Imagine uma escola nada engraçada, com salas que não têm teto nem piso. Janela? Nem pensar. E esta escola não está em nenhum rincão distante do Brasil, mas no interior do Paraná, no município que tem o segundo maior polo industrial do Estado: Ponta Grossa. Esta realidade pode ser facilmente constatada por qualquer visitante que conhecer o Colégio Estadual José Gomes do Amaral (leia, abaixo, o relato sobre algumas escolas). E a indignação destas comunidades escolares, bem como da sociedade, atingiram novos patamares com as notícias sobre a ‘Operação Quadro Negro’ – encabeçada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), órgão do Ministério Público do Paraná -, que investiga o desvio de cerca de R$ 20 milhões que eram destinados a obras de escolas estaduais.
De acordo com depoimentos tomados pelo Gaeco, existiria o envolvimento da alta cúpula da política do Estado no esquema. Em matéria veiculada na edição desta segunda-feira (1º), pelo jornal Gazeta do Povo, foi revelado que o governador Beto Richa assinou termos aditivos a sete dos contratos investigados pela operação. Estes complementos aumentaram em 25% – equivalentes a R$ 5,9 milhões – no total pago à Valor Construtora, empresa acusada de desviar os recursos da Educação. No último jornal 30 de Agosto, a APP-Sindicato apontava que o dinheiro, que deveria ter sido usado na construção e reforma de escolas públicas estaduais, tivesse, de fato, ido parar na na caríssima campanha política do governador reeleito. No total, nove canteiros de obras estão parados, no lugar onde já deveriam funcionar novas escolas.
Dura realidade – Vidros quebrados, paredes descascadas, rodapés soltos e até um telhado envergado. Essa poderia ser a descrição de uma construção antiga, já desgastada pelo uso e pelo tempo, no entanto, é narração sobre como está a nova ala do Colégio Estadual Amâncio Moro, em Curitiba, recém entregue à comunidade escolar pelo governo do Estado. No novo bloco, os(as) estudantes teriam aulas práticas de teatro, aulas de reforço e práticas laboratoriais de química, além de uma cantina com amplo pátio para atividades. Teriam. A obra, pouco depois de inaugurada, está interditada desde meados de julho, quando um aluno do 6º ano escorregou no piso e caiu sobre uma das portas de vidro. “Desde o início das obras observamos que o material usado é de baixa qualidade. O piso não é o apropriado para uma escola. Nós alertamos tanto a Secretaria, quanto a empresa que executou tudo. Mas, infelizmente, nada foi feito”, comenta a diretora do Colégio, professora Willie Anne Martins da Silva Provin ao mencionar que notificou a Secretaria de Estado da Educação (Seed) sobre possíveis irregularidades no processo.
O diretor da Escola Estadual Frei Doroteu de Pádua, em Ponta Grossa, professor Luiz Fernando Ferreira de Lima, também conta um relato triste. “Desde 2007 foram construídas, em caráter emergencial, quatro salas de madeira para atender, provisoriamente, a demanda da nossa escola. A promessa é que em três anos sairiam as salas de alvenaria. Até hoje isto não aconteceu.”, denuncia o diretor da unidade, professor Luiz Fernando Ferreira de Lima. De lá para cá, informa o diretor, são nove anos de calvário. As salas são feitas de placas de madeira, o chão é de tapume e o telhado é de zinco. A instalação elétrica não passa de ‘gambiarras’. “Quando faz frio, é terrível. Mas quando faz calor, é insuportável. Nestes dias, ninguém consegue permanecer nestas salas, as aulas têm que ser ministradas em espaços alternativos, como o pátio ou ginásio. A parte elétrica é perigosa, vivemos recapando os fios. E as paredes, nestes anos todos, já estão cheias de buracos.”, relata. Em todos os anos de funcionamento, as salas improvisadas receberam cerca de 2 mil alunos (média de 250 por ano).
Situação similar ocorre Colégio Estadual José Gomes do Amaral, também de Ponta Grossa. Desde 2014, em pleno ginásio, foi construído um bloco de salas com tapumes, que – à semelhança do poema de Vinícius de Moraes – não têm teto, nem janelas. Quando chove e venta, a água entra na sala e molha todos e tudo. No Verão, segundo o diretor auxiliar, Tercio Alves do Nascimento, a sensação térmica na sala aumenta a ponto de se tornar impossível permanecer no local. A situação é tão ruim, que a escola se recusou a abrir, em 2016, turmas para os sextos anos. “O bairro onde a escola está localizada cresceu muito nos últimos anos, por conta de uma série de habitações construídas através do programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, do governo federal. Como não temos condições de receber esses alunos, que ainda são crianças, eles terão que se descolar para três outras escolas da região. Eles precisarão pagar ônibus ou vãs”, lamenta o diretor.
