Caso Unisa: violência de gênero é um problema crônico na sociedade brasileira APP-Sindicato

Caso Unisa: violência de gênero é um problema crônico na sociedade brasileira

Nos últimos meses, o Brasil registrou um grande número de denúncias de violência sexual ocorridas nos espaços em que a saúde deveria ser prioridade

Imagens de atos grotescos realizados por estudantes de medicina da Universidade Santo Amaro (Unisa), tomaram as redes sociais no último final de semana. 

Chocante pelo teor misógino e violento, o vídeo registra a ação de estudantes que ficaram nus e tocaram os seus órgãos genitais durante um jogo de vôlei que era disputado por mulheres, em um torneio universitário em São Carlos. Embora tenha viralizado em setembro, o episódio ocorreu entre os dias 28 e 1º de abril.

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Em resposta, o Ministério da Educação (MEC) notificou na última segunda-feira (18) a Unisa e solicitou que a instituição preste esclarecimentos em até 15 dias. Com a repercussão negativa e a cobrança por parte do MEC, a universidade decidiu expulsar seis estudantes que foram identificados nas imagens, além de publicar uma nota repudiando o caso.

Taís Adams, secretária da Mulher Trabalhadora e dos Direitos LGBTI+ da APP-Sindicato, critica a inação da universidade antes da repercussão. “A atitude da instituição de ensino superior em não tomar medidas diante da ação de dominação masculina, que também se qualifica criminalmente como importunação sexual, é absolutamente inaceitável”, considera.

“A cultura do estupro que minimiza a violência contra as mulheres e, lamentavelmente, normaliza a objetificação de meninas e mulher é profundamente preocupante. É ainda mais alarmante que tais incidentes envolvam estudantes de medicina, profissionais que lidam com atendimento individualizado e confidencial. Isso nos faz lembrar de outros casos chocantes envolvendo médicos que quebraram gravemente a confiança de seus pacientes”, completa.

A Polícia Civil de São Paulo abriu uma investigação para identificar a prática dos atos obscenos. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado, um boletim de ocorrência foi registrado na Delegacia de Investigações Gerais de São Carlos.

O artigo 233 do Código Penal proíbe praticar “ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”. A pena prevista é de até 1 ano de reclusão ou multa.

“Por conta do ocorrido, a Polícia Civil determinou o registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de São Carlos e enviará requisições às universidades envolvidas e à Secretaria de Esportes da Prefeitura Municipal de São Carlos. Agora, as diligências seguem para identificar e responsabilizar os autores”, aponta a Secretaria em nota.

Já o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremsp) também se posicionou e exigiu que a Unisa penalizasse os estudantes com “a severidade necessária”. 

Diferente do Conselho Regional, o Conselho Federal de Medicina, que atualmente está totalmente alinhado com a extrema-direita, anunciou que não vai responsabilizar os estudantes pela infame “masturbação coletiva”. Embora o vice-presidente do CFM, Jeancarlo Cavalcante tenha lamentando o ocorrido, nenhum posicionamento mais energético por parte da entidade foi tomado.

Cultura da misoginia

Não é de hoje que movimentos sociais que lutam pelo fim da violência de gênero denunciam atos violentos por parte de homens que trabalham na área da saúde, sejam estudantes ou médicos.

Vale lembrar que, nos últimos meses, o Brasil registrou um grande número de denúncias de violência sexual ocorridas nos espaços em que a saúde deveria ser prioridade. Segundo o levantamento do Ministério da Mulher, 373 abusos sexuais foram denunciados por mulheres dentro de unidades de saúde, de 2020 a maio de 2022.

“É lamentável constatar que vários médicos são denunciados por abuso sexual contra mulheres em situações vulneráveis, além de outras formas de violência, como a obstétrica, na qual as pacientes são tratadas de maneira desrespeitosa e submetidos a procedimentos inadequados, como a episiotomia. A unidade da classe dos médicos com possível complacência dos conselhos de medicina e as dificuldades na comprovação desses casos, muitas vezes levam os médicos a crer na impunidade”, lembra Taís Adams.

Um caso emblemático destes abusos ocorreu em Londrina, onde o médico ginecologista Mário Sérgio Azenha de Castro, que trabalhava no Hospital Universitário (HU) da Universidade Estadual de Londrina (UEL) teria tido condutas violentas com pacientes mulheres. Na época, o médico foi afastado e o caso está em investigação na Polícia Civil.

Para além da violência sexual, as mulheres brasileiras enfrentam a desumanização durante o parto, momento que deveria ser de total segurança. De acordo com a pesquisa Nascer no Brasil, 45% das mulheres entrevistadas disseram ter sofrido algum tipo de violência obstétrica no SUS. Na rede privada, esse percentual fica em 30%.

Em 2021, ocorreu um estupro a cada 10 minutos, estimando-se que apenas 10% das ocorrências de violência sexual foram denunciadas. Isso ocorre, em grande medida, devido à falta de preparação e estrutura de apoio às vítimas, bem como à presença enraizada do machismo em nossa sociedade. “É revoltante observar que aproximadamente um terço da população brasileira tende a culpabilizar as vítimas em vez de responsabilizar os agressores, desencorajando a denúncia de muitos casos de violência”, completa Taís.

A APP defende a urgência da educação sexual nas escolas não apenas como um meio de identificar o abuso, mas também como uma forma de combater o machismo e o patriarcado, que muitas vezes resultam na objetificação e na violência contra as mulheres. Além disso, as instituições de ensino superior têm a responsabilidade de promover a conscientização sobre a violência do gênero a fim de evitar a reprodução de novos casos.

:: Confira a repercussão do caso

 


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