Entre as narrativas utilizadas para influenciar a opinião pública a apoiar a privatização das escolas públicas, a mídia brasileira adota posturas reiteradas de desqualificação do sistema público de ensino e ataques aos professores(as). A conclusão faz parte de um estudo realizado pela doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Thais Rodrigues Marin.
A pesquisadora analisou mais de 1.300 artigos de opinião e editoriais publicados pelo jornal Folha de S.Paulo, entre 2005 e 2020. Em entrevista para o Jornal da Unicamp, relatou que já esperava se deparar com o discurso privatista, mas ficou surpresa com o tom e o modo como isso aparece nos textos.
“São recorrentes as expressões exageradamente negativas, catastróficas e mesmo grosseiras para caracterizar a educação pública, tais como ‘tragédia’, ‘desastre’, ‘fracasso’ e ‘mediocridade’. Fiquei impressionada, pois não esperava encontrar esse tipo de registro em um dos veículos mais importantes do país, principalmente nos editoriais, porque esses deveriam abordar o debate político de modo mais qualificado e menos espetacularizado,” disse.
O estudo utilizou a metodologia de análise de conteúdo categorial, para classificar as temáticas que se repetiram nos textos ao longo do período analisado. A pesquisadora identificou seis narrativas, direta ou indiretamente, favoráveis à privatização da educação.
A desqualificação da educação pública e a consequente necessidade de reformar o sistema é a primeira delas e também a mais expressiva, explica a autora do estudo. A segunda narrativa explora a ideia de que não faltam recursos, mas sim eficiência na gestão do Estado.
Já a terceira mira os professores da escola pública, desqualificando os docentes ao descrevê-los como acomodados, malformados e corporativistas. “Esse discurso coloca o professor como inimigo e nega sua condição de trabalhador”, afirmou.
Na sequência aparecem as avaliações educacionais, os indicadores utilizados para responsabilizar, premiar ou punir os professores pelos resultados, desconsiderando os problemas estruturais, sociais e políticos que também afetam o processo educativo.
A defesa das parcerias educacionais com instituições privadas surge como a quinta narrativa identificada nos textos, colocando os atores não estatais como supostamente mais capazes de oferecer soluções e importantes para melhorar a qualidade da educação.
A sexta e última narrativa atribui à escola a responsabilidade pela superação das desigualdades sociais e o desenvolvimento econômico do país. Segundo a pesquisadora, esse discurso “é a teoria do capital humano alinhada ao discurso neoliberal”, defendendo que a suposta má qualidade da educação seria a causa da perpetuação de desigualdades e do enfraquecimento da economia do país.
Marin avalia que essas narrativas contribuem para endossar, legitimar e consolidar uma opinião pública favorável aos processos e práticas de privatização das escolas públicas, pois considera que a repetição vai tornando esse discurso hegemônico, como se fosse a verdade.
“Essa é a grande história que se conta sobre a educação básica pública brasileira e que ganha esse caráter de verdade, de prova concreta. Em editoriais, que seriam a voz do próprio jornal, ou ao dar espaço para autores de artigos, a mídia não está só relatando a história. Ela transforma-se em um ator que participa dessa história”, afirmou.
Ao chamar a atenção para um fenômeno que não atinge apenas o Brasil, mas tem escala global, além de desmistificar as ferramentas de atuação das empresas interessadas em abocanhar os recursos públicos da educação, a pesquisadora destaca que a disputa política é também discursiva, sobre os modos de se pensar a realidade e pautar a agenda política.
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Educação não é mercadoria
No Paraná, a agenda privatista na rede estadual de ensino teve grande impulso após a posse do governador Ratinho Jr. e do empresário Renato Feder como secretário da Educação, em 2018. Apesar das denúncias frequentes apresentadas pela APP-Sindicato, na maioria das vezes o tema é ignorado pela imprensa local ou reportado com visível apoio à narrativa privatista.
São inúmeras as iniciativas implantadas pela dupla para destinar verbas públicas da educação a empresas privadas. O uso de plataformas digitais que tiram a autonomia pedagógica dos(as) professores(as) e ações para manipular o ideb estão no centro desta política.
O fechamento de turmas e turnos de ensino noturno, da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a militarização de escolas estão entre as maldades. As ações incluem ainda atos administrativos de perseguição, punição e retirada de direitos dos(as) educadores(as) e terceirização dos cargos dos(as) funcionários(as) de escola.
A entrega da gestão de unidades de ensino para empresas privadas também já está presente na rede estadual através de um projeto piloto. Recentemente, o governador enviou um projeto de lei para a Assembleia Legislativa, indicando que pretende aumentar esse modelo no estado.
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Agenda de lutas
Fazendo o enfrentamento dessas articulações que visam o desmonte da escola pública, professores(as) e funcionários(as) de escola de todo o Paraná aprovaram a agenda de lutas e a pauta da campanha salarial da categoria para este ano.
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No próximo sábado (13), a categoria volta a se reunir em assembleia estadual para definir novas estratégias da luta coletiva em defesa da escola pública, por direitos, salário e condições de trabalho. A assembleia está marcada para início às 8h30 na AABB de Curitiba.
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