Dizem que coincidências não existem, porém uma das mais extraordinárias é a morte de três grandes escritores na mesmíssima data, 23 de abril de 1616: Miguel de Cervantes (Espanha), Inca Garcilaso de la Vega (Peru) e William Shakespeare (Inglaterra). Essa coincidência só veio a ganhar destaque mundial 379 anos depois, quando, em 1995, a Unesco declarou-a como Dia Internacional do Livro.
Lá, na Conferência Geral, o intuito era criar uma data específica para se homenagear, não só o livro, mas todos os envolvidos com ele ou, como diria Antonio Candido, a tríade indissolúvel: autor – livro – leitor; pois o livro é, historicamente, a fonte primária e mais importante de difusão de conhecimentos. Não existe o livro ideal ou o melhor nem o pior. Existem opções para todos os gostos, sejam elas de quais temas forem.
Aqui no Brasil, além do 23 de abril, no 29 de outubro comemoramos o Dia Nacional do Livro como uma forma de relembrar a fundação da Biblioteca Nacional do Brasil, em 1810. Essa biblioteca nada mais era do que a Real Biblioteca Portuguesa que veio transferida de Portugal quando da vinda da Família Real (1808) para cá.
Lembrando um pouquinho das aulas de História: A Família Real só veio pra colônia porque Portugal estava prestes a ser invadido pela França e Espanha e estando aqui, ela conseguiria manter o reinado à distância. Na viagem, onde vieram mais de 10 mil pessoas, Dom João trouxe praticamente tudo o que podia de lá: móveis, joias, obras de arte, alimentos, armas, porcos, galinhas, bois, sem contar com todo o dinheiro do tesouro português. Já para os livros, em torno de 60 mil exemplares, foram necessárias três viagens para que esse acervo pudesse vir para cá. Dentre as várias obras raras, estava lá a primeira edição de Os Lusíadas, de Camões (1572).
Quando a Casa de Bragança chega à colônia, naquele 1808, tínhamos 99% da população analfabeta e uma pobreza extrema. Livros e jornais eram artigos de luxo e também de censura. Analfabetismo e pobreza ainda são tristes realidades por aqui – 214 anos depois – e livros também continuam sendo artigos de luxo. Fizemos uma rápida pesquisa no oráculo Google e os números corroboram a afirmação anterior, mas também trazem dados a serem analisados com mais atenção. Vejamos:
- O brasileiro lê somente 2,4 livros completos por ano;
- O Brasil vendeu 43,9 milhões livros em 2021;
- O Nordeste é a região que mais lê no país;
- Os não-leitores representam 48% da população alfabetizada, ou seja algo em torno de 100 milhões de brasileiros;
- 45% do consumo de livros é feito por famílias que recebem até 4,7 salários mínimos e 23,7% pelas que recebem mais de 11,8 salários;
- O preço médio de um livro é de R$ 44,66;
- Há uma livraria para cada 96 mil habitantes (o ideal seria 1/10 mil , de acordo com a Unesco);
- Em 2014 havia 3.045 livrarias no país, em 2021 eram 2.200;
- O brasileiro lê, em média, 5,6 horas por semana;
- A primeira editora do Brasil foi fundada somente em 1854;
- O público que mais lê no país são os pré-adolescentes de 11 a 13 anos, 84% deles lêem com frequência;
- Clarice Lispector é a escritora brasileira mais traduzida no mundo: 113 idiomas;
- 22 milhões de brasileiros leitores recebem apenas um salário mínimo.
Esses números, de modo geral, entristecem. Mas, nem tudo está perdido. Vemos que há um maior interesse pela leitura justamente por aqueles que têm menor poder aquisitivo, sobretudo no nordeste do país que faz com que o livro tenha sempre aceso seu encanto.
Alguns fatalistas, com o advento da internet, até chegaram a cogitar o fim do livro impresso, pois o mesmo seria trocado pelos livros online ou suprimido pelas redes sociais. Umberto Eco, certa feita, comentou que: “As redes sociais deram o direito à palavra a uma legião de imbecis que antes falavam apenas em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade.” Eco, como sempre, cirúrgico, pois a leitura crítica restringiu-se a esse patamar para muitos brasileiros adeptos das fake news, por exemplo.
Mas, felizmente, para um número expressivo de pessoas, a leitura física ainda continua sendo a principal porta para outros mundos, afinal de contas, não nos vemos surpreendidos por anúncios ou outros estímulos e curiosidades quando lemos online. No livro, podemos mergulhar por completo em outras realidades, podemos refletir sobre o mundo, a vida, sobre nós mesmos. Com o livro nos emocionamos, divertimo-nos, divagamos, encantamo-nos. Ele é um bálsamo, um calmante que podemos ingerir sem moderação, em qualquer lugar, já que podemos tê-lo sempre à mão sem precisar de tomadas, baterias.
Sempre vemos dicas para despertar o gosto pela leitura, independente da idade: leia por prazer; estabeleça um tempo mínimo de leitura diária; procure um lugar calmo para ler; se começou a ler e não gostou, troque o livro,… Mas nenhuma delas será viável se não tivermos um maior acesso ao mesmo, se não houver políticas públicas que incentivem editoras e escritores a produzirem mais ou que façam aumentar a quantidade de livrarias no país para que o livro torne-se também um item da cesta básica do povo brasileiro.
Se, em algum momento, você se sentir deprimido, deprimida; vá a uma biblioteca. Lá você terá milagres de amigos lhe esperando. Esse conselho não é meu. É do Umberto Eco e está no Não contem com o fim do livro. Fica a dica de leitura para este 29 de outubro.
CARRIÉRE, Jean Claude & ECO, Umberto. Não contem com o fim do livro. Rio de Janeiro: Record, 2010.
**Por Cláudia Gruber, professora da rede estadual e secretária executiva de Comunicação da APP-Sindicato