Ofício nº 569 / 2016 | Curitiba, 07 de outubro de 2016 |
Prezado(a) colega,
Tendo em vista a notícia de que muitas escolas, sobretudo da Rede Estadual de Ensino, vêm sendo ocupadas por alunos, em protesto contra a reforma do ensino médio, proposta pelo Governo Federal, por meio de medida provisória, e considerando que muitos desses alunos, ainda adolescentes, estariam pernoitando no local, sem a presença de seus pais ou responsáveis, entendemos necessário efetuar as seguintes ponderações e sugestões:
1 – O direito à livre manifestação de pensamento, de associação e mesmo o protesto pacífico diante de posturas tidas como arbitrárias por parte das autoridades constituídas é inerente a todo cidadão, nada impedindo que seja exercitado por meio da ocupação de um espaço público que tem como missão institucional o preparo para o exercício da cidadania (art. 205, da Constituição Federal);
2 – O exercício de tal direito deve ser também assegurado a adolescentes, sendo porém necessário, no espírito do preconizado pelo art. 70, da Lei nº 8.069/90, a tomada de cautelas, seja por parte de seus pais ou responsáveis, seja por parte de outros agentes, de modo a evitar a ocorrência de possíveis prejuízos decorrentes de eventuais abusos praticados por terceiros;
3 – Cabe aos órgãos públicos que atuam na defesa/ promoção de direitos de crianças e adolescentes, agindo de forma conjunta e planejada (nos moldes do previsto nos arts. 70, 70-A, inciso VI e 86, da Lei nº 8.069/90), num viés eminentemente preventivo, definir estratégias de abordagem/ intervenção junto aos alunos (sobretudo enquanto adolescentes) e seus pais/ responsáveis, de modo a avaliar as condições em que a dita ocupação está ocorrendo, notadamente quanto às condições de alojamento, higiene, alimentação e outros aspectos que, potencialmente, podem causar prejuízos àqueles que participam da manifestação;
4 – Abordagens similares devem ser efetuadas junto aos pais ou responsáveis pelos adolescentes que participam da ocupação, de modo que sejam conscientizados acerca de seus deveres para com os mesmos (art. 100, par. único, inciso IX, da Lei nº 8.069/90), assim como da necessidade de acompanhar/ monitorar as condições em que seus filhos/ pupilos se encontram;
5 – Deve ser também buscado, junto aos representantes da escola e da Secretaria de Educação, a realização de reuniões com os alunos, na perspectiva de esclarecer eventual desinformação acerca do que efetivamente consta da proposta de reforma do ensino médio e da forma como esta será implementada (valendo mencionar que o direito à informação é assegurado tanto pela Constituição Federal quanto pelo art. 100, par. único, inciso XI, da Lei nº 8.069/90);
6 – Embora, naturalmente, caiba ao Conselho Tutelar local o acompanhamento da situação e a tomada das providências necessárias a prevenir e/ou coibir possíveis violações de direitos dos adolescentes que participam das manifestações, as abordagens e intervenções acima referidas não devem se restringir a este órgão, sendo fundamental a participação de outros componentes da “rede de proteção” à criança e ao adolescente local (com ênfase para profissionais da área da pedagogia e serviço social, bem como daqueles que possuam formação em mediação de conflitos – cuja intervenção em situações semelhantes se mostra fundamental), além de representantes dos pais/ responsáveis e dos próprios alunos, observando-se, em qualquer caso, os princípios relacionados no art. 100, par. único, da Lei nº 8.069/90;
7 – Importante, em qualquer caso, que o planejamento das ações a serem desencadeadas seja efetuado na perspectiva de prevenir/ evitar qualquer situação de conflito, fazendo uso da informação, do diálogo, da mediação e do respeito mútuo como ferramentas de negociação junto às lideranças do movimento (que, logicamente, precisam ser identificadas e também conscientizadas acerca de seus deveres para com os adolescentes que dele participam);
8 – Paralelamente, deve ser obtido junto às escolas e à Secretaria de Educação a definição de alternativas, seja para futura reposição de aulas, seja para evitar que os alunos que não desejam participar do movimento sejam por ele de qualquer modo prejudicados.
A partir da instituição de tais cautelas e mecanismos de diálogo, negociação e acompanhamento, será possível minimizar os efeitos deletérios decorrentes das manifestações face a proposta de reforma do Ensino Médio apresentada pelo Governo Federal, sendo certo que a participação dos diversos órgãos e agentes corresponsáveis pela defesa/ promoção de direitos de crianças e adolescentes, assim como dos pais/ responsáveis pelos alunos, é fundamental para que o mencionado direito à manifestação do pensamento seja exercido de forma livre e saudável.
Sem mais para o momento, e permanecendo à disposição para os esclarecimentos adicionais e o suporte que se fizerem necessários, renovamos votos de elevada estima e distinta consideração.
HIRMÍNIA DORIGAN DE MATOS DINIZ Promotora de Justiça |
MURILLO JOSÉ DIGIÁCOMO Procurador de Justiça – Coordenador |
Fonte: http://www.educacao.mppr.mp.br/