Militarização: caso de diretor militar de MT chama atenção para gestão militarizadas em escolas

Militarização: caso de diretor militar de MT chama atenção para gestão militarizadas em escolas

O crime esbarra no maior alerta realizado por educadores(as), já que o suspeito trabalhava como diretor de uma escola militarizada

Foto: Reprodução

No último domingo (23), um crime cometido por um Policial Militar, diretor de uma escola militarizada chocou o país. Elias Ribeiro da Silva, de 54 anos, atirou contra Claudemir Sá Ribeiro, de 26, em um bar na cidade de Colniza, a 1.065 km de Cuiabá, no Mato Grosso (MT). O militar foi preso em flagrante.

>> Receba notícias da APP pelo Whatsapp ou Telegram

De acordo com o Boletim de Ocorrência, após o homicídio, o suspeito deixou o estabelecimento em uma moto. Testemunhas acionaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas a vítima morreu ainda no local. 

Segundo delegado da cidade de Juína, Ronaldo Binoti Filho, que acompanha o caso, afirmou que o suspeito atirou “à queima-roupa contra um rapaz completamente inocente, que estava mexendo no celular quando fora atingido, simplesmente pelo fato de não ser correspondido pelas mulheres com quem esteve durante o dia”.

A vítima era conhecida na cidade por construir uma réplica de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) com materiais reciclados.

O crime esbarra no maior alerta realizado por educadores(as), já que o suspeito trabalhava como diretor de uma escola militarizada. A violência do crime comprova os temores de professores(as), que apontam que a falta de formação pedagógica e uma hierarquia de viés autoritário poderia gerar uma maior violência unidades militarizadas.

A Confederação Nacional dos(as) Trabalhadores(as) em Educação (CNTE), publicou uma nota pública condenando o crime e chamando a atenção para a necessidade de derrubar o modelo no Brasil.

“A execução covarde do jovem Claudemir Sá Ribeiro por um tenente da PM que exercia a função de diretor de uma escola cívico-militar escancara os riscos de um modelo educacional militarizado, onde postos de direção, supervisores, tutores, são ocupados por militares que não possuem formação para atuação em escola, nem formação pedagógica. São autoritários e possuem dificuldades com os princípios democráticos e não tem preparo para lidar com a complexidade das relações escolares”, explica a Vice-Presidenta da CNTE e secretária de Assuntos Jurídicos das APP, professora Marlei Fernandes.

Marlei enfatiza que a escola pública deve ser um espaço de diálogo e que preze por uma educação libertadora. “A escola pública deve ser um espaço de diálogo, cuidado e formação cidadã — e não de autoritarismo, armas e violência. Esse crime não é um caso isolado, é reflexo de uma concepção de educação que precisa ser urgentemente revista. A APP-Sindicato reafirma sua defesa da gestão democrática, com direções eleitas pela comunidade escolar e direções e quadros funcionais internos das escolas compostas por profissionais da educação”, completa.

Já a secretária Educacional da APP, professora Vanda Santana, aponta que o fato confirma o quanto políticas públicas de viés autoritário reproduzem atos de violência contra a vida.

“A educação que defendemos é aquela que tem por princípio a gestão democrática e a humanização, o respeito à diversidade social e cultural. Os colégios militarizados não contribuem em nada para o desenvolvimento humano e para a construção da justiça social e da paz. Ao contrário, reforçam a violência como forma de organização social. Nossa luta é para que a atuação dos militares se restrinja à atuação na segurança pública. A escola é lugar de educadores, de profissionais formados e qualificados na educação”, finaliza Vanda.

Já o Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso (Sintep-MT), publicou uma nota repudiando o crime e a presença de militares na gestão escolar.

“A escola deve ser um espaço de aprendizado e acolhimento, não um ambiente regido pelo autoritarismo e pelo uso da força armada. Esse modelo de gestão não pode ser referência para a educação pública”, diz trecho do comunicado.

Violência escancarada

Desde a aprovação do modelo no Paraná, em 2020, a APP tem acompanhado casos de violência em unidades militarizadas. 

Em 2024, uma estudante foi assediada sexualmente por um monitor militar durante uma viagem escolar ao zoológico de Curitiba. Após denúncias o militar foi afastado.

Segundo o relato da adolescente, após denunciar o caso à direção, foi desacreditada pela mesma, a qual questionou se a aluna não havia inventado a história. A diretora teria dito: “Vocês não estão inventando isso?! Ah, mas agora não tem nem como defender mais, né?”

Na época, a comunidade escolar realizou atos na unidade escolar e na Praça Barão de Guaraúna, em Ponta Grossa, demonstrando também solidariedade à vítima.

Já em maio de 2024, um homem invadiu o Colégio Cívico-Militar Professora Rosa Frederica Johnson, de Almirante Tamandaré, e agrediu estudantes e profissionais da educação. A unidade foi militarizada no ano passado e, no momento da agressão, os monitores militares não estavam presentes. 

