Apesar dos importantes avanços na conquista de direitos das pessoas LGBTQIA+ registrados nas últimas décadas, as mulheres lésbicas ainda sofrem com diversas formas de violência. Uma delas é a invisibilidade, um fenômeno sustentado por diversas ideias discriminatórias que estruturam a sociedade, como o machismo e o patriarcado.
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A doutora e mestra em Direitos Humanos e Democracia, Andressa Regina Bissolotti dos Santos, explica que historicamente a sociedade promove um apagamento das relações entre mulheres como experiências que existem, que são viáveis. Ela cita como exemplo o fato de que a história da homossexualidade é contada ao longo do tempo tendo como referência apenas as práticas masculinas, desconsiderando as relações lésbicas.
“Não são os sujeitos que são invisíveis. É essa vivência que é apagada enquanto uma vivência possível, que passa a ser significada como algo que sequer existe, e que, portanto, não aparece. Não aparece na cultura, não aparece na história”, explica, acrescentando que, de maneira geral, as experiências femininas são desconsideradas e consideradas inferiores ou menos importantes não apenas no campo das lesbianidades.
A especialista destaca também as consequências do fato da sociedade se organizar como se a heterossexualidade fosse a única forma possível de vivência dos afetos, da identidade, das subjetividades. Segundo ela, a ideia de que a existência da mulher estaria condicionada aos papeis de cuidado, ter filhos e de estabelecer uma relação afetiva e sexual com o homem, desencadeia uma série de agressões que vão além da invisibilidade.
“Na área da saúde, por exemplo, as mulheres lésbicas tem a sua vivência sexual desconsiderada a ponto de, eventualmente, não serem realizados exames preventivos, como o chamado Papanicolau, para análise da saúde do colo do útero, porque se entende que uma mulher lésbica é uma mulher que não é sexualmente ativa, independentemente de quantas parceiras ela se relacione, de ela ter uma vida sexual ativa, porque a sociedade apaga essa forma de vivência da sexualidade como uma forma existente e real,” comenta.
A negação de acesso a políticas públicas não é o único problema. Andressa chama a atenção para as violências morais, psicológicas e até físicas e sexuais, como o estupro corretivo, uma forma extrema de violência contra as lésbicas, que tem como motivação a ideia de uma suposta correção do comportamento sexual da vítima.
Segundo a especialista, que também é advogada com atuação na área de direitos humanos de mulheres e pessoas LGBTQIA+, muitos crimes são marcados com requinte de crueldade, em que muitas vezes os elementos femininos são atacados e os corpos desfigurados. “São crimes que surgem com uma brutalidade bastante fora do comum, porque não se trata nesses casos de eliminar concretamente aquela pessoa, mas de uma afirmação simbólica de eliminação daquela possibilidade de forma de vida”.
A advogada explica que os crimes podem ser enquadrados de diversas formas no Código Penal, como injúria, lesão corporal e feminicídio, dependendo de cada caso, podendo ter agravantes na penalidade, especialmente quando a motivação é relacionada com ódio ao gênero ou orientação sexual da vítima ou envolvendo atos de crueldade.
“A gente tem hoje a partir da decisão do STF de que a lgbtfobia, que inclui a lesbofobia, se enquadra no conceito jurídico de racismo. Então o ódio coletivo contra lésbicas ou discriminações concretas, como a negação de oportunidade de emprego de acesso a determinados espaços, também se enquadram nessa lei”, complementa.
Outra possibilidade, afirma a advogada, é a responsabilização do agressor na esfera cível, requerendo o pagamento de uma indenização através de um procedimento que não é completamente vinculado ao processo penal.
Em todos os casos de violações, a recomendação da especialista é para que as vítimas busquem apoio primeiramente, seja de uma pessoa de sua confiança, de instituições como a Defensoria Pública, Ministério Público, OAB, e ou organizações da sociedade que atuam na defesa de direitos humanos das lésbicas e ou das pessoas LGBTQIA+.
“A gente sabe que os processos são sofridos, que eles nem sempre resultam no reconhecimento, no acolhimento que a vítima precisa receber naquele momento. Mas denunciar é importante, inclusive para combater a invisibilidade.
“A escola é um ambiente muito hostil para as pessoas LGBT”
Professora aposentada, casada há 10 anos com uma mulher, a presidenta do Núcleo Sindical da APP-Sindicato em Cornélio Procópio, Helena Batista, conta que não se recorda de ter sofrido violências lgbtifóbicas, justamente por ter assumido sua orientação sexual em um período recente, onde há uma maior aceitação das relações entre pessoas do mesmo sexo por parte da sociedade.
Apesar disso, conta que acompanhou, como professora da Educação de Jovens e Adultos, histórias de muitos jovens e adultos LGBTQIA+ que não conseguiram concluir os estudos na idade regular devido ao preconceito e as dificuldades enfrentadas no ambiente da escola regular. Por isso, afirma que trabalhar o tema do respeito à diversidade nas escolas é fundamental no processo de mudança desta realidade.
“Nós temos que trabalhar na escola a importância de cada ser e a aceitação do diferente. A escola não pode deixar que pessoas tenham tanto sofrimento por ser diferente. E nós sabemos que muitos alunos, muitas alunas, principalmente, são discriminados. A maior discriminação é na família e depois na escola, que é um ambiente muito hostil para as pessoas LGBT. Então, nós temos que trabalhar muito, conversar. Esse tema precisa ser trabalhado na escola”.
Helena também defende que toda a sociedade precisa se envolver nesta causa. “Nós temos que assumir e ter esse apoio entre a comunidade, porque se mexe com uma mulher, mexe com todas as mulheres. Se mexe com um LGBT, uma lésbica, mexe com todas as mulheres. Então mesmo que eu não tenha tido todas essas questões de preconceito, nós temos que estar sempre atentos e ter essa sororidade com todas mulheres.”
Dia nacional de luta
Neste ano, uma iniciativa do movimento lésbico criada para pautar a superação da violência e reivindicar os direitos humanos dessas pessoas está completando 28 anos. É a instituição do Dia Nacional da Visibiliadade Lésbica, celebrado anualmente no dia 29 de agosto, data em que em 1996 aconteceu o 1º Seminário Nacional de Lésbicas, na cidade do Rio de Janeiro.
Segundo Andressa, trata-se da principal data comemorativa do movimento LGBTQIA+ dedicada às pautas do movimento lésbico. Para a professora Helena, é uma oportunidade relevante para mostrar que as mulheres lésbicas existem e têm sua forma própria de amar.
“Nós temos que dizer que nós somos LGBT, nós somos lésbicas, nós somos família, nós existimos. Temos que aparecer na mídia, sim, porque nós existimos e vamos dar visibilidade a esse nosso jeito de amar, porque não é diferente, é só mais uma forma de amar. O amor é amor em qualquer lugar”, declara.
Secretária da Mulher Trabalhadora e dos Direitos LGBTI+ da APP-Sindicato, Taís Adams comenta que a APP é uma instituição comprometida com os direitos humanos e que, por isso, apoia e promove iniciativas que defendem uma sociedade sem discriminação e preconceitos. A dirigente ressalta ainda que as mulheres merecem especial atenção, pois são a maioria da categoria dos(as) profissionais da educação.
“É importante ressaltar que as pautas das lésbicas exigem de toda a sociedade muitas reflexões e transformações para mudar ideias ultrapassadas, como as que consideram como válidas apenas as narrativas e existências que têm os homens como figura central. Nós, mulheres, somos maioria da população, maioria dos trabalhadores das escolas. Nós existimos, somos diversas e tudo isso precisa ser respeitado”, afirma.
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