No momento em que os números da pandemia do coronavírus voltam a aumentar dramaticamente em todo o país, o governo federal e alguns governadores, como João Doria (PSDB), de São Paulo, além de prefeitos, fazem pressão para que as escolas sejam reabertas em 1 de fevereiro. O retorno das aulas presenciais deve representar um risco para a comunidade escolar.
“Uma decisão gravíssima, irresponsável”, resume a Professora Bebel, presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e deputada estadual pelo PT-SP.
“Não faz o menor sentido confinar professores e estudantes em ambientes fechados e mal ventilados, em locais sem a estrutura adequada para a efetivação dos protocolos sanitários, como são as escolas estaduais, justamente no momento em que a pandemia está recrudescendo”, analisa Bebel.
Ela menciona um estudo encomendado pela Apeoesp ao Instituto dos Arquitetos do Brasil – seção São Paulo e ao Dieese, em 2020, que demonstrou que há mais de mil salas de aulas no estado sem condições de funcionamento. Faltam pátios e 82% das escolas não têm mais do que dois banheiros para uso dos alunos.
“Além disso, não devemos considerar apenas o professor e o aluno, mas todo o sistema envolvido. Como garantir que os protocolos sejam seguidos nos meios de transporte ou nas empresas que fornecem alimentação para as escolas, por exemplo?”, questiona.
Na avaliação de Heleno Araujo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), há incoerência nessa postura do governo do estado de São Paulo.
“Quando olhamos para o planejamento da vacina, os trabalhadores e trabalhadoras em Educação estão na quarta fase. Ainda não sabemos quando vai iniciar a vacina, em que mês vai se dar esta quarta fase aos trabalhadores e trabalhadoras em Educação”, diz Araujo, destacando que 60% da categoria pertencem ao grupo de risco da Covid-19.
O presidente da CNTE não entende como determinados governantes podem pressionar, inclusive com ameaça de ir à Justiça, para garantir o retorno das atividades presenciais no início de fevereiro.
“Em São Paulo, o secretário estadual de Educação está disposto a fazer essa briga até na Justiça, contra os municípios que, de forma coerente e pensando na vida e na saúde de todos os segmentos da comunidade escolar e seus familiares, estão colocando que é preciso primeiro cuidar da situação sanitária, de forma plena, para depois se pensar em uma data de retorno às atividades presenciais”, destaca Araujo.
Riscos
Questionado sobre o perigo, em termos de saúde pública, de um retorno precoce das aulas presenciais, o presidente da CNTE afirma: “Nós já ultrapassamos a expectativa de riscos. Está provado que cada vez que há relaxamento no isolamento social, os casos da Covid aumentam”.
“Isso acontece devido aos maus exemplos do presidente da República e de vários governadores, aqueles que resistem, ainda, em se cuidar, em fazer o isolamento social, em usar máscara, em proteger o outro. Isso está comprovado”, acrescenta.
Ele exemplifica: “Houve relaxamento para as eleições, aumentou o número de casos, relaxou para as atividades de Ano-Novo, aumentou o número de casos. Tomar uma atitude que não priorize segurança sanitária plena é garantia de que vão aumentar os casos”.
“A própria realização da prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), agora. Se for mantida, vai aumentar a quantidade de casos e mortes”, destaca.
Araujo lamenta o comportamento da juíza do Tribunal de Justiça, que negou o pedido de adiamento das provas. “Ela disse: ‘Não vou adiar o Enem, porque vai trazer prejuízos financeiros’. O que são prejuízos financeiros diante da vida? Isso nós devemos nos perguntar e colocar para reflexão do nosso povo”, indaga.
Providências
A presidenta da Apeoesp explica que a entidade já ingressou com ação judicial no Tribunal de Justiça de São Paulo contra a volta às aulas presenciais nas atuais condições, anexando pareceres dos epidemiologistas Paulo Lotufo e Hélio Bacha e toda a documentação solicitada pelo juiz da causa.
