Apesar do crescente movimento da comunidade escolar contra a plataformização, a Secretaria da Educação parece ter dobrado a aposta na imposição de tecnologias educacionais.
Na última semana, escolas de diferentes regiões Paraná receberam orientações para submeterem estudantes a doses extremas de dispositivos digitais.
“Olimpíadas” das plataformas Quizziz e Matific, orientadas para elevar os índices de uso e bater metas, preveem premiações para escolas, professores(as) e estudantes, aprofundando a lógica meritocrática que tem assumido a centralidade da política educacional no estado.
Em Curitiba, cartaz distribuído pelo Núcleo Regional convocando a “OlimQuizziz” chamou atenção pelo erro básico de aplicação da crase. A plataforma Quizziz é uma das mais utilizadas em toda a rede, aplicada em sala de aula e nas tarefas de casa com perguntas e respostas de múltipla escolha.
No instagram, o Núcleo mal esconde que o objetivo é o “aumento da participação dos estudantes”. A preocupação com a aprendizagem é secundarizada, reforçando a percepção da categoria revelada na pesquisa “Plataformização da Educação”. Para 83% dos(as) professores(as), o uso intensivo de plataformas não melhorou o aprendizado dos(as) estudantes.
Já em Maringá, o formato de gincana é adotado para elevar os índices de uso da plataforma Matific. Professores(as) de uma escola da cidade relataram à APP que a orientação chegou em cima da hora, obrigando os(as) profissionais a suspenderem todo o planejamento de aulas na semana.
“A direção apenas informou que os(as) estudantes precisariam usar a plataforma pois haveria premiação para a escola”, conta um educador que não quis se identificar. “Virou o caos, pois temos apenas um laboratório e a plataforma não funciona nos tablets que o governo enviou. Vários conteúdos apresentados no tal desafio sequer constam no planejamento das séries envolvidas”, completa.
Apesar dos investimentos robustos para equipar escolas com “educatrons”, laboratórios e todo tipo de dispositivos digitais, o Estado não assegurou as condições de trabalho adequadas para a categoria e há uma grande disparidade entre as escolas da rede. O quadro é agravado pela exclusão de estudantes que carecem de recursos próprios para realizar as tarefas fora do ambiente escolar.
Turmas com mais de 40 alunos(as) dividindo 20 computadores, conexão de má qualidade e deficiências estruturais graves acirram os desafios enfrentados por professores(as) diante da imposição de plataformas educacionais no Paraná. Há um abismo entre o que o governo cobra e as condições de trabalho ofertadas.
Ainda segundo a pesquisa Plataformização da Educação, 72,3% dos(as) educadores(as) afirmam que suas escolas não têm equipamentos em quantidade suficiente no laboratório de informática para atender às metas de uso estabelecidas pela Secretaria da Educação. Já 70,7% dizem que a qualidade da conexão e o acesso à Internet não são adequados para cumprir as exigências.
O excesso de plataformas associadas a metas e cobranças têm gerado sobrecarga, adoecimento, desigualdades educacionais e graves prejuízos à aprendizagem, reiterando alertas de estudos internacionais e experiências como a da Suécia.
A APP trabalha para abrir debate com a Secretaria da Educação sobre o tema e propor o estabelecimento de uma política que priorize a interação humana e a autonomia, mantendo as tecnologias como ferramentas que auxiliem o trabalho pedagógico e não como instrumentos de controle e substituição do papel dos(as) professores(as).
Em manifesto publicado na Edição Pedagógica do Jornal 30 de Agosto, a APP propõe a regulamentação do tempo de estudo e trabalho diante das telas, a oferta de plataformas públicas, o respeito à autonomia e à gestão democrática como princípios inegociáveis e uma educação universal, diversa, plural e inclusiva, em contraponto à sua determinação por interesses do mercado.
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