Quando um cidadão não recebe o atendimento que considera adequado em algum órgão público, é comum canalizar a insatisfação ao servidor que está ali em frente. Cobra-se que ele pague, inclusive com o emprego.
O que muitas pessoas esquecem, porém, é que há uma série de problemas estruturais que acabam “estourando” no trabalhador, sendo que demiti-lo, além de não resolver, agrava o problema.
A falta de investimento do Estado é um dos problemas estruturais que impactam no atendimento. Seja por falta de equipamentos básicos, modernização dos sistemas de gestão ou de capacitação periódica, isso dificulta que o servidor cumpra com suas funções de forma satisfatória.
Demitir pune também a sociedade
Assim, antes de pensar no servidor como mau profissional e cogitar demiti-lo é preciso certificar-se de que ele recebeu as devidas condições de trabalho.
Demitir pode até criar uma falsa sensação de rigor e suprir os anseios de uma visão mais punitivista, mas normalmente quem perde mais é a sociedade.
Um dos pontos mais atacados no serviço público é a estabilidade. Setores oportunistas que pretendem lucrar sobre as necessidades da população espalham a falsa ideia de que a estabilidade gera morosidade e falta de comprometimento.
Para quem está no serviço público, assumindo o compromisso de trabalhar pelo bem-estar da população, a estabilidade é fonte de segurança para que possa desempenhar suas funções sem sofrer perseguição política, ideológica, religiosa, pessoal ou de qualquer outro tipo.
É a garantia de que poderá fazer aquilo que é o melhor para a população, com a autonomia para denunciar casos de corrupção, de desvios de recursos ou de comportamentos de gestores, políticos ou governantes, sem medo de sofrer retaliação ou de ser demitido por isso.
Ou seja, sem a estabilidade do servidor, quem fica desprotegida é a população.
Logo de cara dá para dizer que sem estabilidade, todo o funcionamento da máquina pública ficaria à mercê da troca de governo. Ou seja, a cada quatro anos, todos os serviços oferecidos pelo Estado poderiam ficar inviabilizados caso o governo da ocasião resolvesse trocar todo mundo. Sem contar na possibilidade de apadrinhamento político e cabide de empregos, em cargos preenchidos por indicação e não por concurso público.
O concurso público, aliás, é uma garantia da capacidade do servidor. É ele quem atesta que aquele trabalhador tem condições de exercer bem a função que a sociedade está precisando. Com o passar dos anos, se devidamente atualizado com capacitações periódicas, esse servidor fica ainda mais competente no atendimento à população.
Geralmente, os problemas existem por causa de problemas de gestão. E não é penalizando todos, inclusive a sociedade, que a questão será solucionada.
E hoje já existem mecanismos para resolver problemas relacionados à conduta do servidor, mediante processos legais e com amplo direito de defesa.
Serviço público é qualidade de vida
Demitir dificulta também a solução de um dos maiores problemas que o Brasil tem em relação aos serviços públicos. Faltam servidores no país. Aqui, apenas 12% dos empregados estão no setor público, abaixo da média de 18% entre os países mais ricos do mundo. Nas nações nórdicas, por exemplo, o índice é de cerca de 30%. Os países dessa região estão entre aqueles com melhores condições de vida no planeta.
E até nos Estados Unidos, usado erroneamente como referência de Estado mínimo, há mais servidores do que no Brasil: 15% do total.
E não é só isso. Há uma relação direta entre o total de servidores públicos e qualidade de vida. Quanto maior a proporção deles, maior tende a ser o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
Olhando desta forma fica evidente que não é demitido sumariamente servidores que o Brasil vai achar a conta certa para o serviço público. Pelo contrário, isso só reduziria o atendimento às necessidades da população. Afinal, basta lembrar que via de regra a demora para atendimento ocorre por falta de pessoal.
Propostas como a Reforma Administrativa do Governo Federal, por exemplo, não levam nada disso em consideração e apenas servem para enganar a população, pois pretendem reduzir o serviço público, transferindo recursos para a iniciativa privada (principalmente com terceirizações que entregam serviços piores, menos eficientes, mais caros, e ainda são porta de entrada para a corrupção).
É preciso investimento contínuo em condições de trabalho e estrutura para que o serviço público cumpra a missão de elevar a qualidade de vida da população.
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