O governo do Paraná foi condenado a indenizar um professor vítima de assédio moral e perseguição em uma escola cívico-militar de Toledo, região oeste do estado. A decisão da Justiça reconheceu que o docente foi alvo de tratamentos abusivos e ofensas praticadas por um militar aposentado colocado na direção da escola por indicação da gestão Ratinho Jr., após o estabelecimento ser militarizado.
Professor de Geografia há mais de 14 anos, Esion Fernando, relata que começou a perceber o tratamento abusivo após fazer atividades na escola relacionadas a temas como a ditadura militar e o Dia Internacional da Mulher.
O professor passou a ser o único chamado pela direção para assinar atas e teve atividades restringidas. Mas o ápice foi um episódio de humilhação durante uma reunião do conselho de classe que debatia, entre outras questões, soluções para enfrentar o alto índice de reprovação das turmas de ensino médio da escola.
“Eu sugeri uma campanha de valorização dos professores, com a frase de que a melhor plataforma de ensino, é um professor, uma professora, e pedi para que colocasse isso no saguão. Ele [o militar] se levantou no meio do conselho de classe, no meio de 20 professores, e me ofendeu publicamente me chamando de pateta”, conta.
Essa agressão aconteceu no dia 29 de abril do ano passado. A data recorda um dia histórico para a categoria, quando o governo Beto Richa ordenou a Polícia Militar reprimir com bombas de gás e bala de borracha uma manifestação pacífica dos professores(as), realizada no ano de 2015, em Curitiba.
Fernando afirma que a agressividade do militar causou indignação aos colegas presentes na reunião. Segundo o professor, o diretor indicado pelo governo Ratinho Jr. recusou se retratar e ainda teria afirmado que manteria suas palavras, no caso o xingamento, até diante de um tribunal.
Outras formas de perseguição continuaram e o professor denunciou a situação ao Núcleo Regional de Educação, mas o procedimento foi arquivado sob a justificativa de que “a direção estava apenas cumprindo ordens”. Foi então que o docente decidiu levar o caso à justiça.
Após analisar as provas apresentadas e ouvir testemunhas, a juíza responsável pelo caso concluiu que ficou comprovada “a perseguição política, assédio moral ou represálias” praticadas pelo militar aposentado.
“Quando o superior hierárquico, por questões de relacionamento pessoal, cobra seus subalternos de modo reiterado e com evidente intuito de desprestigiá-los perante outros servidores, a ponto de causar-lhes consideráveis constrangimentos psíquicos, o assédio moral resta caracterizado. E, no caso, foi justamente isso o que ocorreu”, diz a sentença.
A magistrada considerou ainda que o professor teve a sua saúde agravada pelas represálias a que estava sendo submetido no local de trabalho. Esion relata ter sido diagnosticado com sintomas da síndrome de burnout e que foi obrigado a se afastar da sala de aula por 45 dias para tratar da sua saúde.
A indenização foi fixada em R$ 8 mil. Apesar de considerar que o valor é incapaz de recuperar os danos causados à sua saúde, o professor considera a decisão uma vitória importante para a categoria e para a luta contra as escolas cívico-militares.
“Isso confirma aquilo que a gente já defendia no passado, que essas escolas servem para perseguição, para repressão da categoria, da liberdade de ensinar e de aprender”, diz, destacando que contou com o apoio de vários colegas como testemunhas dos abusos cometidos pelo militar aposentado. “Então não foi só uma resposta individual, mas uma resposta de conjunto.”
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Abusos e violações de direitos
Essa condenação do Estado do Paraná por assédio moral e perseguição contra professor em um colégio cívico-militar coincide com uma explosão de denúncias de abusos e violação de direitos em escolas que migraram para esse modelo de ensino implantado pela gestão Ratinho Jr..
A decisão também ocorre dias após o avanço da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6791, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), contra a lei estadual que institui o Programa Colégios Cívico-Militares (Pecim) em escolas públicas da rede estadual do Paraná.
