“Eu estava em Brasília, na comunidade de São Sebastião, de moto. Parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas no sábado numa comunidade, e vi que eram parecidas. Pintou um clima, voltei. Posso entrar na sua casa?, entrei. Tinha umas 15, 20 meninas sábado de manhã se arrumando. Todas venezuelanas. Aí eu te pergunto, menina bonitinha se arrumando sábado de manhã para quê? Para ganhar a vida”, disse o presidente.
Um senhor, chefe de Estado, 67 anos, casado, pai e defensor da família (aquela dos moldes tradicionais). Esse senhor foi até a casa de meninas de 14, 15 anos pois pintou um clima.
Vamos então começar bem do começo, em uma tentativa simples e didática de explicar o que por si só seria o natural. A APP-Sindicato, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado, representa os(as) professores(as) e funcionários(as) de escola do Ensino Básico, Fundamental e Médio. Trabalhadores(as) da educação responsáveis pela formação de crianças, jovens e adultos. Representamos inclusive quem não concorde quando nos posicionamos a favor ou contrário de políticos(as) que irão interferir diretamente na carreira e dia a dia nas escolas.
Logo, é por defender o que é o básico, o direito à vida e à integridade das crianças e adolescentes com os quais nos responsabilizamos, que a APP repudia a fala de Jair Bolsonaro sobre as meninas venezuelanas.
Quando um presidente da república vem a público, durante a reta final da sua campanha, e espontaneamente diz durante uma entrevista que foi até a casa de crianças venezuelanas bonitinhas porque “pintou um clima” e desconfiou que se tratava de um local de prostituição infantil, temos – no mínimo – uma declaração pedófila, misógina e xenofóbica.
Temos ainda outro atestado de incompetência. Se essas meninas estão aqui por que o nosso Estado não deu contra de acolhê-las com educação e oportunidades dignas?
Não se trata de uma fala infeliz. Não se trata de direita ou esquerda. Tampouco de um ataque de campanha feito pelos(as) opositores(as). Ninguém foi colocar o horror dentro da boca do presidente. Mas o horror está lá. Bolsonaro achou natural, conveniente e apropriado dizer, sem pudor nenhum, que olhou para estas meninas buscando beleza e pintou um clima – algo que o impeliu a buscar a casa dessas crianças.
Porque é o que são: crianças. E se estão no Brasil estão sob a responsabilidade do Estado. Bolsonaro não disse que foi procurar os pais ou responsáveis. Muito menos que se preocupou com a integridade física ou psicossocial dessas imigrantes. Disse apenas que eram bonitas e que foi até a casa delas assim que as viu.
A gente luta para além de uma escola digna. É para que nossas meninas possam ir e voltar de qualquer lugar com a cabeça erguida; que saiam e que cheguem de qualquer trajeto com o corpo íntegro. A gente luta para que meninos e meninas tenham educação sexual nas escolas para que tenham condições de dizer Não e de identificar e denunciar pedófilos.
A gente luta para que nossas meninas em situação de vulnerabilidade não sejam adjetivadas como bonitas, feias, magras, gordas, pretas ou pobres. Nossas meninas são além deste corpo sexualizados por homens brancos cheios de poder. Elas precisam de nós para lutarmos por uma escola que seja espaço de educação, de formação e, acima de tudo, lugar onde elas possam se reconhecer como cidadãs, como crianças, como jovens e mulheres dignas de respeito.
Para além de posição política, a APP-Sindicato não se omitirá de criticar a fala com inclinação pedófila de Bolsonaro. Enquanto estivermos à frente deste Sindicato, a nossa bandeira será a educação, a igualdade, o respeito e a dignidade humana. A nossa bandeira segue hasteada. Lutaremos também contra tudo que for contrário a estes princípios.