Do espetáculo da vida
“Impossível será que melhor vida exista,
enquanto o mundo assim se distribuir:
no palco a estupidez, para ser vista
e a inteligência na plateia a rir.”
(Mario Quintana)
Durante os anos de 1995 a 2011 a grande maioria dos professores e professoras do Paraná tiveram a oportunidade de participar de algum evento de capacitação na Universidade do Professor, em Faxinal do Céu (município de Pinhão). Surgida no governo Lerner, o espaço foi considerado inovador na época, mas, na verdade, era um verdadeiro laboratório das políticas neoliberais para a educação.
Com uma superestrutura, já no primeiro ano de funcionamento, foram quase 20 mil participantes, sendo que por semana, reuniam-se em torno de 900 educadores para uma verdadeira imersão onde eram abordados três grandes vertentes: embasamento conceitual, qualidade de vida e atividade construtiva, com atividades nos três turnos, sem tempo para digerir o que se via por lá.
Na chamada atividade construtiva eram realizadas oficinas que discutiam os problemas das escolas e as possíveis soluções para os mesmos, o único momento em que se abordaram as questões educacionais, de fato. Já a qualidade de vida buscava resgatar o dito ser holístico existente dentro de cada um de nós, havia apresentações culturais, caminhadas, filmes. O embasamento conceitual abordava aspectos ligados à filosofia, sociologia, literatura, arte, uma verdadeira overdose cultural com as presenças constantes de nomes de peso como os escritores Antônio Carlos Villaça, Marina Colasanti, Marco Lucchesi, a atriz Nathalia Timberg e o filósofo Cláudio Ulpiano. Outros artistas e escritores de renome também passaram por lá, tornando tais palestras, que reuniam em torno de mil pessoas a cada vez, momentos altamente cobiçados.
Em Faxinal era tudo muito colorido, tudo muito bonito, a ex-vila de funcionários da Hidrelétrica de Foz do Areia foi totalmente repaginada. Com chalezinhos fofos, muitas flores, bosques, ruas com nomes de poetas, pintores, música erudita no refeitório durante as refeições. Tudo exalava um clima de paz e harmonia, mas, não se engane quem pensa que a ideia de Faxinal era apenas uma imersão cultural para os participantes, seu âmago sempre trabalhou com a meritocracia e a competitividade já que a visão de educação de Arthur Pereira e Oliveira Filho, o mentor e coordenador-geral dos Seminários de Educação Avançada, era de que vivíamos em um sistema educacional esquizofrênico e falido e para melhorar, deveria haver uma estratégia empresarial e a participação individual e ativa de cada um era fundamental. Isso já lá na década de 1990! Sem contar os custos astronômicos à época. Foi o início do pão e circo ofertado à educação pública do Paraná.
Depois, na gestão Requião, a dinâmica da Universidade foi alterada e os debates foram ampliados à comunidade escolar. Houve maior participação de universidades e faculdades tanto públicas quanto privadas do estado e o espaço funcionou até início de 2011, no Governo Beto Richa, quando se optou por capacitações descentralizadas nos NREs.
Mas, por que esse resgate de Faxinal do Céu agora? Porque Foz do Iguaçu parece ter-se tornado a nova Faxinal do Céu. Além de ser um local fascinante, cheio de atrativos, tem sido palco de atividades que retomam o “pão e circo” de outrora.
Recentemente, foi promovido um novo encontro na cidade fronteiriça reunindo em torno de 2.500 pessoas para uma atividade com diretores de escola. Trocaram-se os chalezinhos coloridos de Faxinal pelos quartos do Hotel Rafain e, para surpresa de muitos, uma palestra-show rolou por lá. O cantor, e agora palestrante, Leo apresentou-se para uma plateia que muito o aplaudiu (A chefe do meu NRE estava do meu lado, tive que bater palmas, confidenciou um diretor. Outra: Como estavam me olhando, não tive alternativa, bati palmas.).
Dupla sertaneja, com músicas que falavam de fadas, borboletas, casinhas simplezinhas, estrelas, etc e tal, os irmãos Victor e Leo fizeram sucesso no cenário musical nacional até 2018, quando um escândalo envolvendo agressões físicas à esposa grávida, por parte de Victor (que foi condenado a somente 18 dias de prisão, em regime aberto), ajudou a colocar um ponto final à dupla. Porém, anunciaram o regresso aos palcos em setembro do ano passado e já houve polêmicas nesse retorno.
Nesse meio tempo, Leo Chaves partiu para carreira solo e palestras. Dando uma pesquisada nas atividades do cantor-palestrante, percebe-se que a área educacional tornou-se um dos seus carros chefes. Em 2016, fundou o Instituto Hortense e, segundo o site do mesmo: “nosso trabalho é realizado através de ciclos de conexão e formação presenciais, virtuais, ateliês e acolhimentos pedagógicos, encontros com a família, dentre outros, como lives, seminários, palestras…” Diz o site que o instituto é uma organização sem fins lucrativos, que vive de doações. Além disso, escreveu dois livros, sendo um deles, de autoajuda e que vem alavancando sua nova carreira de palestrante: A grande arte de se reinventar – as 7 habilidades que podem mudar a sua vida (2019).
Conceitos de habilidades, pautados na neurolinguística, desenvolvidos pelo próprio que mostram ao leitor o passo a passo para que a pessoa separe-se daquilo que lhe faz mal e abrace o que lhe faz feliz. Que tal começarmos essa separação pelas plataformas, pelos índices e metas? Depois, do assédio moral e das perseguições por se querer pensar por conta própria?
Essa foi a palestra-show de Foz do Iguaçu? Educação socioemocional, espírito de liderança, motivação para superar os próprios limites, ser seu próprio agente transformador e revolucionar a si mesmo, buscando sempre uma alta performance pessoal, social e profissional. Tudo isso sem depender de agentes externos, é claro! Basta você treinar seu cérebro para receber os estímulos necessários e treinar diariamente as famosas sete habilidades que o cantor aborda: percepção, aceitação, direção, perseverança, conexão, gestão e marca.
Hoje, se formos falar somente de percepção, do que acontece ao nosso redor, veremos quão falaciosa e enganosa é essa retórica-show em nossa educação. Ao se buscar um princípio de meritocracia, rompe-se o princípio da isonomia e se instaura um divisionismo cada vez maior em nossa categoria, cada vez mais fragmentada. Dizer que devemos perseverar é, no mínimo, redundante, pois diariamente, fazemos isso, apesar de não termos direitos básicos respeitados, como nossa data-base ou o piso salarial nacional, por exemplo.
E quanto custam essas pílulas de sabedoria do Leo para os cofres públicos? Ninguém sabe, ninguém viu, mas as informações dão conta que uma palestra dele custa em média de R$80,00 a R$200,00 por pessoa. Lá em Faxinal, na época, o curso semanal custava R$420,00 por pessoa e o piso salarial dos professores era R$300,00/ mês.
Ou seja, use sua percepção e faça as conexões: o dinheiro da educação é farto e abastece somente o bolso de algumas mariposas espertas que sempre voltam para beliscar esse jardim.
Por Cláudia Gruber, professora e secretária executiva de Comunicação da APP-Sindicato.