No dia que completaria 101 anos, Paulo Freire teve seu legado exaltado por trabalhadoras(es) da educação de diversas partes do mundo, nesta segunda-feira (19), na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife (PE), na Plenária Mundial da Educação. O evento fez parte do penúltimo dia da celebração do Centenário do patrono da educação no local onde Freire estudou e começou sua carreira docente.
A história de vida do educador e filósofo foi contada na homenagem, feita na Concha Acústica da UFPE, e emocionou o público, que veio de diversas cidades brasileiras, da Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Colômbia, Peru, Costa Rica, EL Salvador, Honduras, Guatemala e Panamá.
Paulo Freire não só desenvolveu um método de educação crítico e inclusivo, mas foi preso na ditadura por ser considerado um subvertido, se exilou, deu aula por uma década na Universidade de Harvard e compartilhou suas pesquisas, livros, artigos e experiências com o mundo todo. É um dos autores mais citados em faculdades de ciências humanas no planeta.
O diretor da Federação Nacional de Professores em Lisboa (FENPROF), Mário Nogueira, relatou que Paulo Freire é uma referência muito importante para educadores e professores em Portugal que defendem a escola pública democrática e de qualidade. Segundo ele, defender o legado de Paulo Freire é defender uma escola inclusiva, que respeita a diversidade e que tem espaço para o filho do rico, mas também os filhos da classe trabalhadora.
Além disso, o sindicalista ressaltou alguns dos desafios que o povo português enfrenta para continuar defendendo esse legado: “Uma educação de qualidade é uma das grandes lutas do sindicato em Portugal e da sociedade portuguesa e é preciso defender esta escola democrática o tempo todo. O mundo digital e dos computadores estão precarizando as relações de trabalho e trocando professor por robô, mas não há escola sem docentes, porque na escola não só se ensina. É o professor que educa, forma e sobretudo cria e ajuda a construir cidadãos plenos e críticos, já o robô aliena”, afirmou.
No Chile, o representante do Colégio de Professores, Carlos Diaz, registrou que em seu país Paulo Freire é inspirador e relembrou o que ele dizia sobre o que é educar.
“O patrono da educação nos ensinou que é preciso educar para libertar, conscientizar, dialogar e transformar o mundo, mas também dizia que a educação não é neutra, é política, libertária e carinhosa. Ele dizia que educar tinha que ser amor. É preciso entender que a educação é um direito humano fundamental e não mercadoria porque muda toda a vida. Necessitamos de uma educação integral e abordar toda a vida humana: afetiva, emocional e social, uma educação humanizadora, como defendia Paulo Freire”, explicou o chileno.
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O Professor Antonio Mendes, do Sindicato Nacional dos Professores de Guiné-Bissau, na África, disse que o país elegeu a obra de Paulo Freire como marco da educação, cooperação, solidariedade e fraternidade. Segundo ele, em 1964 foi lançado um programa de alfabetização inspirado no patrono e o que era dito é que os que sabem devem ensinar aos que não sabem para que homem fosse capaz de ser guiado pela sua própria vida.
“Por esta e por outras razões que o sindicato está presente em Recife para, em poucas palavras, homenagear Paulo Freire. Nós do sindicato lutamos pela melhoria da educação, que pede socorro em nosso país. A degradação do sistema educativo está avançado e precisa de recursos e melhorias no ensino e o patrono da educação continua sendo nossa inspiração”, reforçou o professor Mendes.
A Plenária Mundial começou com as apresentações culturais do Afoxé Oyá Alaxé, de Recife, e do músico potiguar Hilton Acioli. Para encerrar a atividade, um ato foi realizado em frente a estátua de Paulo Freire, que fica dentro da Universidade Federal de Pernambuco. Uma nova placa foi colocada na homenagem ao patrono da educação.
Foto: Divulgação/CNTE
Nesta terça-feira (20), acontece o último dia da celebração do Centenário de Paulo Freire.
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O legado de Paulo Freire para a educação brasileira
Num segundo momento da Plenária Mundial da Educação foi discutida a importância do legado de Paulo Freire para a educação pública brasileira, principalmente neste momento de ataques e rupturas ao processo democratico e educativo.
O economista, professor, historiador e sociólogo, Sérgio Haddad, defendeu que os ensinamentos do patrono da educação são antídotos para o aumento da pobreza, violência e desrespeito que o país está passando. Primeiro devido a sua relação com o conceito de humanização e depois porque Paulo Freire fala que não é para deixar ninguém para trás e não tratar nenhum grupo com diferença.
“O humanismo de Paulo Freire é um antídoto ao racismo, xenofobia, ataques a direitos indígenas, o armamentismo, às escolas privatizadas e militarizadas e a todos e todas aqueles e aquelas que lutam para rebaixar a condição social de qualquer pessoa. É preciso utilizar o pensamento do filósofo contra os que ironizam os que sofrem pela Covid, àqueles que negam comida aos mais pobres por causa da sua posição política”, ressaltou.
A doutora em Educação pela UFPE e autora de diversos livros sobre educação, Eliete Santiago, trouxe algumas afirmações freireanas para o debate e disse que elas estimulam a reflexão e prática dos/as educadores/as, como “a natureza da educação é política” e “a educação não transforma o mundo, a educação transforma as pessoas e as pessoas transformam o mundo”. Segundo ela, as afirmações de Paulo Freire têm traços teóricos e relevância para pensar políticas públicas.
Eliete também falou sobre a obra de Freire “a pedagogia do oprimido” ao criticar uma educação que não seja construtiva, emancipadora e libertadora. Segundo ela, a obra continua contemporânea porque Paulo Freire denunciava a educação bancária que negava o protagonismo do sujeito na educação e na história para o Brasil e o mundo.
“Paulo Freire mostrou ao Brasil e ao mundo que a educação é política e pode se constituir uma educação de verdade, como a superação e proposição. A politicidade da educação mostra na prática que educação transforma. A mulher e o homem são seres inacabados e conscientes de relações plurais com o outro e o mundo e buscam constantemente reflexões e ações capazes de ler o mundo”, avalia Eliete.
A doutora em educação pela PUC-SP, professora de história da educação e viúva de Paulo, Nita Freire, resgatou como foi o processo de alfabetização brasileira. Segundo ela, com a chegada dos padres jesuítas que vieram de Portugal para catequizar os índios e trouxe para o Brasil, o que Paulo Freire chamou de educação bancária com intuito de “colonizar” o método de ensino, que existe até hoje.
“Este elitismo da educação bancária não existe só no Brasil, está praticamente no mundo todo e o Paulo trabalhou seu método a partir desta história. A educação bancária é uma educação da repetição e não respeita o outro. Neste tipo de sistema, se não decorar, é castigado, e isso ele nunca aceitou”, afirma.
Nita contou que Paulo Freire dizia que não se pode ensinar nada sem amorosidade e sem coerência entre o que se pensa, fala, escreve e pratica. Além disso, o professor ou professora precisa ter cumplicidade e não ser conivente aos erros dos/as alunos/as e que não se pode imaginar um/a educador/a que não tenham virtudes, se quiser realmente mudar o mundo.
“Como dizia Paulo, quem ensina deve ter amor, tolerância, coerência e cumplicidade, que são os princípios da educação pública de qualidade de verdade e não simulacro de educação. Esta é a educação que dá consciência crítica e no entanto problematiza e questiona. É preciso entender que cada vez mais é preciso perguntar e tentar responder com consciência crítica sobre nossos problemas e podemos transformar a sociedade”, finalizou Nita, que dedica sua vida a organizar e divulgar a obra de Paulo Freire.