Falta consciência humana no dia da Consciência Negra

Falta consciência humana no dia da Consciência Negra

Artigo de Cláudia Gruber*

Foto: Arquivo pessoal

Na famosa praia de Copacabana, há um banco. Neste banco, há uma estátua. Estátua de um homem sentado. Pessoas passam e tiram fotos ao lado dele. Quem é mesmo esse homem?

Na famosa Boca Maldita, há um banco de praça. Neste banco de praça, há uma estátua. Estátua de uma mulher sentada. Pessoas passam e tiram fotos ao lado dela. Quem é mesmo essa mulher?

Uma rápida pesquisa no Google com apenas duas palavras: estátua – Copacabana, já nos diz quem é esse homem: Carlos Drummond de Andrade. Um amplo leque de informações sobre o poeta surge à nossa frente e vemos milhares de fotos da estátua, em todos os ângulos.  

Já, quando colocamos: estátua – Boca Maldita, há textos e fotos do Bondinho da XV, da Boca (des) Dentada. Só muito depois, é que aparece uma matéria falando sobre a estátua da mulher sentada. Ela é Enedina Alves Marques, a primeira engenheira (negra) formada na UFPR em 1945. De uma turma de 32 alunos, ela foi a única mulher diplomada. 

Enedina nasceu em 1913, em Curitiba. Filha de uma empregada doméstica, a menina viveu na casa dos patrões (delegado Domingos Nascimento) e teve a oportunidade de ser  alfabetizada na Escola Particular da Professora Luiza e, na sequência, foi para a Escola Normal, ficando lá até 1931, iniciando sua carreira como docente. Mais tarde, cursou pré-Engenharia no Ginásio Paranaense e em 1940 foi aprovada no vestibular para a Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná. Naquela época, os cursos eram pagos, algo como um salário mínimo mensal e Enedina, trabalhando como professora, teve muitas dificuldades para estudar. Além disso, ela era menosprezada e destratada por seus colegas de turma, que se referiam a ela como “professorinha”.  

Naquela época, era um “desconforto” para os demais estudantes terem como colega de turma, uma mulher, ainda por cima, negra. Porém, Enedina superou tais obstáculos e para surpresa de muitos, logo depois de formada, foi trabalhar como auxiliar de engenharia na Secretaria de Estado de Viação e Obras Públicas. Seu trabalho destacou-se e ela foi transferida para o Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica do Paraná.

Sua vida profissional não foi fácil, mas ela era dona de uma personalidade firme e decidida inclusive, criando ao redor de si muitos fatos folclóricos. Até de revólver na cinta ela andava. Tirando tais histórias, Enedina deixou-nos como seu legado o desenvolvimento do Plano Hidrelétrico do Paraná, o projeto da Usina Capivari-Cachoeira no Litoral, a Casa do Estudante Universitário de Curitiba e o Colégio Estadual do Paraná.

Para ter direito a voz e espaço profissional, Enedina precisou sempre ser muito forte e corajosa, enfrentando obstáculos impensáveis e,  mais do que isso, ela sempre estudou muito, sempre buscou se aperfeiçoar para ser a melhor em sua área de atuação pois, sabia que vivia num mundo branco e machista. Mundo este que se perpetua até hoje, em vários aspectos. 

De sua vida pessoal, pouco se sabe. Não casou, não teve filhos. Moradora da região central da cidade, vivia sozinha num apartamento na Ermelino de Leão, onde foi encontrada morta, vítima de um ataque cardíaco no dia 20 de agosto de 1981. Alguns anos depois, virou nome de rua mas, sem grande destaque.

A engenheira ficou por anos esquecida, sendo resgatada sua memória em 2000 quando foi incluída numa listagem de mulheres pioneiras do Paraná. Mas, a visibilidade e uma certa reparação histórica veio mesmo no início deste ano, quando Enedina foi homenageada com uma estátua numa das regiões mais icônicas de Curitiba, a Boca Maldita. Embora uma estátua não represente toda a importância desta mulher para nossa história, já tivemos um primeiro passo de reconhecimento à população negra que ajudou a construir Curitiba e sempre viveu à margem da sociedade, sempre ficou relegada a segundo plano, apesar de sua importante e necessária contribuição para a cidade. 

Em Curitiba, segundo dados do IBGE (2023), 24% das pessoas se autodeclaram negras ou pardas, sendo que no Brasil, de modo geral, esse índice é de 55%. A cidade aparece como a terceira capital mais “branca” do país, revelando o a negação histórica da forte presença de negros na cidade. Pesquisa feita pela Mestra em Geografia (UFPR), Glaucia Pereira, mostra a segregação racial feita historicamente na cidade, relegando às pessoas negras somente espaços periféricos e subempregos.  

Destaca a pesquisadora que há um imaginário coletivo eurocêntrico da cidade que, constantemente, exalta a imigração europeia, seus feitos enquanto desbravadores destas terras e que ajudou a traçar um mapa de desigualdades na cidade. Mapa este novamente observado e analisado na recém eleição municipal. Ficou com curiosidade? Dê uma pesquisada e tire suas conclusões.

 

*Cláudia Gruber
Mestra em Estudos Literários pela UFPR e Secretária Executiva de Comunicação da APP-Sindicato.

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