Desbarbarizar a educação, uma tarefa urgente na superação da violência escolar APP-Sindicato

Desbarbarizar a educação, uma tarefa urgente na superação da violência escolar


A morte da professora Elizabeth Tenreiro por um estudante na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, no final de março, abalou os(as) educadores(as) de todo o Brasil e apontou a necessidade urgente de desbarbarizar nossa educação. 

A barbárie cria a cada dia novas vítimas de uma cultura de violência que se alastra pelo país e tem maculado escolas públicas e privadas, até há pouco espaços seguros por excelência e ofício. 

O ataque mortal a uma professora que dedicou sua vida à educação escancara a necessidade de ações imediatas do poder público. Vivemos uma epidemia de ódio, revelada por ações coordenadas e estimuladas por fóruns e comunidades online extremistas. 

Pesquisa divulgada em março pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) revela que 48% dos(as) estudantes da rede pública estadual já sofreram algum tipo de violência em suas escolas, enquanto 71% disseram saber de casos de violência ocorridos na escola que frequentam. Outro dado preocupante é que 19% dos(as) professores(as) sofreram algum tipo de violência em suas escolas no último ano.

Em novembro de 2022 o ataque cometido por um adolescente em escolas da pequena cidade de Aracruz (ES) acendeu mais um alerta para nossa sociedade. Com duas armas nas mãos, o estudante matou quatro pessoas e feriu 12. A barbárie aconteceu no Dia Internacional contra a Violência às Mulheres, 25 de novembro. As quatro mortes foram de mulheres. 

O ataque teve motivação nazista. Esta ideologia, assim como o fascismo, se alimenta do ódio às diferenças, como a misoginia, o racismo e a LGBTQIA+fobia. Não é de estranhar que o ataque tenha ocorrido numa data tão simbólica e os alvos preferenciais tenham sido mulheres.

Calcula-se no Brasil que existam mais de 1.117 células nazistas, que crescem exponencialmente desde 2019*. Em 2021 eram 550 e em novembro de 2022 chegou-se a 1.100. Estes são anos do governo Bolsonaro e 2022 é marcado pela escalada de ódio com a aproximação do processo eleitoral. 

Este ódio crescente se manifesta na atual sociedade e contrapõe-se a qualquer noção de solidariedade, justiça e igualdade. Este retrocesso tem sido analisado por autores como Ranciere (2014), Levitsky e Ziblatt (2018) e Gallego (2018); só para citar alguns. Este é o mesmo ódio que espraia-se para um ataque sistemático às instituições, à democracia e chega à escola e seus sujeitos. 

Estes discursos e atos negam a outra pessoa como um sujeito de diferenças, principalmente quando estas diferenças concorrem com o habitus (BOURDIEU. 1984) da branquitude, da heterosexualidade, da submissão das mulheres, do fundamentalismo cristão. O habitus é um princípio de ação, são estruturas interiorizadas geradoras de representações e práticas que estes grupos, e o campo social que os constitui, buscam disputar na sociedade. 

A violência é um fenômeno complexo que não se explica tão somente pelos discursos de ódio, mas não há dúvidas que estes discursos alimentam ainda mais este fenômeno social reconhecidamente multifacetado. No caso das escolas, ele alimenta as agressões físicas, a intolerância, o preconceito e as formas como os sujeitos são “maltratados, menosprezados e violentados por aparência física, cor, orientação sexual, ou também pela violência psicológica, geralmente mais sutil, mas igualmente maléfica para a formação e constituição da subjetividade e identidade” (SILVA E BITTENCOURT, 2019, p. 124) destes mesmos sujeitos. 

A escola, que deveria ser espaço civilizatório, de humanização, diversidade, encontro e convivência, transforma-se em espaço de agressão, de intolerância, preconceito, de negação do outro(a), de bullying. Antagônica à civilização que se quer construir, está a barbárie; um retrocesso a Auschwitz, como experimentamos nos casos extremos de Aracruz (2022), como foi em Suzano (2019), ou ainda, em Columbine (1999) nos EUA. 

É urgente e necessário desbarbarizar a educação (ADORNO,2000). A barbárie, “continuará existindo enquanto persistirem no que têm de fundamental as condições que geram esta regressão”; isso porque a pressão social, como é o caso brasileiro, em que um governo com evidentes tendências fascistóides impelia as pessoas “em direção ao que é indescritível e que, nos termos da história mundial, culminaria em Auschwitz” (ADORNO, 2000, p.119). 

Para desbarbarizar a educação e superar a violência escolar é preciso colocar o problema como efetivamente ocorre. Admitir a existência do problema da violência, do preconceito, do bullying, é o início do caminho para buscar alternativas de enfrentamento para estas situações. Também é necessário que a escola seja tomada pelo sentido democrático e emancipador; uma educação para a emancipação, até porque não há democracia sem emancipação (ADORNO, 2000). 

Por último, deve-se efetivamente construir uma escola humanizada-humanizadora e de qualidade social, no sentido apontado por Freitas (2022), da crítica às atuais relações sociais de exclusão, produção de desigualdades e alienação e, portanto, violentas desde sua origem capitalista, e na capacidade de se construir mais humanização. 

Uma educação verdadeiramente humanizante (ADORNO, 2000), que seja, antes de tudo, uma educação para contradição e resistência, e que se realiza no exercício radical e cotidiano de novas relações solidárias de reconhecimento da outra pessoa, múltipla e diversa. Neste sentido, a escola não pode se furtar da sua função social, bem como precisamos de um currículo escolar voltado à superação dessas relações sociais pautadas pelas diferentes violências. 

REFERÊNCIAS: ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. São Paulo, Paz e Terra, 2000. FREITAS, Luiz Carlos. Anotações sobre a conjuntura e a política educacional. Disponível em https:// avaliacaoeducacional.com/page/2/. Texto de debate na ANFOPE – em 28/03/2022. GALLEGO, Esther Solano. O ódio como política. A reinvenção da direita no Brasil. São Paulo: Editora Boitempo, 2018. LEVITSKY, Steven e ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. RANCIERE, Jacques. O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014. SILVA, Anilde Tombolato Tavares da e BITTENCOURT, Cândida Alayde de Carvalho. Os traços fascistas por trás do  preconceito,violência e bullying na escola. IN: Revista Devir Educação. Universidade Federal de Lavras – UFLA, Lavras, vol.3, n.1, jan./jun., 2019 pp. 116-126. * https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/quatrofatores-que-explicam-o-avanco-do-neonazismo-nobrasil/

 

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