Mais um caso de abuso envolvendo militares chocou a população paranaense na última semana. Segundo a denúncia, no dia 17 (segunda-feira), uma estudante foi assediada sexualmente por um monitor militar durante uma viagem escolar ao zoológico de Curitiba. Após denúncias o militar foi afastado.
Segundo o relato da adolescente, após denunciar o caso à direção, foi desacreditada pela mesma, a qual questionou se a aluna não havia inventado a história. A diretora teria dito: “Vocês não estão inventando isso?! Ah, mas agora não tem nem como defender mais, né?”
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Em resposta ao descalabro, estudantes e a comunidade responderam à altura, realizando atos na unidade escolar na sexta-feira (21) e na Praça Barão de Guaraúna, na região central da cidade, no sábado (22), demonstrando também solidariedade à vítima.
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O Grêmio estudantil Fênix, que representa os estudantes do C.E General Osório publicaram uma nota de repúdio, condenando o ato praticado pelo militar.
“Não somente dentro do Osório, mas em todos os colégios e em especial os cívico-militares, que demonstram haver disciplina, respeito e ética. Não podemos permitir que os tais militares que estariam lá para “disciplinar” os alunos achem que tenham autoridade para assediar nossos alunos”, diz a nota.
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De acordo com o advogado que está representando a família da estudante, uma denúncia foi realizada no Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (NUCRIA) e um boletim de ocorrência contra a diretora, que se omitiu ao tomar conhecimento do caso de assédio.
O advogado Leandro Dias, que representa a família, explicou ainda que em uma oitiva realizada no Núcleo Regional da Educação de Ponta Grossa, a diretora continuou coagindo a estudante.
“Nesta terça-feira, iremos ao Ministério Público do Paraná (MP-PR), juntamente com a tia, que está representando a família, para pedir que seja instaurada uma notícia de fato e assim o MP averiguar essas situações. Estamos denunciando também na Comissão de Direitos Humanos da Câmara federal através do deputado Tadeu Veneri e ontem tivemos mais uma reunião com o NRE devida a repercussão, com os pais no colégio, em que comunicaram o afastamento do monitor, que já estava afastado, e da diretora”, explica Leandro Dias.
A APP-Sindicato segue acompanhando de perto este e outros casos de abuso por parte de militares nos colégios militarizados.
A direção do Núcleo Sindical de Ponta Grossa condenou o caso e enfatizou que o Sindicato sempre foi contrário ao modelo de escolas cívico-militares, que insere militares em funções pedagógicas para as quais não possuem a formação necessária.
“Esse modelo tem demonstrado ser inadequado e prejudicial, levando a situações como a que presenciamos agora, que infelizmente não é isolada. Tais configurações facilitam a ocorrência de abusos e comprometem a integridade e os direitos dos nossos estudantes. Solidarizamo-nos com as estudantes e suas famílias, e reafirmamos nosso compromisso em lutar por uma educação que seja verdadeiramente segura, acolhedora, emancipadora e livre de qualquer forma de violência ou discriminação”, diz a nota do NS.
A secretária da Mulher Trabalhadora e dos Direitos LGBTI+, Taís Adams, reforça que é inadmissível que violências cometidas contra a mulher ainda sejam tão frequentes.
“O monitor militar que deveria resguardar o cuidado das alunas e alunos foi acusado de abuso contra uma jovem. A estudante ainda destacou que seus colegas precisam intervir para protegê-la. A escola deve ser um espaço seguro, exigimos apuração das ações desse monitor e da equipe pedagógica e diretiva. Ainda questionamos qual a função pedagógica do monitor militar nas escolas que se tornaram cívico militares?”, questiona Taís Adams.
Violência generalizada em colégios militarizados
A APP têm recebido inúmeras denúncias de violência em colégios militarizados. por exemplo, de pais enfurecidos invadindo escola à pressão de corte de cabelo. São incontáveis os casos que chocam o estado e comprovam que o modelo é danoso para os(as) estudantes e para a educação pública.
