenvolvem”, diz o texto.
Também chamou a atenção dos(as) pesquisadores(as) o fato de que o acervo oferecido para todos(as) os(as) estudantes do estado é composto de apenas 60 títulos, “quase nenhum de literatura portuguesa, africana ou indígena, nem de poesia ou teatro, contrariando o destaque dado à diversidade e aos gêneros literários nas OCNs e na BNCC, por exemplo”.
Outra falha grave apontada é a de que, apesar de ter uma categoria denominada de “literatura e vestibular”, não estão presentes nenhuma obra da lista da UFPR. Por outro lado, a plataforma disponibiliza vários títulos de autoajuda, os chamados “best-sellers”.
“Os ‘exercícios’ são corrigidos automaticamente pela plataforma. Isso significa que são de múltipla escolha, do tipo certo ou errado, verdadeiro ou falso: ‘Vovô viu a uva. O que vovô viu?’ Como se avalia ‘análise crítica’ com apenas uma resposta correta?”, questionam os especialistas.

Correção falha
Quanto ao Redação Paraná, o governo diz que a ferramenta “oferece aos estudantes oportunidades de praticar a digitação necessária para o mundo do trabalho” e que o objetivo é treinar os(as) estudantes para que possam “elaborar produções textuais cada vez melhores”. Mas, na avaliação dos(as) especialistas, novamente a plataforma tem o protagonismo em detrimento da função do(a) professor(a) e apresenta problemas preocupantes.
Os(as) alunos(as) elaboram os textos, um sistema de inteligência artificial faz a correção de erros de ortografia, sintaxe e semântica, cabendo aos(às) professores(as) a correção da parte chamada de subjetiva. Mas, segundo relatos, a correção automática é bastante falha e direciona os(as) estudantes para fontes duvidosas quando escolhem a opção para ver a explicação para algum erro.
“Relegar a “subjetividade” ao professor desmerece o trabalho deste, rotulando-o como “arbitrário”, desprovido de critério, quando, na realidade, é balizado, sim, por uma série de pressupostos teóricos e metodológicos”, diz o texto.
Para os(as) pesquisadores(as), a ferramenta brinca com o imaginário das pessoas e manipula a compreensão dos(as) usuários(as) com a ideia de que o governo quer o bem dos(as) professores(as) e alunos(as).
Questionamentos
Além de apontar os problemas, o artigo questiona a falta de debate sobre uma questão tão importante e quais as justificativas pedagógicas para essas escolhas. O texto menciona o concurso público aberto pelo governo, com apenas 1.200 vagas, como mais um exemplo de descaso com a educação pública.
“A postura do governo para com a categoria: descaso total; aqueles que não são substituídos pelas tecnologias (como em alguns cursos técnicos, em que apenas um professor dá aulas online para milhares de alunos) são reduzidos a meros instrumentalizadores de plataformas digitais”, destaca a produção.
O artigo é um desdobramento das discussões feitas durante uma mesa organizada na Semana de Letras da UFPR, com o título “Pra que professor? O que se espera do aluno? As plataformas digitais e o ensino de português no Paraná”.
A produção é assinada pela doutora em Literatura, Renata Praça de Souza Telles, pela doutora em Linguística, Teresa Cristina Wachowicz, e pelos(as) estudantes do curso de licenciatura em Letras da UFPR, Matheus Leschnhak, Monique Isabelle Costa, Victor Valentim Teixeira.
:: Leia a íntegra do artigo: Plataformas digitais e o ensino de português no Paraná
Enfrentamento
Para a secretária executiva Educacional da APP-Sindicato, Margleyse Adriana dos Santos, as constatações dos(as) pesquisadores(as) são mais uma evidência científica de que as denúncias feitas pela APP-Sindicato estão corretas.
“Esse artigo tem um valor muito importante, pois traz o olhar da teoria e da prática pedagógica sobre uma política educacional que tem sido imposta pelo governo estadual sem nenhum critério científico. O que está acontecendo na educação pública do Paraná é muito grave”, diz.