A ADI 6791 foi protocolada em 2021, mas estava parada. Na semana passada, o ministro relator da ação, Dias Toffoli, acatou um pedido para aditamento da ação, acolhendo o argumento de que o governo editou novas normas que mantêm o programa. Segundo o ministro, os atos do governo Ratinho Jr. também apresentam indícios de tentativa de prejudicar o julgamento do caso.
“Após renovadas as informações pelos requeridos e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, seja este processo julgado pelo Plenário em caráter definitivo”, despachou Toffoli.
Desde o início deste ano, a APP-Sindicato tem recebido e divulgado uma série de denúncias de abuso e violações de direitos das crianças e adolescentes em escolas cívico-militares no Paraná. Os casos foram relatados por mães, pais e estudantes. Monitores militares são acusados de situações como racismo e exposição dos(as) estudantes a punições, constrangimento e condições vexatórias.
Um militar coagiu um estudante negro a cortar o cabelo no padrão militar para não ser confundido com bandido. Em outra escola, uma mãe de adolescente negro relata que o medo passou a fazer parte da sua rotina porque teme seu filho negro ser punido por usar cabelo afro e brinco.
O pai de um menino, que também tem o cabelo grande, procurou o Ministério Público para denunciar atitudes de monitores militares. Segundo ele, as “crianças estão sendo punidas e castigadas”. Em Apucarana, estudantes são proibidos de ser quem são e até o boné, símbolo da cidade, é criminalizado no ambiente escolar.
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Inconstitucional
O Programa de Escolas Cívico-Militares (Pecim) foi adotado em cerca de 200 escolas estaduais no primeiro mandato do governo Ratinho Jr. Até hoje, não há notícia de resultados positivos, mas o estado já conta com 312 estabelecimentos nesta modalidade.
A iniciativa não destina qualquer recurso a mais para as escolas. Pelo contrário, retira recursos do Estado para pagar uma generosa gratificação a militares aposentados(as). O valor é R$ 5,5 mil, maior do que o piso dos(as) professores(as) e o suficiente para pagar o salário básico de quatro funcionários(as) (Agentes I). É o maior cabide de emprego para militares aposentados(as) do Brasil.
Um dos argumentos utilizados por defensores do modelo é o fato da mudança ser precedida por uma votação com a participação de integrantes da comunidade escolar. Mas, além das inúmeras irregularidades que colocam em xeque a legitimidade da consulta, a vedação ao suposto processo de escolha está na Constituição.
É o que explica a especialista em educação e integrante da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos, em entrevista concedida à reportagem da APP-Sindicato sobre os perigos, violações de direitos e ilegalidades das escolas cívico-militares. Pais, mães, educadores(as) e estudantes não têm direito a voto para militarizar escolas públicas. A proibição está na Constituição.
“A comunidade escolar não pode escolher militarizar ou não a escola, porque ela não é legislativa. Ora, não existe essa modalidade legalmente. Como é que a comunidade pode sair decidindo coisas que não estão previstas na lei?”, diz, lembrando também que estados e municípios não podem criar leis sobre o sistema de educação, pois o tema é de competência exclusiva da União.
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Retrocesso
Com vários escândalos denunciados em todo país, esse modelo de gestão escolar se notabilizou por graves episódios de violência contra menores, abuso de autoridade e corrosão da gestão democrática. Trata-se de um modelo falido, ultrapassado e cuja única sustentação é ideológica.
Além disso, nas escolas militarizadas o governo encerra a oferta do ensino noturno, da Educação de Jovens e Adultos e dos cursos técnicos, prejudicando milhares de estudantes e adultos que trabalham durante o dia ou que não terminaram os estudos na idade certa. Outro agravante é o fato de que a direção deixa de ser eleita pela comunidade e passa a ser indicada pelo governo.
Anunciados pelo governo Ratinho Jr. como se fossem uma fórmula mágica para melhoria da educação, todos os colégios cívico-militares implantados na rede estadual apresentam resultados no Ideb inferiores ao de dezenas de escolas com gestão democrática.
Um levantamento da APP-Sindicato com dados do Ideb 2021, divulgados pelo Ministério da Educação, mostra que, das 30 escolas com maior nota no ensino médio, nenhuma é cívico-militar.
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