Em maio deste ano, um homem invadiu o Colégio Cívico-Militar Professora Rosa Frederica Johnson, de Almirante Tamandaré, e agrediu estudantes e profissionais da educação. A unidade foi militarizada no ano passado e, no momento da agressão, os monitores militares não estavam presentes.
O caso de agressão ocorrido no Colégio Cívico-Militar Professora Rosa Frederica Johnson não é um caso isolado. Em fevereiro deste ano outros casos de violência e cerceamento de direitos eclodiram em colégios cívico-militares do Paraná, demonstrando a fragilidade do modelo para cumprir a promessa de “segurança” e “disciplina”.
Pelo contrário, além da inação dos(as) monitores(as) militares para conter brigas, em dois casos eles(as) participaram – ativa ou passivamente – das agressões.
No dia 20 de fevereiro, no Colégio Jayme Canet, de Curitiba, um homem não identificado e de grande estatura agrediu dois estudantes menores de idade em frente à escola com socos e empurrões. A gravação mostra que o agressor agiu com violência, intimidando e ameaçando outros(as) alunos(as).
O monitor militar da escola não apenas não interveio como teria dito que “faria o mesmo”, de acordo com relatos de diversos estudantes que contataram a APP.
“Quando fomos tirar satisfação com o monitor policial (subtenente), ele disse que isso que estava acontecendo ali era consequência das nossas ações, porque fizeram algo para o filho dele (o agressor). E que ele, o subtenente, faria o mesmo”, conta um dos(as) alunos(as).
Na época, a escola fez uma declaração afirmando que tomaria medidas cabíveis, porém até hoje não se teve notícia da ação tomada.
Inação em Cambé
Já em Cambé, cidade que vive o trauma do ataque que tirou a vida de uma estudante do Colégio Estadual Professora Helena Kolody, uma briga generalizada em frente à escola Maestro Andrea Nuzzi culminou em um tiro de arma de fogo disparado para o alto, de autoria desconhecida.
O episódio ocorreu no dia 22 de fevereiro. Em nenhum momento os monitores militares tentaram impedir a briga.
De acordo com relatos da imprensa local, os pais não se sentem seguros com os(as) filhos(as) na escola e se dizem frustrados com o modelo cívico-militar. “Na hora da saída não havia nem uma viatura. Se tivesse uma viatura, essa situação não teria acontecido”, lamentou um pai.
Casos escancaram falácia do modelo cívico-militar
Vendido à sociedade como uma solução mágica para os problemas da escola pública, o modelo cívico-militar tem se mostrado incapaz de cumprir as promessas da propaganda governamental.
“Ter um militar lá dentro não resolve nada. Pelo contrário, a inação aumenta a sensação de insegurança”, avalia Walkiria Mazeto, presidenta da APP-Sindicato.
“A violência não é um problema que vem da escola. A escola reflete a violência existente na sociedade, que precisa de políticas públicas sérias, e não de soluções mágicas. E de policiais nas ruas, no entorno das escolas, não dentro delas”, complementa Walkiria.
Paraná militarizado
O programa foi adotado em cerca de 200 escolas estaduais no primeiro mandato do governo Ratinho Jr. Até hoje, não há notícia de resultados positivos, mas o estado já conta com 312 estabelecimentos nesta modalidade.
A ampliação se deu em 2023, em um processo de consulta marcado pela condução autoritária do governo, sem prazo para o debate nem espaço para o contraditório, escandaloso uso da máquina pública, episódios de coação e censura a educadores(as) e estudantes, restrição ao voto de alunos(as), entre outras irregularidades que põem em xeque sua legitimidade.
Tais fatos foram amplamente documentados pela APP, que esteve presente nas escolas ao longo de toda a consulta, apesar das práticas antissindicais do governo condenadas pelo Ministério Público do Trabalho.
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