Após sete anos à frente da APP, Hermes Leão se despede da presidência do Sindicato.
Leão conduziu as lutas da categoria de junho de 2014 a novembro de 2021, período marcado por intensos enfrentamentos, incluindo o histórico massacre de 29 de abril.
Sua gestão precisou fazer frente a governos, no estado e no país, que orquestraram pesados ataques aos direitos dos(as) trabalhadores(as).
Uma dura quadra da história, com intensificação do desmonte do Estado, cortes de investimentos, retrocessos sociais e avanço da doutrina neoliberal e dos interesses privados sobre a escola pública.
Apesar das bombas e episódios de violência, os(as) educadores(as) do Paraná deram exemplo de resistência, em um esforço contínuo do Sindicato para organizar a categoria e fazer a luta.
Hermes deixa a presidência da APP, mas jamais deixará a luta. Retornará à sala de aula e se dedicará à carreira. Mas a escola, considera, é o espaço fundamental da resistência: “a luta sindical começa no local de trabalho”, afirma.
Nesta entrevista, Leão faz um balanço histórico dos seus dois mandatos, enumera os principais embates que liderou e aponta perspectivas para 2022, deixando uma mensagem de otimismo e esperança. Confira!
APP-Sindicato – Tua gestão foi um dos períodos de luta mais intensa e constante da história da APP, confere?
Hermes Leão – Assumi o primeiro mandato de presidente em junho de 2014, de forma interina. Houve o processo eleitoral e fui para novo mandato (iniciado em outubro de 2014). Já naquele final de ano, após a eleição para governador, Beto Richa enviou um pacotaço que, entre outros pontos, alterava a lei sobre a eleição de diretores(as) de escola. As eleições já estavam em curso, a Seed já tinha feito resolução, as escolas já tinham formado comissões, foi um verdadeiro golpe.
APP-Sindicato – Ali você já viu o que viria pela frente…
Hermes Leão – Ali a gente percebeu que havia uma aliança de um grupo de deputados com o governador, em que eles resolveram fazer uma coisa muito grave do ponto de vista democrático: alterar as regras numa eleição que já estava em curso. Nós fizemos manifestações, pois não podíamos silenciar diante de uma medida grave como alterar as regras com o jogo em pleno andamento. No dia 4 de novembro houve uma violência muito grande, na votação dessa alteração da lei. Nós ficamos confinados na Alep e houve agressão física de colegas nossos, teve gente ferida, teve boletim de ocorrência…
APP-Sindicato – Agressões cometidas por quem?
Hermes Leão – Por policiais e por seguranças da Alep. Foi muito violento aquilo, numa sessão comandada pela então presidente da Alep Valdir Rossoni. Então tivemos esse primeiro embate, que não foi pequeno. Já na sequência estava entrando um pacote de 22 medidas que envolviam toda a sociedade, inclusive com aumento de impostos como o IPVA. Houve manifestação de servidores(as), com bastante apoio da sociedade, muita gente veio junto, mesmo alguns que tinham votado no Beto Richa. Nesse segundo mandato do governador já estava na equipe de transição o Mauro Ricardo, que veio de fora, com um pacote de medidas completamente neoliberais.
APP-Sindicato – Mauro Ricardo acabou assumindo a Secretaria da Fazenda e implantou um arrocho fiscal tremendo…
Hermes Leão – Dezembro de 2014 foi pesado. O pacote tinha medidas que penalizavam os(as) aposentados(as). A Alep transformou o plenário em Comissão Geral para dispensar a tramitação de projetos nas comissões. Era uma herança do tempo da ditadura militar. Fizemos uma pressão enorme, mas o projeto acabou sendo votado. Em março de 2015 conseguimos a retirada do regimento da Comissão Geral, que era um golpe combinado entre o governador e deputados(as). Hoje todos os projetos passam pela discussão de Comissões da ALEP, como deve ser, mas o pedido de urgência na tramitação ainda é um resquício autoritário. Mesmo tramitando nas Comissões, os prazos são acelerados, dificultando o debate público.
