Dos 524 anos do território desde então denominado Brasil, em quase 400 anos a escravização de homens, mulheres e crianças negras foi uma prática comum e aceita por toda a sociedade. No Brasil colonial e imperial, até as instituições religiosas mantinham negros(as) como escravos(as) em seus mosteiros e conventos. Os(as) escravizados(as) eram tratados como se fossem animais e submetidos a todo tipo de tortura. Chibatadas, anavalhamento do corpo com aplicação de sal sobre os ferimentos, estupro, amputação de seios, fraturas de dentes e ossos feitas a marteladas eram algumas da punições aplicadas contra quem ousase tentar a liberdade.
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Apenas em 1888, através da chamada Lei Áurea, a escravidão foi extinta formalmente no Brasil. Mas foi só isso, um texto oficial. Nenhuma reparação pelos séculos de atrocidades, nenhuma indenização por todos os anos trabalhados sem salário e suas consequências. Pelo contrário, a imigração de etnias brancas, como italianos, alemães e poloneses, foram intensificadas. Enquanto imigrantes tinham a vinda custeada pelo governo, eram remunerados e trabalhavam em terras cedidas, os(as) ex-escravizados(as) e seus descendentes, abandonados(as) e excluídos(as), enfrentavam dificuldades e barreiras para se inserir na sociedade.
Ao longo da história do Brasil, o povo negro é marcado, na pele e na alma, por esse contexto de racismo, de violências e também de invisibilidade e apagamento, tanto da sua identidade e das suas contribuições na construção do país, quanto das suas lutas por libertação. A verdadeira libertação dos(as) escravizados(as) nunca foi uma concessão governamental, mas tem sido desde sempre uma luta ancestral e, portanto, muito anterior ao ato de 1888, que é considerado pelo Movimento Negro uma abolição falsa, inacabada. O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra (20 de novembro), que estreia neste ano de 2024 como feriado nacional, é um exemplo dessa luta contínua pela superação da exclusão e do racismo vivenciados diariamente pela população negra.
A data remete a um fato ocorrido há 329 anos, quando no dia 20 de novembro de 1695, Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, foi assassinado. Localizado na Serra da Barriga, região onde hoje é o estado de Alagoas, Palmares foi o maior quilombo do nosso país, chegando a ter 20 mil habitantes, entre fugitivos(as) dos engenhos e nativos(as). Segundo registros históricos, Zumbi lutou contra as forças coloniais até ser capturado e morto, tendo sua cabeça decepada e exposta em Recife. O que para os escravocratas tinha o objetivo de conter novas investidas contra a escravidão, não impediu a continuidade da luta do povo negro.
Até o ano de 2023, o Dia da Consciência Negra era considerado feriado em apenas seis estados e cerca de 1,2 mil das mais de 5,5 mil cidades brasileiras. O respeito à data em todo o território nacional decorre do texto aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Lula em dezembro do ano passado. Em uma sociedade estruturada pelo racismo, onde negros(as) são maioria da população, mas minoria nos espaços de poder e decisão, onde a cor da pele é determinante para que as pessoas negras sejam a base dos piores indicadores sociais, não se trata apenas de uma data de celebração, mas mais um dia de luta, uma forma de promover reflexões e ações para superação do racismo e de reconhecer o protagonismo dos(as) negros(as) na formação do Brasil.
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