10 de fevereiro de 2015: servidores ocupam o plenário da Assembleia Legislativa do Paraná. 29 de abril de 2015: ao menos 170 pessoas feridas no Centro Cívico de Curitiba, devido à repressão aos servidores estaduais. 26 de junho de 2017: 24 feridos e três pessoas presas em protesto dos servidores municipais de Curitiba, em frente a Ópera de Arame. 18 de novembro de 2019: confusão na Câmara de Curitiba durante ato dos servidores públicos deixa uma porta quebrada. O que há em comum nestes quatro acontecimentos?
Há muitas formas de abordar a questão, mas gostaria de relembrar o recentemente falecido sociólogo Francisco de Oliveira. Para o autor pernambucano, com longa carreira na Universidade de São Paulo (USP) e no Centro Brasileira de Análise e Planejamento (Cebrap), um regime democrático saudável pressupõe uma relação dialética entre a privatização do público e a publicização do privado. Em um português mais simples e direto: toda decisão do Estado envolve promover o acesso de um coletivo mais ou menos privado aos recursos públicos, mas dentro de uma dinâmica que torne de conhecimento público, todos os interesses privados em jogo para que se possa definir qual será atendido como emergencial e necessário, frente a outro que ficará para outro momento. A velha fórmula de dividir recursos escassos, mas que, para ser democrática, precisa ser publicizada.
É por isso que o parlamento é vital às democracias. O parlamento é o centro do debate coletivo e da publicização dos interesses privados em conflito. Pode-se dizer, que a eficiência de um parlamento está menos ligada a velocidade como ele vota os diferentes projetos de lei; e mais a sua capacidade de explicitar a multiplicidade dos interesses em conflito e de produzir o consenso, mesmo no cenário da diversidade.
Neste ponto, pode-se retomar a pergunta do primeiro parágrafo. O que há em comum entre os atos ocorridos citados acima? A resposta é simples: uma aliança entre executivo e a maioria do parlamento que impediu o diálogo que publicizasse interesses em conflito.
Vejam que não se está discutindo o conteúdo ou o mérito dos projetos em tramitação. Mas a impossibilidade de divergências serem percebidas e debatidas. Em uma consulta eleitoral, a vontade da maioria se sobrepõe sobre a minoria. Mas esta não é a essência do parlamento. No parlamento, maioria e minoria constroem consensos, em que a vontade da maioria é permeada pelo respeito as necessidades das minorias.
Assim, é inconcebível, em um regime democrático, que o executivo una-se a uma maioria parlamentar para fazer tramitar, em regime de urgência, propostas de lei que são inteiramente previsíveis ao longo do tempo de uma gestão de 4 anos. Ou o governante é capaz de cuidar e ter previsibilidade de suas receitas e despesas no médio e longo prazo, ou ele não está capacitado para exercer o cargo público. Um regime de urgência se aplica a fenômeno imprevisível. Nos quatro casos em questão, cabia ao governante antecipar o problema e promover o diálogo no tempo adequado.
Trocando em miúdos, quando os poderes públicos – contrariando sua natureza de mediadores dos diferentes interesses conflitivos presentes em sociedade – criam obstáculos para o saudável exercício do diálogo democrático através de estratégias como regimes de urgência, comissões especiais e outras técnicas institucionais, só resta, ao cidadão, manifestar-se pela suspensão dos processos de tramitação das tomadas de decisão.
Para bom entendedor, pode-se registrar que, na maioria dos casos de violência no interior de conflitos políticos legítimos, precedeu a suspensão do debate público através de algum mecanismo regimental pelo poder instituído. É lamentável que isso ocorra logo após ao feriado da República.
*Diretor do Setor de Educação da UFPR
Edição: Pedro Carrano/Jornal Brasil de Fato