O Ministério da Educação deve anunciar em novembro a Política Nacional de Educação da Relação Étnico Racial (Pronerer), visando corrigir a distância entre a letra da Lei 10.639 e a realidade das escolas brasileiras.
A medida foi antecipada pela secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC, Zara Figueiredo, durante audiência pública que debateu no Senado os 20 anos de vigência da lei que determina o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nos ensinos fundamental e médio.
O MEC avalia que há dificuldades na implementação da lei e o governo federal deve ajudar estados e municípios a combaterem o racismo nas escolas. “Nossa proposta tem linhas que tendem a corrigir os problemas de implementação. No desenho do MEC, o que estamos trazendo como arranjo de políticas é para lidar com isso”, disse Zara.
A secretária apresentou resumidamente um programa de quatro pontos fundamentais do Pronerer: coordenação federal, apoio para construção de capacidades estatais nos entes federados, formação de educadores e capacitação de agentes de governança nos municípios.
A coordenação do governo federal será feita sem violar a autonomia de estados e municípios, para dar condições para que possam implementar as políticas determinadas pela Lei 10.639, afirmou Zara Figueiredo.
Um segundo ponto do Pronerer é a construção de capacidades estatais nos entes federados. “Sabemos que 70 a 80% dos municípios brasileiros são pequenos, com até 50 mil moradores, baixa arrecadação, capacidades menores de pensar e implementar políticas. O Pronerer vai construir arranjos dentro das redes municipais que ajudem os professores e gestores a compreender como implementar as políticas”, explicou Zara.
O Pronerer prevê também a formação de educadores(as) para atuar contra o racismo nas escolas. “Uma das características é a oferta diferenciada, a depender da função de cada profissional”, adiantou Zara.
Outra ação prevista é a capacitação de agentes locais de governança para ajudar as redes a incluírem a questão racial na educação básica. “Um ponto fundamental para o MEC é a governança da política. É ela que vai dar conta de expressar todos esses arranjos que dão a possibilidade de a política ser exitosa”, explica Zara.
A intenção é que a indução federal nos municípios ocorra pelo período de dois anos. “Depois de dois anos eles poderão andar com a próprias pernas, mas a União precisa fazer esse movimento”, afirma Zara.
Paraná
Celina do Carmo da Silva Wotcoski, secretária de Promoção de Igualdade Racial e Combate ao Racismo da APP-Sindicato, relembra um provérbio africano: “É preciso de uma aldeia inteira para se educar uma criança. Não adianta uma só pessoa dentro da escola falar sobre a educação antirracista ou falar da Lei 10.639, nós precisamos de uma aldeia inteira, de toda a comunidade escolar unida para educar uma criança”, afirma.
No Paraná, de acordo com os dados de 2021 do Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb), pouco mais da metade das escolas (52,8%), desenvolvem projetos de combate ao racismo.
No país, o número de projetos voltados à diversidade nas escolas começou a cair a partir de 2015, quando o índice havia chegado ao maior patamar no período: 75,6%. Desde então, os números despencaram, coincidindo com o início da escalada de discursos conservadores e de extrema-direita, que culminaram no golpe de 2016 e na eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018.
Números
A Comissão de Direitos Humanos (CDH) debateu o tema “A Lei 10.639/03: Diversidade e Equidade na Educação”. Dados apresentados na audiência pública mostram que 70% das secretarias municipais de educação não fizeram nenhuma ação ou tomaram poucas providências para adotar o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas.
Na pesquisa realizada pelo Instituto Alana e pelo Geledés Instituto da Mulher Negra, em 2022, foram escutados 1.187 gestores das secretarias municipais sobre o cumprimento da lei 10.639/03. Os dados são do Instituto Alana e do Geledés Instituto da Mulher Negra.
“A pergunta que a gente precisa fazer nesse momento, passadas duas décadas, é: o que a gente quer e o que a gente precisa da 10.639? […] Historicamente, na educação, o que nós fazemos é transformar um marco legal numa ferramenta de luta, mesmo quando ela não é implementada na sua integralidade. Temos que fazer da lei uma política de educação do Estado, precisamos avançar para além da política curricular”, afirmou Zara.