APP-Sindicato – Já havia uma tensão também com o atraso nos salários de dezembro dos PSS…
Hermes Leão – Naquele final de ano 2014 havia cerca de 37 mil servidores PSS, 27 mil na educação. Sem qualquer aviso, não veio o salário de dezembro para esses 37 mil PSS. Fizemos manifestação com essa pauta na posse de Beto Richa, em janeiro de 2015. No início de fevereiro eles apresentaram um pacote de alterações dos nossos direitos, destruindo a carreira, acabando com o fundo previdenciário, extinguindo todos os programas educacionais e cancelando a tramitação da nomeação de 1.300 professores(as) e pedagogos(as) concursados(as).
APP-Sindicato – Como foi possível, naquele momento, barrar o pacotaço?
Hermes Leão – Nós barramos porque a gente foi para uma assembleia em Guarapuava, no dia 7 de fevereiro, com cerca de 15 mil pessoas. Uma assembleia de massa. Aprovamos por unanimidade uma greve para o dia 9 de fevereiro, que era o primeiro dia de aula dos(as) estudantes. A categoria inteira entrou em greve e ocupamos a Alep. Com a Alep ocupada, os deputados suspenderam a sessão e quando tentaram retomar no dia 12 de fevereiro, cercamos cada portão e ninguém podia entrar. Foi quando se deu o dia do camburão.
APP-Sindicato – Foi um dos momentos mais vergonhosos de um Legislativo estadual…
Hermes Leão – Os deputados governistas chegaram num camburão, eles serraram as grades da ALEP e entraram para fazer a votação no restaurante, pois os prédios do plenário e dos gabinetes estavam ocupados. Tínhamos umas 20 mil pessoas no Centro Cívico nesse dia. Os deputados e o governo resolveram tirar o projeto no meio dessa sessão. A gente venceu.
APP-Sindicato – Em seguida houve uma mediação do Tribunal de Justiça sobre a greve, certo?
Hermes Leão – O governo judicializou a greve e nós tivemos essa mediação do Tribunal de Justiça, em que 21 pontos foram acordados. Todos os 1.300 professores PSS foram nomeados, suspenderam a tramitação do projeto da Previdência, retomaram os programas e projetos nas escolas. Tivemos uma greve que terminou no dia 6 de março muito vitoriosa. Mas 40 dias depois tivemos que retomar a greve, porque eles voltaram com o projeto da Previdência, um pouco modificado mas tão danoso quanto o anterior. Fomos para a greve novamente e aí gerou o 29 de abril.
APP-Sindicato – Que ficou conhecido como o Massacre de 29 de Abril. Esse foi o episódio mais violento da história da APP?
Hermes Leão – Houve muita gente ferida, com uma repercussão pública muito forte. Teve também uma repercussão muito forte na saúde física e mental da nossa categoria. Até os(as) educadores(as) que não estavam no ato sofreram, ao verem os(as) colegas daquele jeito. A sociedade olhou para aqueles(as) professores(as) feridos(as) e pensou: “Como pode um Estado tratar uma categoria com esse grau de violência?”.
APP-Sindicato – A violência foi tamanha que ultrapassou os limites do Paraná…
Hermes Leão – Nós fizemos uma audiência pública convocada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara e do Senado, no dia 6 de maio, quando foi denunciado o que aconteceu no Paraná.
APP-Sindicato – Teve repercussão internacional também…
Hermes Leão – Teve. Veio a Al Jazeera, que tinha uma equipe na Argentina e deslocou para cá por conta desse episódio. Teve reportagens que saíram na Inglaterra, em Portugal, na Rússia, nos EUA, expondo a questão do Estado neoliberal e os conflitos sociais.
APP-Sindicato – Nesse momento o foco da luta passou da Previdência para a Data-Base?
Hermes Leão – Passamos o mês de maio em greve e no início de junho houve uma mediação sobre as perdas salariais. Suspendemos a greve e ficou acertado para outubro o pagamento da inflação de 2014 (3,45%). Então até ali a gente conseguiu uma correção importante no nosso salário. Em janeiro de 2016 tínhamos defasagem de 10,67%, que foi a inflação do ano de 2015. Se a lei tivesse sido aplicada, até o final do governo Beto Richa teríamos zerado as perdas da inflação.