A situação das duas escolas, e de outras da região, foi tema de audiência pública organizada na Câmara Municipal de Ponta Grossa – com o apoio do Núcleo Sindical da APP de Ponta Grossa -, em novembro de 2015. Além do presidente da APP, professor Hermes Leão, também participaram deputados estaduais que fazem parte da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). Representantes do Núcleo Regional de Educação também participaram do debate. Mas, até agora, a situação não mudou. “Foi publicado um edital autorizando o início de um processo licitatório, em 2014, bem na época da campanha política. Quem intermediou junto ao governo a liberação do recurso, de R$ 1.487.000,00, foi o deputado Plauto Miró. O dinheiro viria das ‘sobra’ dos recursos da Assembleia Legislativa. No entanto, até hoje, o dinheiro não chegou à escola e não temos a menor ideia sobre em que pé está a licitação”, explica Tarso. De acordo com o diretor, a indignação e o desespero tomam conta da comunidade escolar. “Como podemos primar por um ensino de qualidade, no processo de ensino e aprendizagem, quando somos submetidos a condições como estas. O governo nos submete a avaliações, mas não leva em consideração que para alcançar os resultados obtidos, precisamos, também, de uma infraestrutura adequada”, ressalta.
Controle social – A Operação Quadro Negro, que investiga o desvio de quase R$ 20 milhões de obras em escolas do Estado, traz novamente à luz outro problema encontrado no sistema de fiscalização do governo: a ausência de controle social. O controle social está diretamente ligado à ideia de participação da população na gestão pública. É por meio dessa participação que a sociedade pode atuar no controle da administração e dos gastos públicos, na fiscalização de obras e demais ações de interesse público administradas pelo governo. Dessa forma, a população teria o direito não só de escolher seus(as) representantes, mas de acompanhar como está sendo feita essa gestão, vendo de perto e avaliando as tomadas de decisão por parte dos(as) governantes.
Uma maneira de promover esse controle, seria garantir a participação do Conselho Escolar na fiscalização de obras nas escolas. O Conselho – que engloba a direção da escola, os(as) trabalhadores(as) e a comunidade escolar -, está em contato diário com a realidade das escolas, mas não tem nenhum tipo de participação no controle das obras. Esse acompanhamento, em que o Conselho Escolar também seria responsável, teria um importante papel para evitar que a fiscalização das obras fosse feitas apenas por agentes do governo. Mas, atualmente, a escola não tem acesso a nenhum tipo de informação sobre o contrato das obras que estão sendo realizadas em seus espaços.
Um dos instrumentos que contribuiria para esse trabalho, o Portal da Transparência do Estado do Paraná, não gera um relatório completo e acessível para a população com essas informações. Caso existisse a geração desse relatório – com cronograma, valores, datas, materiais, responsáveis pela obra e, especialmente, a quem recorrer se fossem constatados indícios de irregularidades -, seria mais fácil o trabalho daqueles que notam algo, mas não conseguem saber se uma obra está, ou não, demorando mais que o necessário. De acordo com o presidente da APP, professor Hermes Leão, o(a) próprio(a) diretor(as) da escola não tem noção de obras que estão sendo feitas em sua própria unidade. “Quando uma escola recebe um recurso, o diretor de escola não participa do processo, não tem direito de opinar sobre material utilizado, não sabe do cronograma e nem de quando ela deve ficar pronta. Eles só recebem um aviso que a obra está completa e pronto”, explica.
Prevenir ou remediar? Para o subprocurador geral de Justiça do Ministério Público do Paraná, Bruno Sérgio Galatti, os cidadãos devem agir para além do problema da corrupção e passar a atuar na sua prevenção. “Estamos acostumados a ler, ver e até fazer denúncia, que é importante, mas precisamos ir além. Devemos criar uma nova geração compromissada em antecipar estas situações. E isto é possível quando as pessoas se envolvem na gestão da cidade ou município onde elas vivem.”, apontou. O promotor também falou sobre o papel dos(as) educadores(as) na construção desta cidadania e sobre uma nova iniciativa do MP-PR, um projeto que inventiva o lançamento e o aperfeiçoamento dos portais da transparência nos municípios paranaenses.
“Lançamos um projeto, o ‘Transparência nos Municípios’, e queremos envolver as escolas nesta iniciativa. Gostaríamos, por exemplo, que um professor em um enunciado de uma questão de Matemática utilizasse como exemplo números e situações reais da localidade onde vive. Em vez de falar de número de bananas, citasse o número de ambulâncias do município, a quantidade de gasolina gasta, o quanto custa manter estes veículos. Esta seria uma forma de envolver o estudante, de estimulá-lo a acessar o site da prefeitura, do governo do Estado, para se informar sobre a própria realidade. Mas para tanto, é preciso que este educador saiba onde estão as informações. Enfim, é uma forma na qual a categoria, o sindicato, pode ajudar a envolver a sociedade na gestão pública”, analisou Galatti.