Leve somente o essencial: livros

Leve somente o essencial: livros

Artigo de Cláudia Gruber alusivo ao Dia Mundial do Livro

Ilustração: Rachel Caiano, menção especial do Prêmio Nacional de Ilustração 2024, promovido pela DGLAB (Portugal)

“Logo, se devo salvar alguma coisa que seja facilmente transportável e que deu provas de sua capacidade de resistir às vicissitudes do tempo, escolho o livro”. (Umberto Eco) 

O Dia Mundial do Livro nasce na Espanha, em  1926. Originalmente, era celebrado em 06 de abril, data de nascimento de Miguel de Cervantes. Porém, em 1930, foi transferido para 23, falecimento do escritor castelhano. Pela tradição, os espanhóis até hoje se presenteiam com rosas e livros, em alusão também ao Dia de São Jorge, padroeiro de Barcelona.   

Diante desta tradição, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) instituiu em 1995, O Dia Internacional do Livro ou Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor

Neste dia, a proposta é que ocorram eventos nas cidades mundo afora para que se promovam a leitura e a divulgação de novos/velhos livros para o público leitor. As feiras de livros, debates e saraus literários intensificam-se neste mês de abril e, a cada ano, a Unesco escolhe uma cidade para ser a Capital Mundial do Livro. Na América do Sul, Bogotá (2007) e Buenos Aires( 2011) já participaram deste momento. Neste ano, pela primeira vez, teremos uma cidade brasileira como Capital: Rio de Janeiro.   

A cidade carioca foi escolhida por suas iniciativas de incentivo à leitura (Bibliotecas do Amanhã) e também por seu patrimônio literário e cultural. Eventos diversificados estão programados para a data, como o primeiro Congresso de Literatura Latino-Americano. Também haverá eventos alternativos e experimentais como a Book Parede (criação de instalações usando livros); a Livro nos Trilhos (obras literárias espalhadas nas estações de metrô, trens e ônibus) e o Festival   Paixão de Ler (24 horas de palestras, apresentações, workshops, mesas redondas). O Rio vai respirar literatura. 

Todos esses eventos e iniciativas são importantes e necessários mas, temos problemas graves quando o tema é leitura. Dados de 2024, da pesquisa “Retratos da Leitura”, feita pelo Instituto Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), mostrou que houve uma redução de 6,7 milhões de leitores no país, de 2019 para cá, sendo a escola um dos espaços onde a leitura se reduziu: de 23% (2019) para 19% (2024). A média de livros lidos pelos entrevistados é de 0,82 obras. As pessoas não conseguem sequer ler um livro completo.  A pesquisa traz outros recortes como escolaridade, faixa etária, regiões do país, gênero e renda. 

Tais dados assustam pois, por mais que haja incentivos para a leitura por diversos meios, inclusive por plataformas digitais, há alguns componentes que tornam o hábito da leitura cada vez mais distante dos brasileiros.  O livro impresso ainda é muito caro para a grande maioria das pessoas, estando em média R$53,25. Já a quantidade de livrarias também é pequena para atender as possíveis demandas: 2.972 em todo o país, o que representa uma livraria para cada 68,3 mil habitantes (dados de 2023). Segundo o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) há, hoje 4.639 bibliotecas no país, entre municipais, distritais, estaduais e federais. São 654 a menos do que tínhamos em 2020. A distribuição tanto de livrarias quanto de bibliotecas é desigual pelo país, sendo a maior concentração na região Sudeste e menor na região Norte.

Diante deste quadro, constatamos que não há investimentos necessários para que o livro torne-se um bem de valor e interesse pela população como um todo, já que as prioridades materiais tornaram-se outras. Não há incentivos formais de muitos governos estaduais e municipais para que a leitura torne-se um hábito regular e consciente, sobretudo para a formação crítica do indivíduo, que faz da leitura uma fonte de compreensão de onde está inserido na teia social.   Ao contrário, nas nossas escolas aqui do Paraná há cobranças para que se atinjam metas no B.I. quanto ao uso de plataformas de leitura, sem que se criem os devidos laços de afetividade e espontaneidade com o objeto livro, algo tão necessário para que o gosto pela leitura flua naturalmente na vida dos estudantes.  É fundamental que eles explorem a textura, o tato, o contato com o livro físico, que o sintam em suas dimensões, sintam seu cheiro, vejam suas nuances, seus detalhes e aprendam a tocá-lo com respeito e carinho.    

Ainda, há quem aposte no fim do livro com as novas ferramentas de leitura eletrônica, plataformas e outras formas de entretenimento. Mas, segundo Jean Claude Carrière “[…] ainda poderemos ler livros, durante o dia, ou à noite à luz de uma vela, quando toda a herança audiovisual tiver  desaparecido”. (p. 30, 2010)   O que nos leva a crer que esse objeto, mesmo com as milhares de mudanças na forma de nos comunicarmos e transmitirmos conhecimento, terá vida longa. 

Há entre leitor, escritor e obra uma espécie de  trama invisível que pode os unir ou mantê-los, depois de um tempo, irremediavelmente afastados. Na maioria das vezes, é a união que prevalece já que a obra traz um vínculo diferenciado com o real, fazendo com que se percebam determinados assuntos com um novo/diferente viés e o leitor seja colocado em estado de atenção redobrado.  Sobre essa trama invisível, Antonio Candido chamava-a de tríade indissolúvel. “O público dá sentido e realidade à obra, e sem ele o autor não se realiza, pois ele é de certo modo o espelho que reflete a sua imagem enquanto criador.” (p.38, 2000). 

Por isso que há um apego inexplicável sobre determinados livros, já que esses laços transcendem a realidade e revelam todo o trabalho artístico por trás de assuntos tidos como banais, cotidianos ou surreais, já que são transformados pela linguagem e acabam também  por transformar o leitor.  

Esse retângulo de papel, que podemos pegar com facilidade e levar para onde quisermos, irá nos transportar para outros  mundos, outras vidas, ele nos trará inquietudes, conforto, fantasia, mistura de sentimentos que só quem lê pode entender e sentir. Então, seguirei os ensinamentos de Umberto Eco e, se eu tiver que salvar alguma coisa num possível fim do mundo, que sejam eles, os livros. Mas, o difícil será fazer a lista dos essenciais. 

Referências:

CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade: Estudos de teoria e história literária. 8ª ed. São Paulo: T.A. Queiroz, 2000. 

CARRIÈRE, Jean Claude; ECO, Umberto. Não contem com o fim do livro. Rio de Janeiro: Record, 2010.  

* Cláudia Gruber, professora da rede estadual, mestra em Estudos Literários pela UFPR e secretária executiva de Comunicação da APP-Sindicato.

MENU