Curitiba, 19 de setembro de 2022.
Querido Mestre,
Hoje estarias completando 101 anos. Seria um dia de festa, de comemorar a vida, a família e os amigos todos reunidos brindando tua longevidade.
Creio que acordarias cedo, tomarias teu café, afagarias teu cão e talvez fizesses um inventário de tua vida. De quando eras criança lá no Recife e, aos treze anos, perdeste teu pai. Um dos primeiros duros golpes que a vida te deste. Passarias depois para os anos do Colégio Oswaldo Cruz onde primeiro foste aluno, depois mestre.
Lembrarias com ternura de tua doce Elza, a companheira de quase toda uma vida. Nessa mesma toada, viriam as lembranças do teu primeiro encontro com a alfabetização de jovens e adultos, lá em 1947, no Sesi de Recife; que, uma década depois, iria te levar à famosa experiência de Angicos (RN). Experiência essa assombrosa, que causou o maior alvoroço, pois como puderam aqueles trezentos adultos aprenderem a ler e escrever em menos de 40 horas? E além disso, começarem a pensar por conta própria?
Fomentaste, assim, o surgimento do Plano Nacional de Alfabetização do governo de João Goulart. Mas a história foi irônica contigo. Essa alfabetização era para ser algo fantástico no Brasil. Tínhamos 80 milhões de habitantes e, desses, 15,9 milhões de analfabetos. A educação que tanto prezaste, tornou-se tua algoz. Levou-te para a cadeia por 70 dias. Lembrarias disso? Diziam que estavas fomentando greves, que trouxeste o comunismo para a vida de milhares de possíveis eleitores, já que só votavam naquela época os que fossem alfabetizados. Que perigo tu eras para os milicos que chegavam ao poder naquele longínquo 1964!
Tiveste que te exilar e no Chile farias tua primeira parada. Longa parada de cinco anos, mas que valeram a pena. Escreverias um dos teus mais belos livros: Educação como prática da liberdade (1965). De Santiago, ganhaste o mundo. Passaste por tantos lugares ensinando, orientando e implementado tua forma de alfabetizar, de dar dignidade e cidadania para tantas pessoas. Estiveste nos cinco continentes levando educação, amor e esperança.
Acaso gastarias hoje alguns minutos, pensando em teu retorno ao Brasil em 1980? Foste, logo depois, lecionar na PUC-SP e na Unicamp, tudo ia bem, mas essas lembranças te trariam novamente uma tristeza, a saudade de Elza, pois em 1986 ela, que te deu cinco filhos, seguiria com a “indesejada das gentes”.
Quiçá, fecharias lentamente os olhos e te viriam mais uma das fantásticas experiências de tua vida: 1988. Assumirias o cargo de Secretário de Educação da maior cidade do país. Que desafio te deste Luiza Erundina, não é mesmo? Foram anos intensos aqueles que vieram. Até te casaste de novo. A bem amada Ana Maria foste tua fiel companheira até aquela angioplastia que te levou embora naquele 02 de maio de 1997.
Depois disso, foste tão homenageado! Recebeste tantos títulos póstumos. Teus livros foram impressos, reimpressos, alimentando debates, discussões, estudos mundo afora. Até te tornaste Patrono da Educação Brasileira em 2012. Quem te nomeaste foi a primeira presidenta do Brasil: Dilma Roussef.
Ah! Quantas mentes vieste inspirando desde então. Só o fato de partirmos da realidade concreta para ensinar e considerarmos a importância dos saberes que vêm com nossos alunos, já foi uma grande revolução. Que juntos, professor e alunos podem aprender mutuamente e, assim, transformar o mundo em um lugar melhor, mais democrático e humanitário. Talvez seja por isso que, hoje, os que estão no poder, te odeiam tanto e tentam te expurgar da nossa educação. Mas jamais conseguirão, pois a democracia sempre falará mais alto, pois foste alguém que vias a educação com amor. Como tu mesmo disseste uma vez: “Eu gostaria de ser lembrado como alguém que amou o mundo, as pessoas, os bichos, as árvores, a terra, a água, a vida!”
Abraços esperançosos!
De uma Professora Aprendiz
*Cláudia Gruber, professora da rede estadual e Secretária Executiva de Comunicação da APP-Sindicato.