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A Educação marcou forte presença na Jornada Latino-Americana e Caribenha de Integração dos Povos, encerrada no sábado (24) em Foz do Iguaçu. A APP participou ativamente da Jornada, com a presença de dirigentes e sindicalizados(as). A militarização de escolas públicas foi um dos temas em debate.
“Uma iniciativa como a realização da Jornada nos faz refletir sobre a conjuntura que afeta todos os trabalhadores(as) e reconhecer o papel crucial da educação nesse contexto. Com isso, tivemos um ato contra a militarização de escolas e manifestações de estudantes contrários à reforma do Ensino Médio”, diz Daniel Matoso, secretário de Comunicação da APP, que participou do evento.
As ameaças aos direitos da população, especialmente na educação, uniram os(as) trabalhadores(as) na Jornada. “A educação está enfrentando ataques neoliberais, assim como diversas outras categorias de trabalhadores em todo o mundo, e isso não é diferente nos países da América Latina e do Caribe”, analisa Matoso.
“Estes ataques incluem a terceirização de trabalhadores, a erosão da autonomia pedagógica e da gestão democrática, além da militarização de escolas”, explica o dirigente. “Também vivenciamos a reforma do ensino médio, resultando no esvaziamento de conteúdos científicos no currículo. Esse cenário se agrava com a imposição do uso de plataformas digitais, que causa o adoecimento dos(as) professores(as)”, afirma.
Segundo Matoso, a importância da participação dos trabalhadores em educação na Jornada não se limitou a auxiliar na organização bem-sucedida das caravanas e do evento em si, mas também foi um momento de formação política para a resistência do conjunto da classe trabalhadora.
Base
Além de dirigentes, participaram da Jornada também educadores(as) da base da APP, como Ana Eduarda, professora do Fundamental 2 e do Ensino Médio. “Sou da educação do Paraná e estar aqui é um momento muito rico, com uma diversidade grande de povos com que até então eu não tinha contato. É um momento especial que depois levaremos de alguma forma para a sala de aula. Isso é o mais interessante”, afirma.
Descobrir similaridades e lutar juntos em solidariedade é um alívio para momentos de crise como o que vivemos, aponta Ana Eduarda. “É a hora que a gente tem para dividir as mesmas angústias, pois às vezes a gente se sente perdido com os problemas, mas eles não são tão isolados assim. Se somos latinos e caribenhos, estamos dividindo os mesmos problemas de povos que foram explorados”, diz.
CNTE
“As reivindicações por políticas públicas que atendam todas as pessoas, as lutas sindicais e sociais, são internacionais. Daí a importância de toda a direção executiva da CNTE e suas entidades filiadas estarem participando da Jornada”, disse o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo.
A secretária Jurídica da APP e vice-presidenta da CNT, Marlei Fernandes, integrou a mesa de articulações sobre a “Ofensiva aos Direitos Sociais: Precarização e Destruição do Trabalho, Privatização da Educação e da Saúde.”
Escola pública
Os debates na Jornada foram marcados pela defesa da educação pública.
A Internacional da Educação colocou cinco temas de luta: a defesa do direito ao trabalho, contrariando a concepção do trabalhador neoliberal autoempregado; a defesa de um currículo escolar com conteúdos relevantes sobre a América Latina; acompanhar empréstimos para financiar reformas que debilitam o direito à educação; defesa do direito à educação pública; e defesa do direito à educação superior com universidades públicas.
“Está claro que não são reivindicações fáceis. Mas os movimentos precisam ver também como a agenda dos sindicatos e todas as nossas pesquisas são importantes para eles, para terem unidade para defender a educação pública”, disse Gabriela Bonilha, professora e dirigente da Internacional da Educação.
A Jornada foi organizada pela ALBA Movimientos, Assembleia Internacional dos Povos (AIP), Confederação Sindical das Américas (CSA), Organização Continental Latino-americana e Caribenha de Estudantes (Oclae), Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo, universidades Unioeste e UNILA.
Carta aos Povos
A Jornada aprovou a “Carta aos Povos pela Integração da América Latina e Caribe”, com a síntese das discussões e apontamentos para o avanço da integração A Jornada teve início na quinta-feira (22) e terminou no sábado (24). Cerca de 4 mil pessoas de mais de 20 países participam do evento.
A Carta insta governos a devolverem os territórios de ocupação tradicional dos povos e propõe que a Itaipu Binacional implemente um programa de reparação aos Avá Guarani dos dois lados da barragem (Brasil e Paraguai).
“Companheiros e companheiras, hoje saímos fortalecidos dessa Jornada, nossas esperanças se levantam, porque, se nosso caminho é de luta e unidade, nosso horizonte é de vitória. É o de um continente livre, justo e soberano”, diz a Carta.
