Governo afasta diretor de escola que recebeu certificado Diamante por desempenho no Ideb APP-Sindicato

Governo afasta diretor de escola que recebeu certificado Diamante por desempenho no Ideb

Wilson Cabral de Godoy foi parabenizado pelo trabalho no Colégio Bento Munhoz da Rocha Neto, mas menos de um ano depois foi retirado da direção

A Seed usa supostas insuficiência no cumprimento de metas como justificativa para destituir diretores(as) de escola em todo o Paraná. Mas a sanha meritocrática não resiste sequer à avaliação do índice mais celebrado pelo governo, o Ideb. É o caso de Wilson Cabral de Godoy, afastado da direção do Colégio Estadual Bento Munhoz da Rocha, em Colombo, juntamente com a diretora auxiliar, Raquel Souza de Lima.

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Em 2022 eles(as) receberam do governo do Paraná o certificado “Diamante” pelo excelente resultado no Ideb 2021. O “diploma” parabeniza a comunidade escolar do Bento Munhoz da Rocha Neto pelo índice de 5,9, o melhor do município e 50º do Paraná. Menos de um ano depois, os(as) diretores(as) foram retirados do cargo.

“Com muita dedicação, venceram as dificuldades impostas pela pandemia de Covid19 e ajudaram a fazer do Paraná referência em educação no Brasil”, diz o atestado Diamante, assinado pelo governador Ratinho Jr. (PSD) e o então secretário Renato Feder.

Índices insatisfatórios de frequência e uso de plataformas digitais são os motivos apresentados pelo Núcleo Regional de Educação para destituir Wilson e Raquel. O educador contesta a avaliação. “Alegam que em 2022 ficamos abaixo de 85% de frequência, o que não é verdade, como foi provado no processo. Nossa média anual em 2022 foi de 87%”, afirma.

Wilson relata que em dias de chuva é normal que mais alunos faltem às aulas. “Teve uma semana ou outra durante o ano em que o índice ficou abaixo, 84 ou 83%. Alertei em reuniões com o Núcleo que quando chove na nossa reunião há índice maior de faltas. Mas eles não levaram isso em consideração”, explica.

Outro ponto arrolado pelo NRE é o descumprimento de metas de acesso às plataformas digitais. “O Bento tem apenas um laboratório de informática. Tínhamos um cronograma de atendimento para os professores e alunos, que utilizavam todas as plataformas e realizavam suas atividades”, conta Wilson.

O empenho para organizar o acesso às plataformas com os recursos disponíveis não foi suficiente para o NRE. “O que alegaram no processo é que não atendíamos adequadamente. Ora, um colégio de 950 alunos, com 16 turmas de manhã, outras 16 à tarde, onde tenho que atender todas essas plataformas com um único laboratório, realmente é difícil que acontecesse a regularidade no laboratório que eles queriam”, justifica.

Referência

O Colégio Bento Munhoz da Rocha Neto fica em Colombo, na região dos bairros Jardim Osasco/ e Roça Grande. São 950 alunos matriculados no Ensino Fundamental e Médio. O colégio tem o melhor Ideb da Área Metropolitana Norte.

“Eu, a Raquel e nossa equipe pedagógica fizemos que o Bento saísse de 3,7 para 5,9 no Ideb. Na Área Metropolitana Norte apenas um colégio tem índice igual. Então o colégio é uma referência em educação, como sempre foi em Colombo. No Paraná, com mais de 2,2 mil colégios, nós ocupamos a 50ª colocação. Não importa tanto o ranking, mas sinalizava que nosso trabalho estava sendo feito e estava sendo bem feito”, afirma Wilson.

Os diretores destituídos estavam nos cargos há sete anos. O educador se orgulha da redução dos indicadores de reprovação no colégio que dirigia. “Diminuímos drasticamente e chegamos a 92% de aprovação no regular e 89% no geral, incluindo a EJA”, diz.

Desrespeito

A maneira pela qual o afastamento foi consumado indignou Wilson. Ele relata que em 23 de março foi chamado para uma reunião no NRE e informado de que os processos de destituição seriam arquivados. “Ficamos felizes e comunicamos isso a toda a nossa comunidade”, lembra.