APP-Sindicato – Mas então os neoliberais já não podiam ser contidos?
Hermes Leão – Como a gente qualificou na APP, o Brasil sofreu um golpe de Estado em 2016, quando Michel Temer entrou com um governo ilegítimo e com medidas de arrocho e reformas que não foram debatidas no processo eleitoral. Então é evidente que houve um golpe completo, programático, muito evidente. E esse golpe teve graves consequências em todo o país. No Paraná não é diferente. Após Temer e Beto Richa, quando entram Ratinho e Bolsonaro, eles estão ligadas a essa doutrina golpista e aprofundaram os ataques aos direitos dos(as) trabalhadores(as). É isso que vem acontecendo nesse momento, tanto em nível federal como aqui no Paraná.
APP-Sindicato – É um período longo de luta intensa…
Hermes Leão – Realmente tivemos embates com muita participação e que geraram muito desgaste. Quando começou a crise política brasileira, o governo do Paraná se valeu disso para reforçar os ataques aos(às) servidores(as) públicos(as), de modo geral, e sobretudo à educação.
APP-Sindicato – A ocupação das escolas pelos estudantes foi uma tentativa legítima de resistência?
Hermes Leão – Quando tivemos a greve para evitar a alteração na lei orçamentaria, em setembro e outubro de 2016, quando entraram também as propostas de alterar o ensino médio e a PEC para congelar investimentos públicos, houve a ocupação de escolas. Então combinou-se uma greve nossa com um movimento estudantil muito forte com as ocupações. E aquele processo foi respondido de forma muito violenta, por parte do governo, que passou a atacar o processo de participação. Já estávamos nessa polarização social e política.
APP-Sindicato – No primeiro ano do governo Ratinho, a categoria teve que fazer duas greves em 2019…
Hermes Leão – Além do pagamento da data-base, reivindicamos um programa de saúde para os(as) educadores(as), que têm uma taxa de adoecimento muito alta. Nossa categoria tem um nível de adoecimento altíssimo, não só aqui no Paraná, há muitos anos isso vem sendo estudado. É um trabalho considerado penoso pela Organização Internacional do Trabalho. Ocupamos a Alep no dia 2 de dezembro 2019 e os deputados decidiram votar na Ópera de Arame.
APP-Sindicato – E aí entramos 2020 já com pandemia…
Hermes Leão – Nesse período já estava estabelecida na Seed uma gestão de cunho eminentemente empresarial, no sentido do que tem de pior no capitalismo, que é a busca por metas e o desrespeito às regras, inclusive da legislação trabalhista; um grau de controle, de padronização violentíssimo; uma manipulação evidente dos mecanismos da oferta do ensino noturno, da Educação de Jovens e Adultos, tudo visando colocar o Paraná em primeiro lugar no Ideb nacional. Isso tem que ficar bem claro: temos um governo que escolheu colocar o Paraná em primeiro no Ideb independentemente dos métodos, pois os que mais precisam de apoio são descartados ou tem mais dificuldade de acesso.
APP-Sindicato – Nesse período tivemos também o início da implantação das escolas cívico-militares…
Hermes Leão – A militarização das escolas é outro projeto grave, também aprovado em regime de urgência na Alep, no meio da pandemia, sem debate com as comunidades escolares. É uma manipulação do pensamento de que a polícia resolve tudo, até as dificuldades de aprendizagem.
APP-Sindicato – Depois os temores iniciais se confirmaram, com casos de assédio de diretores militares contra alunas, discriminação de aluno com cabelo comprido…
Hermes Leão – A gente não apoia uma proposta de escola com esse caráter, que não é um colégio da polícia militar, é uma escola militarizada e não tem a estrutura nem o projeto do colégio da polícia militar, que é o modelo para eles.
APP-Sindicato – E a greve de fome? Qual o balanço hoje?