Leia a seguir a íntegra do documento.
Foz do Iguaçu, 23 de fevereiro de 2023
Jornada Latino-americana e Caribenha de Integração dos Povos
Carta aos povos pela integração da América Latina e do Caribe
Nós, os povos do mundo, estamos passando por uma crise estrutural global do sistema capitalista, cujos resultados são imprevisíveis. Esse é um produto do próprio desdobramento do capitalismo em sua fase neoliberal, que ameaça os diferentes aspectos da sustentabilidade da vida. Como povos, estamos sofrendo uma crise sistêmica que se manifesta nas crises alimentar, ambiental, social e econômica sem precedentes na história da humanidade. A precariedade de nossos empregos e a falta de acesso aos direitos básicos para uma vida digna colocaram centenas de milhões de pessoas em uma situação de “sobrevivência” diária em que a migração se torna uma necessidade angustiante para milhões. Em nossos territórios, sofremos as consequências dos crimes ambientais produzidos pelas corporações transnacionais em um contexto de crise dos Estados nacionais, onde o capital financeiro internacional se impõe. Estamos passando por uma profunda crise de valores em que nossas sociedades e povos são cada vez mais guiados por aspirações individualistas e consumistas.
A crescente disputa geopolítica reforçou a face mais bélica do imperialismo estadunidense e de seus aliados da OTAN, colocando-nos cada vez mais em risco de um conflito armado sem precedentes. A guerra na Ucrânia é uma consequência disso, assim como o genocídio que está sendo cometido pelo Estado de Israel contra o Povo Palestino.
A partir da Jornada Latino-americana e Caribenha de Integração dos Povos, reafirmamos nossa solidariedade internacionalista e a defesa da causa palestina. A comunidade internacional deve atender ao apelo dos povos por um cessar-fogo imediato e pela criação de um Estado palestino soberano e livre.
Expressamos nosso total apoio e solidariedade ao presidente Lula na denúncia do genocídio na Palestina. Se Lula é persona non grata, o povo latino-americano é persona non grata para Israel.
Viva o povoo palestino! Viva o presidente Lula!
Os povos da “Nuestra América” (Nossa América) tiveram de viver em permanente resistência às estratégias imperialistas de dominação reorganizadas pelo grande capital. Nesse caminho de resistência, nossos povos e suas organizações puderam dar passos fundamentais para avançar em nosso projeto histórico de integração de nossos povos. Somos filhos e filhas da resistência ao colonialismo racista, aos processos de ditaduras militares em nossa região, filhos e filhas da resistência popular e das rebeliões contra a onda neoliberal do final do século passado. Filhos e filhas da construção do “Não à ALCA”. Crescemos sob o farol e a resistência heróica da revolução cubana e estávamos em Mar del Plata gritando “ALCA, ALCA carajo!”, junto com o Comandante Chávez.
Hoje nos reunimos novamente porque o desafio da unidade de nossos povos e de suas organizações é fundamental para deter uma extrema-direita que quer destruir nossas soberanias nacionais e populares para colocar nossos países a serviço do capital financeiro internacional e de suas corporações transnacionais. Também nos unimos para construir NOSSO projeto de integração soberana baseado na solidariedade e na complementaridade entre nossos povos.
A solidariedade é um pilar fundamental de nossa integração, por isso devemos reafirmar nossa solidariedade com Cuba, Venezuela e suas revoluções como bandeiras fundamentais de nosso processo. Reafirmamos nosso compromisso de continuar trabalhando na campanha internacional “Cuba Vive e Resiste!” para retirar a ilha da lista de países que patrocinam o terrorismo, assim como continuaremos denunciando o bloqueio genocida imposto ao povo cubano há mais de 60 anos. Denunciamos que o imperialismo está reorganizando uma campanha para deslegitimar o processo democrático que está sendo construído pelo povo venezuelano e sua revolução bolivariana e nos comprometemos a fortalecer nossa solidariedade denunciando as medidas coercitivas unilaterais impostas a esse país pelos Estados Unidos.
Viva a Revolução Cubana! Viva a Revolução Bolivariana!
O fortalecimento da solidariedade com o Haiti é uma tarefa permanente. Condenamos a perversa e criminosa dominação neocolonial no Haiti e nos comprometemos a desenvolver uma solidariedade plena e ativa com o povo e os movimentos populares haitianos. Endossamos sua oposição a uma intervenção militar controlada pelos Estados Unidos e inserida na agenda de dominação imperial da região do Caribe. Exigimos reparação pelos crimes cometidos contra o povo haitiano por sucessivas forças de paz da ONU, como a MINUSTAH, que agravaram a crise estrutural daquela sociedade e vergonhosamente se aliaram a forças de extrema direita totalmente submetidas à vontade dos Estados Unidos. Até hoje, o povo haitiano continua resistindo heroicamente às investidas do imperialismo por ter feito a primeira revolução em nossa região, abrindo os caminhos revolucionários em nosso continente.