“No dia 20 de abril fomos chamados novamente, eu e a diretoria auxiliar Raquel, e fomos comunicados do nosso afastamento. Foi uma surpresa, pois não esperávamos isso e estávamos cheios de planos”, diz o educador.

Depois disso, Wilson ficou ainda mais surpreso quando soube que destituições foram publicadas no dia 29 de março, uma semana depois da reunião em que foram comunicados do suposto arquivamento do processo de afastamento.

“A impressão que nos deu foi de uma jogada para desmobilizar o colégio contra os afastamentos. No momento em que a gente deu essa trégua eles foram lá e fizeram o afastamento”, afirma.

Wilson conta que, no dia em que souberam das destituições, estudantes se manifestaram no colégio: “Diversos pais estiveram no colégio e assinaram uma ata com quase 300 nomes, foi feito reunião do Conselho Escolar, mobilização da comunidade escolar para mostrar a insatisfação com os afastamentos, mas nada disso os demoveu dessa decisão”.

Perseguições

Para além dos casos de maior visibilidade pública – como o do Colégio Edimar Wright, de Almirante Tamandaré -, ameaças de destituição de diretores(as) de escola têm se multiplicado na rede estadual, prejudicando o desempenho e a saúde dos(as) educadores(as). É o caso do educador A., que concordou em falar sobre sua situação desde que sua identidade seja preservada. Com a voz debilitada e temendo represálias, ele conta que as pressões do Núcleo Regional de Educação se concentram em elevar os níveis de frequência dos estudantes e do uso de plataformas digitais.

Convocações para reuniões em cima da hora e cobranças intermináveis têm prejudicado a saúde do diretor. “Minha imunidade baixou bastante, estou bem fragilizado com isso, minha garganta não está legal, estou me sentindo acuado, pois a cada momento alguém do Núcleo vem e me cobra, por ordens de cima”, relata.

O educador está há 14 anos na direção da escola. “Se o meu trabalho fosse ruim, não teria ficado tanto tempo”, afirma. “Me sinto muito atingido com tudo isso e sei que tem outros diretores na mesma situação. A pressão está extremamente grande em cima de todos nós”, completa.

Estresse contínuo

O diretor considera que sua destituição é questão de tempo, o que gera estresse contínuo. “O pessoal do Núcleo Regional vem mostrando que isto está próximo de acontecer. Então a gente vai tentar dormir pensando na notícia que vamos receber amanhã”, conta.

As pressões da Seed se concentram nos índices de frequência dos estudantes, segundo relata o diretor. A cobrança para reduzir faltas acaba favorecendo a exclusão de estudantes, pois as escolas são induzidas a fechar cursos noturnos, por exemplo, para melhorar seus índices.

A escola de A. mantém os cursos noturnos e tem dificuldades de manter níveis ideais de frequência, pois muitos alunos precisam trabalhar e faltam às aulas. É uma situação que independe da atuação dos(as) diretores(as), mas eles são cobrados duramente pela Seed.

O diretor relata que se sentiu exposto publicamente quando, em reunião no Núcleo Regional, foi cobrado porque o índice de frequência do colégio era de 83.53%, quando o mínimo exigido era 85%. “A diretora do Núcleo Regional disse que minha escola tinha os índices mais baixos, embora haja outras com índices piores”, conta.

Segundo A., a diretora do Núcleo afirmou que vai lutar para se manter no cargo e que cada diretor de escola deve fazer o mesmo, se desdobrando para cumprir as metas impostas.

Ameaças

A pressão e o assédio para cumprir metas impostas são confirmados pela diretora de outra escola da rede pública estadual. “É constante a ameaça de que se a presença não subir seremos destituídos e citam o exemplo de quem foi deposto recentemente”, relata.

Segundo essa diretora, há convocações frequentes e em cima da hora para reuniões nos Núcleos Regionais, quando são cobrados duramente a elevar índices e a fazer cursos de desenvolvimento em liderança. “Além disso, embaixadores de plataformas enviam forms, planilhas e prints toda hora. Não temos paz. É difícil passar tranquilidade para a equipe se a todo momento estamos com a corda no pescoço”, diz.


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