A luta em defesa dos(as) professores(as) PSS foi uma marca nossa. Fizemos uma greve de fome histórica pela não demissão de 9.700 funcionários(as) e contra as provas realizadas para as contratações, em pleno auge da pandemia. E estavamos certos: houve uma redução imensa do número de inscritos no processo seletivo, caindo de 90 mil para 40 mil inscritos, o que resultou em uma falta de quadros nas escolas muito grave. Tanto que o governo precisou fazer uma segunda prova, o que mostra que os pontos de pauta da greve estavam correto. Se fosse um governo democrático, não teríamos falta de professores(as) e funcionários(as) nas escolas e não haveria esta gastança enorme de dinheiro a mais.
APP-Sindicato – A Greve Pela Vida marcou época, como resistência à volta das aulas presenciais em plena pandemia…
Hermes Leão – O governo quis voltar com as aulas e a gente aprovou o indicativo de greve já em maio de 2020. Com isso fomos empurrando o retorno às aulas presenciais. Em 2021 o governo marcou a volta às aulas para o começo de março, a gente intensificou a mobilização e conseguiu adiar a retomada das aulas presenciais por todo o primeiro semestre. Foi outro embate muito duro, muito desgastante.
APP-Sindicato – E fechamos 2021 com greve novamente…
Hermes Leão – O ataque de Ratinho à categoria com o Projeto de Lei Complementar 12 nos obrigou a terminar o ano de 2021 fazendo greve, acampamento e vigília no Centro Cívico, por conta dessa tentativa de ataque às carreiras de professores(as) e funcionários(as), além de uma reposição de data-base totalmente insuficiente.
APP-Sindicato – Quais são as perspectivas para 2022?
Hermes Leão – O governo Ratinho vai insistir nessa questão de colocar o Paraná em primeiro lugar no Ideb, eles vão continuar com essa doutrina, essa pressão, esse controle. Esse governo já demonstrou a que veio. Teremos também o embate do processo eleitoral e vamos aproveitar para fazer a denúncia dessa fraude educacional de quatro anos que está acontecendo aqui no Paraná.
APP-Sindicato – O objetivo de Ratinho Jr é faturar politicamente com o primeiro lugar no ranking do Ideb?
Hermes Leão – E também vender um projeto de mercado. É por isso que tem um empresário na Seed, para dizer que o empresariamento é melhor que a forma pública, pois ele leva ao primeiro lugar no Ideb. Só que, temos que frisar aqui, isso acontecerá em cima de uma corrupção generalizada do processo.
APP-Sindicato – E com terceirização de serviços públicos…
Hermes Leão – Sim. Veja a terceirização da mão de obra dos(as) funcionários(as) de escola. A gente tem visto a superexploração dessa mão de obra, a redução do número de funcionários e um gasto maior de dinheiro. Já tem denúncia no Ministério Público do Paraná de que o governo está burlando a Lei de Terceirizações. Essa terceirização é uma fraude generalizada, com 13 empresas fornecendo mão de obra sem qualquer segurança e condição de um trabalho minimamente humanizado.
APP-Sindicato – Com todo este contexto, você acha possível uma mensagem de otimismo para a categoria?
Hermes Leão – Sim. Nós já passamos por períodos muito difíceis, como foi no segundo governo de Jaime Lerner, quando tivemos a aplicação de medidas semelhantes a essas do Ratinho Jr. Nós superamos aquele período e retomamos um conjunto de direitos. Por exemplo: naquela época os(as) funcionários(as) de escola eram terceirizados, depois a gente conseguiu plano de carreira, conseguiu valorização, concurso para professores(as) e funcionários(as) e conseguimos também melhoria nos salários. É amplamente possível ser otimista. A gente precisa descansar nesse momento de férias e voltar para o ano letivo de 2022 organizando nossa resistência em cada escola, porque luta sindical começa no local de trabalho, defendendo a gestão democrática das escolas. Temos que retomar a reflexão e o trabalho coletivo, aí a gente supera juntos esse período.
Texto: Luis Lomba
Fotos: Joka Madruga, Quem TV e APP