“Agora, voltaremos a conversar com prefeitos e secretários municipais de Educação. Foi exatamente a falta de condições que fez com que 320 municípios decretassem que as escolas permaneceriam fechadas em 2020. Estou certa de que, se não fosse isso, estaríamos em uma situação parecida com a de Manaus agora”, alerta Bebel.
Já o representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação diz, também, que é preciso usar o espaço da Justiça para impedir a reabertura das escolas.
“No ano passado, nós tivemos uma orientação política dada a todas as nossas entidades filiadas de que, para qualquer perspectiva de retorno às atividades presenciais, era preciso ter 100% das medidas sanitárias aplicadas nas escolas. Não adianta dizer que faltou só uma medida. Se faltar uma, pode contaminar e matar muita gente. Portanto, se houver imposição do poder executivo, vamos à Justiça contestar e defender a vida da nossa categoria e dos demais segmentos da comunidade escolar”, garante Araujo.
Diálogo social
O dirigente insiste que não se pode aceitar imposição de medidas e de ações de membros do poder executivo aos demais segmentos da comunidade escolar.
“Nós exigimos diálogo social, com a participação das entidades representativas dos trabalhadores, dos estudantes, pais, mães e responsáveis, enfim, de todos os envolvidos. É preciso formar uma mesa de diálogo aberta, compondo um processo de construção. Com esse grupo, você tem a possibilidade de exigir do governo federal, através do Ministério da Educação, a formação de grupos técnicos, financiados pelo próprio MEC, indicado por essas entidades”, aponta.
O objetivo da ação, segundo Araujo, é fazer uma avaliação profunda, mais próxima da realidade possível, em municípios ou grupos de municípios. “A partir desse diagnóstico, será aplicada a política educacional que cabe a cada situação. Não dá para ficar de Brasília determinando a política dentro da diversidade que temos em nosso país continental”, reflete.
Evasão
Diante desse cenário, como lidar com a evasão escolar, que aumentou significativamente com as aulas remotas?
A Professora Bebel relata que, no caso do estado de São Paulo, a Secretaria de Educação implementou um processo de ensino remoto sem debater com os profissionais da educação, especialistas e outros segmentos sociais, que poderiam contribuir para um projeto mais adequado às necessidades dos professores e dos estudantes.
“Nós apresentamos oficialmente propostas, mas fomos ignorados. Não assegurou condições de acesso para os estudantes da rede e de trabalho para os professores. Isso teve impacto direto no aumento da evasão”, explica.
Araujo avalia que há uma série de causas que explica a evasão durante este período: falta se equipamento, de conexão, de autonomia nas aulas, ausência de um adulto que ajude a mediar o estudo em casa, por falta de condições adequadas dentro de casa para realizar os estudos.
“É bom sempre lembrar que nós, da educação básica pública, atendemos famílias que vivem na extrema pobreza, que não têm casa e ambiente adequados. Além da evasão das atividades remotas, nos preocupam as matrículas para 2021, que já caíram na rede privada e podem cair, também, na rede pública, pela desistência de estudantes e por falta de condições adequadas para desenvolver essas atividades”, destaca.
Por todas essas razões, o presidente da CNTE defende o diálogo social e a responsabilidade do Ministério da Educação (MEC).
“Em 2020, até setembro, o MEC só tinha colocado em prática 48% do seu orçamento. Foi retirado R$ 1,4 bilhão do ministério para outras pastas. Como é possível garantir equipamento, conexão, ambiente adequado para manter essas atividades remotas?”, indaga,
“A evasão existe pela ausência de políticas coordenadas pelo MEC para cumprir seu papel de dar contribuição técnica e financeira para ajudar estados, municípios e Distrito Federal a manter o vínculo com os estudantes”, finaliza.
Fonte: CNTE (Lucas Vasques, Revista Fórum, 14/01/2021)