Com implantação acelerada durante a pandemia, as plataformas educacionais no Paraná têm sido utilizadas pelo governo Ratinho Jr. como instrumentos de pressão, controle, vigilância e de retirada da autonomia pedagógica dos(as) docentes. A prática ainda transforma a educação pública em mercadoria, transferindo recursos públicos e o fazer pedagógico para empresas privadas.
Em julho deste ano a APP promoveu o seminário “Plataformização da educação: um debate necessário”. O evento reuniu educadores(as) de todo o estado e pesquisadores(as) para debater o avanço da plataformização nas salas de aulas. A atividade foi transmitida ao vivo pena internet. Confira no vídeo abaixo.
“A planificação e a burocratização escamoteiam a privatização. São atores privados que decidem quais plataformas serão usadas, o que vai ser ensinado e como vai ser ensinado”, disse uma das convidadas, Carolina Batista Israel, professora doutora da UFPR.
Problematizando a questão, o pesquisador Roberto Moraes Pessanha aprofundou o debate sobre a inserção das plataformas no atual cenário do capitalismo, marcado pela precarização das relações de trabalho.
“Mas os aplicativos e plataformas não são um problema em si. Não vamos nos transformar nos ludistas que tentaram quebrar as máquinas na revolução industrial. O problema é o uso da tecnologia controlado por grupos empresariais”, alertou.
Em protesto contra o uso obrigatório das plataformas e para denunciar o assédio e a pressão no ambiente escolar, no último dia 30 de agosto, escolas de todo o estado aderiram a um protesto organizado pela APP. O movimento, chamado de “Plataforma Zero”, viralizou entre estudantes e chamou atenção da imprensa nacional, com destaque na Folha de São Paulo.
Em manifesto publicado na Edição Pedagógica do Jornal 30 de Agosto, a APP propõe a regulamentação do tempo de estudo e trabalho diante das telas, a oferta de plataformas públicas, o respeito à autonomia e à gestão democrática como princípios inegociáveis e uma educação universal, diversa, plural e inclusiva, em contraponto à sua determinação por interesses do mercado.

Pesquisa
A APP-Sindicato também contratou um estudo para compreender a percepção da categoria sobre os impactos do uso intensivo de plataformas digitais na qualidade do ensino-aprendizagem, nas condições de trabalho e no adoecimento dos(as) educadores(as).
A pesquisa “Plataformização da Educação” foi realizada pelo Instituto IPO entre os dias 28 de junho e 7 de julho de 2023, com 300 professores(as), pedagogos(as) e diretores(as) da ativa sindicalizados(as) à APP.
De acordo com o levantamento, com alto grau de confiabilidade, mais de 70% dos(as) professores(as) relatam adoecimento pelo uso de plataformas digitais e para 83% as ferramentas não melhoraram o aprendizado dos(as) estudantes.
Os dados resultaram em uma série de reportagens que foram publicadas semanalmente ao longo do mês de agosto. Confira abaixo.
>> Governo cobra metas abusivas, mas não oferta estrutura adequada para uso de plataformas digitais
>> Educação violada: governo entrega dados de um milhão de paranaenses à exploração de agentes privados
Pesquisa Plataformização da Educação
:: Acesse a parte II do relatório do IPO sobre a pesquisa “Plataformização da Educação”
Leia também
:: Pane no sistema: professores(as) relatam como foi o dia de Plataforma Zero nas escolas
:: Manifesto por uma educação humanizadora em tempos de tecnologias digitais
:: Edição Pedagógica sobre a plataformização da Educação
:: Seminário organiza enfrentamento à plaformização da educação no Paraná
:: Relatório da Unesco alerta sobre impactos negativos do uso de tecnologias na educação
:: De volta aos livros: Suécia recua na digitalização de escolas após resultado desastroso
:: Em São Paulo, Feder abole livros impressos das escolas e abre mão de recursos federais
:: Prefeitura do Rio de Janeiro proíbe uso de celulares em sala de aula