Turmas com mais de 40 alunos(as) dividindo 20 computadores, conexão de má qualidade e deficiências estruturais graves acirram os desafios enfrentados por professores(as) diante da imposição de plataformas educacionais no Paraná. Há um abismo entre o que o governo cobra e as condições de trabalho ofertadas.
Questionados(as), 72,3% dos(as) educadores(as) afirmam que suas escolas não têm equipamentos em quantidade suficiente no laboratório de informática para atender às metas de uso estabelecidas pela Secretaria da Educação. Já 70,7% dizem que a qualidade da conexão e o acesso à Internet não são adequados para cumprir as exigências.
Os dados são da pesquisa “Plataformização da Educação”, realizada pela APP-Sindicato e o Instituto IPO em julho deste ano.
Sobram cobranças, falta estrutura
Apesar dos investimentos robustos para equipar escolas com “educatrons”, laboratórios e todo tipo de dispositivos digitais, o Estado não assegurou as condições de trabalho adequadas para a categoria e há uma grande disparidade entre as escolas da rede. O quadro é agravado pela exclusão de estudantes que carecem de recursos próprios para realizar as tarefas fora do ambiente escolar.
Segundo 81% dos(as) educadores(as), os(as) alunos(as) utilizam dispositivos digitais particulares para cumprir as exigências quanto ao uso de plataformas. Mas o caráter diverso das condições socioeconômicas dos(as) estudantes torna inevitável a desigualdade de acesso.

Em redes sociais como o tiktok, são inúmeras as reclamações de alunos(as). Com vídeos e comentários, as publicações mais se assemelham a pedidos de socorro.

Os relatos coletados na pesquisa também apontam para uma relação entre as carências estruturais, a sobrecarga e o adoecimento da categoria na esteira da intensa digitalização da rotina de trabalho. A falta de computadores, por exemplo, faz com que educadores(as) trabalhem sob a ameaça permanente de não cumprir as metas impostas pela Secretaria da Educação.
Solucionar as carências estruturais não basta
No cerne do problema está a imposição de metas e a obrigatoriedade de uso, que atentam contra a autonomia pedagógica e mantêm a comunidade escolar refém das plataformas. “Ainda que as carências estruturais fossem superadas, os problemas permaneceriam. Enquanto a centralidade da escola for o uso de tecnologias e atingir índices, e não o aprendizado, a sobrecarga e o adoecimento vão continuar”, avalia Margleyse dos Santos, secretária executiva Educacional da APP-Sindicato.
O Sindicato defende a adoção de tecnologias como ferramentas de apoio ao trabalho docente. As plataformas devem servir à educação, não o contrário. A posição está alinhada às recomendações do relatório no relatório “Tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?”, publicado pela Unesco, que aponta prejuízos à aprendizagem advindos do uso excessivo de tecnologias na sala de aula.
De acordo com o órgão da ONU, a tecnologia sozinha não garante bons resultados. No Peru, por exemplo, mais de 1 milhão de laptops foram distribuídos sem qualquer impacto na aprendizagem. “Em outras palavras, seu uso deve atender aos melhores interesses dos estudantes e complementar uma educação baseada na interação humana. Ela deve ser vista como uma ferramenta a ser usada nesses termos”, diz o relatório.
O caso da Suécia, com recursos exponencialmente maiores para assegurar condições iguais e equipamentos de qualidade a todos(as), é emblemático. Após registrar queda no desempenho de estudantes em provas padronizadas, o país recuou no processo de digitalização e anunciou a volta dos livros. “Estamos em risco de criar uma geração de analfabetos funcionais”, advertiu a ministra da Educação do país, Lotta Edholm.
Se não deu certo na Escandinávia, não há razões para crer que dará certo no Paraná. Assim como a Unesco, a APP defende o uso das tecnologias de forma complementar a uma educação baseada em interação humana, em contraste com o modelo adotado no Paraná, marcado pela imposição, pela vigilância e pelo controle sem qualquer evidência de resultados positivos.
Plataforma Zero
Em protesto contra o uso obrigatório de plataformas e para denunciar o assédio e a pressão no ambiente escolar, a categoria desligará as máquinas no dia 30 de agosto. A greve digital, chamada de Plataforma Zero, foi uma das deliberações da última Assembleia Estadual da APP, realizada no dia 12 de agosto.
“Será um dia sem plataformas, sem preocupações com a qualidade da internet ou com as metas impostas pela Seed. Um dia para exercermos a nossa autonomia pedagógica e fortalecer a interação entre professores(as) e estudantes”, explica Vanda Santana, secretária educacional da APP. “A adesão de toda a categoria é fundamental para demonstrar ao governo e à sociedade a insatisfação com esse modelo”, complementa.
A APP trabalha para abrir debate com a Secretaria da Educação sobre o tema e propor o estabelecimento de uma política que priorize a interação humana e a autonomia, mantendo as tecnologias como ferramentas que auxiliem o trabalho pedagógico e não como instrumentos de controle e substituição do papel dos(as) professores(as).
Em manifesto publicado na Edição Pedagógica do Jornal 30 de Agosto, a APP propõe a regulamentação do tempo de estudo e trabalho diante das telas, a oferta de plataformas públicas, o respeito à autonomia e à gestão democrática como princípios inegociáveis e uma educação universal, diversa, plural e inclusiva, em contraponto à sua determinação por interesses do mercado.
Sobre a pesquisa
A pesquisa “Plataformização da Educação” foi realizada pelo IPO entre os dias 28 de junho e 7 de julho de 2023, com 300 professores(as), pedagogos(as) e diretores(as) da ativa sindicalizados(as) à APP. A amostra é representativa por região do estado, sexo e faixa etária e a abordagem foi conduzida por ligações telefônicas.
O estudo foi contratado pela APP-Sindicato. A Secretaria Educacional da APP trabalhou em conjunto com os(as) cientistas sociais do Instituto para desenvolver o questionário, que incluía perguntas abertas e estimuladas. Para completar as 300 entrevistas, que somaram mais de 100 horas de gravação, cerca de 6 mil educadores(as) foram contatados. A margem de erro é de 5,9% com intervalo de confiança de 95%.
A privatização os riscos à privacidade e à segurança de dados serão temas da próxima reportagem da APP-Sindicato acerca dos resultados da pesquisa. Pesquisadores(as) e veículos de imprensa podem ter acesso a mais detalhamentos entrando em contato com a Secretaria de Comunicação da APP pelo Whatsapp (41) 9249-2328.
:: Acesse a parte III do relatório do IPO sobre a pesquisa “Plataformização da Educação”
:: Acesse a parte II do relatório do IPO sobre a pesquisa “Plataformização da Educação”
:: Acesse a parte I do relatório do IPO sobre a pesquisa “Plataformização da Educação” (sobrecarga e adoecimento)
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