A educação pública respira por aparelhos no Brasil. Com o descaso do governo, a educação sofre sem recursos e sem previsão de investimentos. Segundo estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o orçamento da educação diminuiu mais de quatro vezes em três anos. Mesmo com a pandemia, na qual muitos estudantes professores(as), funcionários(as) de escola e toda comunidade escolar sofreram com a falta de infraestrutura, as coisas não melhoraram.
Desde o primeiro Balanço Geral do Orçamento da União, o Inesc vem denunciando o desfinanciamento da educação, e em 2021 não foi diferente. A execução financeira da função educação, entre 2019 e 2021, caiu R$ 8 bilhões em termos reais. O valor autorizado para 2021 foi cerca de R$ 3 bilhões a mais que em 2020, no entanto, a execução financeira foi menor. Por ser responsabilidade do governo federal, o ensino universitário é o mais atingido.
O estudo aponta um desmonte geral das políticas sociais do país, como saúde, promoção da igualdade racial, políticas ambientais, habitação, entre outras, além da educação. O documento também sugere recomendações para mudar a realidade, como eliminar o Teto de Gastos e revisar as regras fiscais, expandir políticas de geração de emprego e renda, eliminar o Orçamento Secreto e limitar as emendas de relator assegurando transparência e controlar o choque de juros visando uma contração monetária menos recessiva.
A reportagem da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) conversou com Cleo Manhas, assessora política do Inesc, que destaca que a execução orçamentária é muito menor do que os recursos aprovados e liberados, e que é preciso um novo governo que retome políticas de educação de ampliação do financiamento de melhoria na infraestrutura. Veja a entrevista na íntegra:
CNTE: A execução financeira da função educação, entre 2019 e 2021, caiu R $8 bilhões em termos reais. Isto é, foram aprovados recursos que não foram usados. O que houve? Por que este orçamento não foi utilizado?
Cleo Manhas: Em geral o valor autorizado muitas vezes é maior do que a execução financeira, mas no governo Bolsonaro isso aconteceu com frequência e o executado era sempre muito menor do que o aprovado ou autorizado. Isso tem a ver também com o Teto dos Gastos, porque se autoriza x e aí você vai cortando, migra para outras áreas que você acha prioritário. E, o fato ,é que a gente tem, ao longo dos três anos do governo Bolsonaro, essa queda de R$ 8 bilhões na execução da função educação, o que recaiu muito sobre todas as áreas, mas com muita força no ensino superior, já que o governo federal é responsável por esta etapa de ensino.
CNTE: Quais os impactos desses cortes no Plano Nacional de Educação (PNE)?
Cleo Manhas: O que a gente vê nas avaliações que a campanha Nacional pelo Direito à Educação têm feito, da execução e do atingimento das metas, é que estamos bem atrasados e provavelmente este PNE vai continuar sendo jogado no lixo. O que a gente percebe é que ao invés de aumentar o financiamento em relação ao PIB, os recursos têm caído, principalmente no governo federal, mas não só. Fizemos um estudo sobre orçamento dos estados e, em relação ao ensino médio, a gente percebeu uma queda também. Então é certo que não conseguiremos atingir as metas de financiamento, ao contrário. Além de não cumprir, nós vamos regredir.
CNTE: Na pandemia, período em que houve o fechamento de salas de aula, a educação precisou de recursos para se adaptar às aulas remotas. O orçamento aprovado pelo Congresso no ano anterior à pandemia tinha recursos para as escolas utilizarem nessas adaptações? O governo poderia ter aumentando esse investimento em caráter emergencial?
Cleo Manhas: No pior ano da pandemia, que foi em 2021, não houve nenhum aporte diferenciado para a melhoria da infraestrutura das escolas. Nós percebemos que as escolas receberam, no máximo, torneiras nas entradas e tapetes sanitizantes, que não adianta nada, porque as salas de aulas continuaram lotadas e com ventilação ruim. A ação que tinha para a melhoria da infraestrutura das escolas, no orçamento federal, também caiu significativamente. E podiam sim aportar novos recursos para educação, como fizeram na saúde e outras áreas prioritárias, mas não foi isso que aconteceu. Todo corpo docente e discente tiveram que migrar para as plataformas digitais, sem apoio extra, e os/as professores/as, muitas vezes, tiveram que bancar do seu próprio bolso recursos para internet, equipamentos e ainda lidar com dificuldade de manejo desses equipamentos.
CNTE: Sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em 2021 foram gastos cerca de R$ 6,4 bilhões a menos do que o recurso disponível. Qual é o impacto desse corte?
Cleo Manhas: Quando há cortes no FNDE, que financia programas como Dinheiro Direto na Escola, que era um dos únicos recursos que a escola estava tendo para melhorar sua infraestrutura, o programa Nacional de Transporte Escolar, de Alimentação Escolar, do Livro Didático, entre outros programas super importantes, há um corte generalizado na educação básica de todos os estados. O Congresso Nacional propôs na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um reajuste real para o PNAE, que é o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o governo federal vetou. Há muito tempo que o recurso é o mesmo, e com os alimentos aumentando significativamente, os números de pessoas com insegurança alimentar e fome só aumentam.
CNTE: Quais são as expectativas e a responsabilidade de um novo governo, que pode vir pela frente, na questão da educação?
Cleo Manhas: A expectativa é que ele seja novo mesmo, que a gente consiga tirar essa aberração do poder e que a gente retome políticas de educação, de ampliação do financiamento, de melhoria na infraestrutura, que a gente considere o Custo Aluno-Qualidade para o cálculo do financiamento e para os insumos necessários para as escolas e universidades receberem seus alunos e todas as etapas de ensino, desde educação infantil até o ensino superior. E nós esperamos que haja prioridade pelo direito à educação e a construção de uma educação de qualidade para todas, todos e todes.
CNTE: Quais os desafios das trabalhadoras e dos trabalhadores da Educação para os próximos anos?
Cleo Manhas: O desafio dos trabalhadores e das trabalhadoras da educação é gigante, porque houve um retrocesso muito grande durante os dois anos da pandemia e o desmantelamento do orçamento da educação nos anos do governo Bolsonaro. Foram cortes significativos no orçamento para todas as etapas de ensino, especialmente no ensino superior. No estudo que o Inesc fez, a gente demonstra que as universidades foram perdendo recursos ano a ano e isso pesa muito nos ombros do corpo docente, até porque são os professores e as professoras que estão na linha de frente, enfrentando todas as dificuldades e recebendo todo feedback dos estudantes. O desafio é muito grande e a gente precisa ficar de olho e fazer o controle social acerca do que vem por aí.
Fonte: editado de CNTE