LYGIA: ETERNA E NECESSÁRIA APP-Sindicato

LYGIA: ETERNA E NECESSÁRIA

Por Cláudia Gruber

Foto: Divulgação / UBE

Conheci Lygia Fagundes Telles em meados dos anos 1980, ainda adolescente e, ao mesmo tempo em que me encantei, me assombrei com ela. Como podia alguém entender tão bem as angústias e anseios da alma feminina e traduzi-lo em palavras com tanta perfeição? Com tanta singeleza e beleza? Plasticidade? Elegância? Eu não sabia o que era feminismo e não sabia qual era a importância dela para a consolidação da presença feminina em nossa literatura brasileira. Só fui entender isso anos mais tarde, na faculdade de Letras.

Lygia nasceu em São Paulo, em 1923 e viveu em várias cidades do interior do estado até ingressar na Faculdade de Educação Física na capital com 17 anos e, no ano seguinte começou a cursar Direito na Faculdade do Largo de São Francisco.  Lá conheceu Mário e Oswald de Andrade – grandes amigos e influenciadores.

A escritora, iniciou precocemente sua carreira literária. Com 15 anos, publicou seu primeiro livro: Porão e Sobrado, financiado por seu pai que sempre foi um grande fã da filha.  Ela continua escrevendo e se dedicando às duas faculdades até se casar e ter seu primeiro filho: Godofredo.

1954 é um divisor de águas em sua vida. O romance Ciranda de pedra é publicado e torna Lygia conhecida nacionalmente. Medos, angústias e fragilidades das relações humanas são expostos de uma forma nunca vista. A mulher torna-se centro de uma ciranda de emoções e sentimentos que passam a ser analisados por um olhar atento e cheio de lirismo da autora.

As meninas, escrito em 1973 (Prêmio Jabuti) traz uma Lygia transgressora, uma Lygia feminista antes mesmo de se falar em feminismo no Brasil. Temos três vozes femininas que nos trazem um Brasil reprimido pela ditadura, pelo machismo, pela hipocrisia que domina a sociedade da época. Uma obra corajosa e cheia de novidades estilísticas ao adotar uma tripla narrativa.

O gosto por experimentações estilísticas é uma das características mais marcantes dessa autora que colecionou milhares de títulos, que foi traduzida para diversos idiomas (inglês, espanhol, francês, italiano, russo, alemão, …), que publicou mais de 30 livros e teve o privilégio de ocupar por 44 anos a cadeira 16 da ABL. Exemplo desses experimentos literários  é um dos narradores de As horas nuas (1989), o gato Rhaul, que traz para o leitor as neuroses cotidianas a que estamos submetidos num mundo plural e fragmentado. Além desse narrador irreverente e cheio de ironia, o enredo também é repleto de vieses espaciais e temporais que se entrecruzam e se chocam,  de “flash backs”, com uma linguagem metafórica que vem carregada de intertextualidades, causando um verdadeiro encantamento ao leitor.

Por isso e por muito, muito mais coisas que não cabem aqui, Lygia é e será tão necessária. Ver as entrevistas onde ela conta episódios de viagens com a amiga Clarice (Lispector), como aquela “fugidinha do congresso em Bogotá” são deleites para seus leitores.

Lygia foi-se serena, morrendo de forma natural, faltando dezesseis dias para completar seus 99 anos. Destes 99,  mais de oito décadas dedicadas ao nobre ofício de escrever ou como ela mesma dizia: “A função do escritor? Ser testemunha do seu tempo e da sua sociedade. Escrever por aqueles que não podem escrever. Falar por aqueles que muitas vezes esperam ouvir da nossa boca a palavra que gostariam de dizer.”

*Cláudia Gruber, secretária executiva de Comunicação da APP-Sindicato, mestre em Estudos Literários e professora do Colégio Luiza Ross, do NS Curitiba Sul.

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