Viva o povo haitiano!
Apoiamos e defendemos a autonomia dos povos indígenas das Américas, suas culturas e seus modos de vida. Instamos os governos a devolver os territórios de ocupação tradicional dos povos, bem como a Itaipu Binacional a implementar um programa de reparação aos Avá Guarani de ambos os lados da barragem (Brasil e Paraguai), pelas violações de direitos cometidas desde sua construção na década de 1970.
Nossa integração regional deve assumir a descolonização do poder e da cultura e construir um contrapoder de baixo para cima, a partir dos povos e territórios, com base no respeito aos processos históricos, à memória, à ancestralidade, aos corpos diversos e rebeldes. Devemos construir e posicionar uma narrativa contra-hegemônica baseada na reciprocidade, na complementaridade, na coletividade e na consciência de sermos natureza.
Nós, os movimentos populares e as organizações sindicais, viemos trabalhando e exigindo que a integração regional responda às necessidades concretas da população e também leve em conta a ideia de que não será possível superar as limitações econômicas e sociais dos países de forma isolada. Essas premissas estão associadas à geração de condições de vida e trabalho para toda a população e que essa deve ser uma condição estrutural do modelo de desenvolvimento sustentável. Uma integração que recupera o trabalho e o emprego como fatos econômicos que estão na base da produção e reprodução da vida, da criação de riqueza e bem-estar, onde o “que” e “como” produzir estão no centro, onde as mulheres são respeitadas como protagonistas da economia e portadoras de direitos.
Nossa integração regional deve assumir o direito dos povos de definir suas próprias estratégias políticas e sistemas agroecológicos e justos de produção, distribuição e consumo de alimentos, com base na produção camponesa e em pequena escala, reconhecendo o papel central das mulheres. Esse é um pilar fundamental na luta contra as crises climática, de biodiversidade, hídrica e alimentar. A integração regional também deve responder à construção coletiva de uma transição justa, popular e feminista. Essa é uma aposta essencial na disputa de transições urgentes e necessárias para o processo de transformação das sociedades e a construção de um projeto político popular emancipatório.
Uma característica estrutural de nosso projeto é a integração de uma perspectiva feminista e diversa que reconhece e reafirma o papel central das mulheres como sujeitos políticos. Ele também exige a realização do direito das mulheres ao território, à terra e aos meios de produção para garantir sua autonomia econômica, seus corpos e suas vidas. Outro elemento fundamental é a remuneração justa por seu trabalho e o desenvolvimento de sistemas diversificados e justos de produção, distribuição e consumo de bens.
Um projeto de integração deve defender que todas as pessoas têm o direito de migrar ou não migrar e de retornar aos seus países de origem. A migração é um fenômeno econômico, social, cultural e político que faz parte dos processos de formação de sociedades e nações. É necessário erradicar a criminalização da migração e incentivar os migrantes a se integrarem econômica, social, cultural e politicamente em seus países de acolhimento. Rejeitamos a xenofobia e os discursos de ódio contra migrantes, refugiados e solicitantes de asilo.
Estamos vivendo um momento histórico em nosso continente e no mundo. Hoje, reunidos aqui, milhares de companheiros de movimentos populares e organizações sindicais da região, reafirmamos que estamos vivendo um momento histórico:
Nosso compromisso de trabalho e luta para promover nossos sonhos e esperanças de um continente unido, defendendo e construindo territórios soberanos e livres onde nós, os trabalhadores e trabalhadoras, possamos viver felizes e com dignidade.
Continuaremos a nos mobilizar em todo o continente em defesa de nossos direitos e pela justiça ambiental, social, econômica e de gênero ao longo do ano: dias 2 e 8 de março, 17 de abril, 1º de maio, 5 de junho e 16 de outubro são algumas das datas em que tomaremos as ruas em unidade.
Convocarmos e reunirmos novamente todas as nossas organizações e povos para realizar uma grande Cúpula dos Povos no âmbito da COP 30 no próximo ano, em Belém do Pará, Brasil.
Companheiros e companheiras, hoje saímos fortalecidos dessa Jornada, nossas esperanças se levantam, porque, se nosso caminho é de luta e unidade, nosso horizonte é de vitória. É o de um continente livre, justo e soberano.
Viva a integração dos nossos povos!
Viva a América Latina e o Caribe unidos!
Viveremos e venceremos!