O caso de agressão ocorrido no Colégio Cívico-Militar Professora Rosa Frederica Johnson não é um caso isolado. Em fevereiro deste ano outros casos de violência e cerceamento de direitos eclodiram em colégios cívico-militares do Paraná, demonstrando a fragilidade do modelo para cumprir a promessa de “segurança” e “disciplina”.

Pelo contrário, além da inação dos(as) monitores(as) militares para conter brigas, em dois casos eles(as) participaram – ativa ou passivamente – das agressões. 

No dia 20 de fevereiro do mesmo ano, no Colégio Jayme Canet, de Curitiba, um homem não identificado e de grande estatura agrediu dois estudantes menores de idade em frente à escola com socos e empurrões. A gravação mostra que o agressor agiu com violência, intimidando e ameaçando outros(as) alunos(as).

O monitor militar da escola não apenas não interveio como teria dito que “faria o mesmo”, de acordo com relatos de diversos estudantes que contataram a APP. 

“Quando fomos tirar satisfação com o monitor policial (subtenente), ele disse que isso que estava acontecendo ali era consequência das nossas ações, porque fizeram algo para o filho dele (o agressor). E que ele, o subtenente, faria o mesmo”, conta um dos(as) alunos(as). 

Na época, a escola fez uma declaração afirmando que tomaria medidas cabíveis, porém até hoje não se teve notícia da ação tomada.

Inação em Cambé

Já em Cambé, cidade que vive o trauma do ataque que tirou a vida de uma estudante do Colégio Estadual Professora Helena Kolody, uma briga generalizada em frente à escola Maestro Andrea Nuzzi culminou em um tiro de arma de fogo disparado para o alto, de autoria desconhecida.

O episódio ocorreu no dia 22 de fevereiro de 2024. Em nenhum momento os monitores militares tentaram impedir a briga.

De acordo com relatos da imprensa local, os pais não se sentem seguros com os(as) filhos(as) na escola e se dizem frustrados com o modelo cívico-militar. “Na hora da saída não havia nem uma viatura. Se tivesse uma viatura, essa situação não teria acontecido”, lamentou um pai.

Casos escancaram falácia do modelo cívico-militar

Vendido à sociedade como uma solução mágica para os problemas da escola pública, o modelo cívico-militar tem se mostrado incapaz de cumprir as promessas da propaganda governamental.

“Ter um militar lá dentro não resolve nada. Pelo contrário, a inação aumenta a sensação de insegurança”, avaliou Walkiria Mazeto, presidenta da APP-Sindicato, em 2024.

“A violência não é um problema que vem da escola. A escola reflete a violência existente na sociedade, que precisa de políticas públicas sérias, e não de soluções mágicas. E de policiais nas ruas, no entorno das escolas, não dentro delas”, complementa Walkiria. 

Paraná militarizado

O programa foi adotado em cerca de 200 escolas estaduais no primeiro mandato do governo Ratinho Jr. Até hoje, não há notícia de resultados positivos, mas o estado já conta com 312 estabelecimentos nesta modalidade.

A ampliação se deu em 2023, em um processo de consulta marcado pela condução autoritária do governo, sem prazo para o debate nem espaço para o contraditório, escandaloso uso da máquina pública, episódios de coação e censura a educadores(as) e estudantes, restrição ao voto de alunos(as), entre outras irregularidades que põem em xeque sua legitimidade.

Tais fatos foram amplamente documentados pela APP, que esteve presente nas escolas ao longo de toda a consulta, apesar das práticas antissindicais do governo condenadas pelo Ministério Público do Trabalho.


:: Leia mais sobre o tema:

:: Invasão de pai a unidade escolar expõe a necessidade de uma educação humanizada
:: Após pressão e ameaças, pai denuncia monitores de colégio militarizado em Curitiba
:: Farra dos uniformes cívico-militares: empresa envolvida em escândalo com a Seed tem histórico de irregularidades
:: “Inconstitucional”: Advocacia Geral da União se manifesta favoravelmente ao fim das escolas cívico-militares no Paraná
:: Governo Ratinho Jr. prometeu, mas não entrega uniformes para estudantes de colégios militarizados
:: Casos de violência explodem em cívico-militares do Paraná; militares lavam as mãos ou apoiam agressões
:: “Parece uma prisão”: estudantes denunciam práticas abusivas em escolas cívico-militares no Paraná
:: Constituição não autoriza comunidade escolar a decidir sobre militarização de escolas, alerta especialista
:: Para o Ministério Público Federal, padronização e patrulha estética em escolas cívico-militares é ilegal e precisa acabar 
:: Escola Não é Quartel: 7 motivos para dizer não às escolas cívico-militares

MENU