2021 está a todo vapor com temas que remetem à educação pública brasileira, afinal, é um processo contínuo e o aprendizado é diário. A APP-Sindicato conversou com a vice-presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Marlei Fernandes de Carvalho, após o ano de 2020 com um cenário de educação virtual em meio a uma pandemia mundial.
“O verbo mais usado é o esperançar, ensinado por Paulo Freire.
Não uma esperança parada, mas ativa, e que coloca em prática a nossa defesa”,
Marlei Fernandes.
1) Como buscar uma educação pública de qualidade para 2021?
Marlei Fernandes – Uma educação pública de qualidade para 2021 só será possível a partir da vacina. Precisamos ter toda a população vacinada através do SUS. É uma questão humanitária – e não é só de visão de governo. Temos que fazer com que toda a comunidade escolar seja vacinada para o retorno da aula de forma presencial. A aula de qualidade é presencial, e vivenciamos isso em 2020, existe a necessidade da relação professor e aluno, dos funcionários e atividades coletivas nas escolas. O segundo ponto, ao retornar as aulas presenciais, teremos que travar uma luta grande para revogar todas as medidas que foram tomadas e que atingiram a escola pública e de todos os trabalhadores e trabalhadoras da educação.
2) Após um ano de pandemia, quais os principais desafios da CNTE e entidades filiadas?
Marlei Fernandes – Os principais desafios da CNTE são os trabalhos intensos para revogar as medidas que o governo federal tomou e que atingem a população brasileira e a escola pública como um todo. Diversas entidades trabalham pela revogação da Emenda Constitucional 95, que congelou os recursos para diversas políticas públicas. Outro desafio é a aplicabilidade do Fundeb, que conseguimos com muita luta garantir a vitória em 2020 – com a aprovação e regulamentação – e precisamos agir de forma intensa.
A outra situação é que precisamos de mais recursos para a escola pública, e já existe uma campanha intensa neste sentido, para taxar as grandes fortunas que vão trazer bilhões para as políticas públicas. O Brasil não tem essa lei aprovada, mesmo existindo na Constituição. Precisamos fazer uma campanha também para que o auxílio emergencial permaneça, pois sabemos que a maioria dos estudantes das escolas públicas são oriundos de famílias com dificuldades financeiras e, na época da pandemia, muitos ficaram desempregados.
3) Quais foram as principais dificuldades e/ou entravamentos para a educação em 2020? Como intervir junto ao governo federal para a educação de qualidade, laica e para todos(as)?
Marlei Fernandes – A principal dificuldade, de fato, foi a pandemia no mundo. E não temos um governo federal que represente uma expressão de cuidado com o povo. É um governo federal negacionista com a ciência e que não atende a maioria da população, inclusive, que desdenha do povo brasileiro, e faz isso de forma aberta – entendemos que já temos motivo suficiente para um impedimento do presidente.
A mesma situação encontra-se no MEC (tínhamos um confrontador em relação à política pública). No atual momento, temos outro ministro da Educação, mas que também não tem nenhuma atitude positiva e de defesa da educação pública. A CNTE já enviou ofício ao MEC e fizemos uma reunião com as assessorias tentando trazer a pauta da educação brasileira, incluindo o reajuste do piso que não pode ser zero. O calendário da CNTE é extenso de luta e mobilização, e pode ser acompanhado pelas mídias da entidade.
4) Qual o papel da tecnologia como ferramenta para a educação?
Marlei Fernandes – Nós não negamos as tecnologias, ao contrário, são importantes e bem-vindas. O problema é que não temos estrutura nas escolas públicas. As escolas públicas são precárias, faltam computadores, laboratórios. Mais de 10 mil escolas públicas não possuem nem água potável. É uma falácia colocar a tecnologia como elemento central e que vai substituir a escola pública. Não existe uma política efetiva nacional emanada pelo Ministério da Educação para que as tecnologias sirvam aos professores e estudantes, na escola, e de forma mista – como um auxílio na aprendizagem como forma metodológica e pedagógica. Hoje a tecnologia está colocada de forma privada. A nossa defesa é da escola pública e igualitária para todos, com direitos a acesso.
5) Votações como a do Fundeb interferem na valorização dos(as) profissionais da educação, sendo assim, comente sobre a carreira e piso do magistério. Quais as perspectivas?
Marlei Fernandes – Vou repetir que o Fundeb foi a grande conquista de 2020 – a maior mobilização nacional – e que também interfere na valorização de todos os professores e funcionários da educação. Hoje temos um Fundeb que pode ser utilizado, no mínimo, 70% dos seus recursos para pagamentos dos profissionais das escolas. Precisamos ter a regulamentação da lei do piso também. Vamos ter um aumento de recursos – claro que ainda é pequeno, mas é importante.
Na contramão disso, muitos estados e municípios mexeram em todas as carreiras dos profissionais da educação – é um desafio revogar essas legislações, como no Paraná (fim das licenças especiais, exclusão dos agentes educacionais I e II, congelamento das promoções e progressões). No nível federal, foi mexido no anuênio e quinquênio, que também são direitos. O piso nacional e o reajuste zero estão sendo questionados também pela CNTE. Muitos estados já não realizaram o reajuste e aqui no Paraná existe uma defasagem de quase 40%, por exemplo.
6) O centenário de Paulo Freire se aproxima e junto a defesa pela democracia na educação. Como manter o legado vivo na atualidade brasileira?
Marlei Fernandes – Nada mais atual do que a defesa de Paulo Freire. Estamos realizando vários eventos rumo a comemorar os 100 anos do educador. Será uma comemoração histórica no mundo. Teremos atividades da Internacional da Educação e de várias outras entidades internacionais na semana de 17 a 22 de setembro, em Recife, que será inaugurado um monumento em defesa de Paulo Freire.
Paulo Freire representa a educação pública de qualidade, laica, universal, de referência social para todos. Significa defender o recurso público para a escola pública, a gestão democrática, um currículo organizado pelos profissionais da educação e não pela BNCC e Reforma do Ensino Médio. Significa defender as liberdades da sociedade e fazer uma luta contra racismo, LGBTfobia, etc.
Paulo Freire está sempre muito presente na necessidade de luta e resistência pela educação no nosso país e na América Latina. Já foram feitos cinco encontros do Movimento Pedagógico Latino-Americano. A APP-Sindicato está junto nas atividades e participa diretamente para que tenhamos um amplo movimento na defesa de Paulo Freire e seu legado, que é atacado no atual governo.