Por uma escola sem armas
Programa Escola Segura, entre outras medidas de militarização, prevê policiais armados(as) dentro das escolas
A violência é um fenômeno complexo e sistêmico. No Brasil, o Atlas da Violência 2018 traz a triste estatística do assassinato de 62.517 pessoas (dados se referem a 2016). Do total geral, 33.590 são casos de morte de jovens pobres, em sua maioria do sexo masculino e da raça negra. As periferias dos grandes centros urbanos são as localidades em que os assassinatos ocorrem.
Explicar e prever ações de combate a violência não é tarefa simples e muito menos a solução deste grave problema social se dará de forma imediata. Há um conjunto de fatores históricos, sociais e econômicos que contribuem para a manutenção dos atuais índices e que muitas vezes são superiores a países que estão em guerra. Existe uma tendência de que governos combatam a violência com o aumento do policiamento. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, o Brasil gastou em 2018 cerca de R$ 82 bilhões em segurança pública e, em sua maioria, estes gastos envolvem o aparelhamento policial e penitenciário. Os dados históricos da violência como os apresentados pelo Atlas da Violência, bem como outras ações, como a recente intervenção militar no Rio de Janeiro que, além de não ser suficiente para conter a violência, foi responsável pelo aumento em 1/3 no número de mortes de civis e fez explodir em mais de 15% a violência no interior daquele estado, demonstram que enquanto governos investirem em policiamento com acentuado caráter ostensivo e letal e sem adequadas reformas estruturais, não haverá paz social. Nesse sentido, o projeto “anticrime” do Ministro Sérgio Moro não é solução, porque, dentre outras consequências da aprovação do projeto de Lei, está o aumento a a letalidade policial com a subjetividade do estatuto da legítima defesa e que resultará em aumento ainda maior na segregação social, uma vez que serão, como já são, os jovens negros, pobres que moram nas periferias as vitimas preferenciais da letalidade policial. De igual forma a facilitação do porte de armas, como prevê o Decreto Presidencial 9685/2019, também não é solução. Ao contrário, uma sociedade marcada profundamente pelas diferentes formas de violências, com a flexibilização do porte de armas terá como resultado o aumento no número de mortes por armas de fogo. Os mais 43 mil assassinatos em 2016 (últimos dados disponíveis) derivados do uso de armas de fogo, situação que torna o Brasil o pais em que mais se mata por armas de fogo, talvez não sejam suficientes para mostrar a falência deste modelo
A escola não está à margem dos impactos de uma sociedade violenta. Infelizmente o que ocorreu em Suzano na semana passada (13/3), como em Realengo (RJ) em 2011, Goiânia (GO) em 2017 ou ainda em Medianeira (PR) em 2018, são as faces extremas da violência e da doença social que vivemos. Situações como estas reacendem na sociedade o debate pela segurança nas escolas. As respostas as estas situações recaem, via de regra, no aumento do policiamento nas áreas escolares e em alguns casos, a existência de policiais dentro das escolas, como prevê o Programa “Escola Segura” do Governo do Estado do Paraná. Fazer das escolas uma pretensa ilha de segurança e não prever ações sociais maiores é como chover no molhado.
O governador Ratinho Júnior lançou o programa no dia 15/3. Ele “será implementado inicialmente em 100 escolas em Foz do Iguaçu, cidade de fronteira internacional, em Londrina, segunda maior cidade do Paraná, e na Região Metropolitana de Curitiba. O projeto-piloto vai durar 150 dias e envolverá até 200 policiais militares voluntários da reserva” e se dará através de parceria entre as Secretarias de Educação e de Segurança Pública. O investimento no programa será de 5 milhões dreformador educacionale reais “para o pagamento de diárias aos policiais, além de aquisição de armas, coletes e demais equipamentos de segurança”. A escolha das escolas a serem atendidas se dará através de critérios como a “localização, índice de criminalidade, número de estudantes matriculados e funcionamento em três turnos”.
A APP-Sindicato vê com indignação a existência de policiais armados dentro das escolas como parece estar definido no programa. Novamente, a receita ao combate a violência são medidas de policiamento e o que é pior, com a presença destes policiais dentro das escolas, lugares em que o cuidado pedagógico é sempre o da cultura da paz. Educação e armas são diametralmente opostos. Além do que, o programa prevê interferência nas ações pedagógicas e de gestão das escolas. É perceptível a influência da militarização das ações pedagógicas e curriculares. Somos contrário(as) à existência de policiais armados dentro das escolas e com a prerrogativa de interferir nos aspectos pedagógicos das instituições.
Do ponto de vista de organização das escolas, o Programa veio de cima para baixo, sem a devida reflexão das comunidade escolares e como se ele fosse a única resposta as questões da violência. Há a questão de formação dos(as) policiais que estarão nas escolas. Durante toda a vida os policiais eles(as) foram acostumados(as) com uma outra dinâmica em suas funções. Com apenas 20 horas de treinamento nos aspectos pedagógicos são insuficiente para compreenderem do universo escolar, marcados por inúmeros desafios.
No entanto, se é possível o investimento em policiamento nas escolas, porque não se investe em aumentar o número de pedagogos(as) ou de funcionários(as) de escola para o acompanhamento de situações que precisam de cuidado? Ou na consolidação de uma rede de proteção à adolescentes e jovens em constante diálogo com as escolas para o atendimento dos(as) estudantes e suas famílias? Ou ainda, não se discute o porte de escola com a diminuição de estudantes por sala ou da implementação do ensino integral como possibilidade de acompanhamento mais diretos aos(às) estudantes, e portanto, de previsibilidade de situações para um melhor acompanhamento? Porque não se investe em ações de contraturno com base no esporte, na cultura e no lazer? Estas e outras medidas colaboram no combate ao fenômeno estrutural da violência e precisam ser apresentadas e discutidas pelas comunidades escolares, como contraposição à proposta de policiamento que a Programa Escola Segura prevê.
A ascensão ao poder de um discurso de ódio, intolerância e discriminação contribui para tornar a sociedade brasileira ainda mais violenta. A educação tem muito a dizer e se contrapor a tudo isso. Nossa defesa histórica sempre foi por uma educação cujo o primado é o da solidariedade e a paz entre todos(as). Ao aceitarmos a presença de um(a) policial armado numa escola, além do risco que isso causa à estudantes e profissionais da educação, admite-se a instauração da barbárie como instrumento social, rompe-se com o estatuto civilizatório e representa o fim de qualquer possibilidade da educação como promotora de humanidade.
Curitiba, 23 de março de 2019
Assembleia Estadual da APP-Sindicato