E lá se vai mais um expoente dos escritos de resistência na América Latina, o uruguaio EDUARDO GALEANO. Foi caixa de banco, jornalista, historiador. Perseguido pela ditadura em seu país se exila inicialmente na Argentina, porém com o golpe e a instalação da ditadura do General Jorge Videla, tornou-se alvo também naquele país, razão pela qual se exilou na Espanha. Só voltaria ao Uruguai em 1985, com a redemocratização no país vizinho.
Galeano tornou-se, desde os anos 1960, referência da literatura latino americana de resistência, porém, foi a partir do lançamento de seu livro mais conhecido, “As veias abertas da América Latina”, no início dos anos 1970, que se tornaria popular e seria a partir de então uma das principais vozes da denúncia das injustiças e desigualdades produzidas pela colonização europeia, e depois estadunidense em nosso continente. Nesta obra, denuncia e questiona: “O subdesenvolvimento é uma etapa no caminho do desenvolvimento, ou é consequência do desenvolvimento alheio?”.
Em 2009 o Presidente venezuelano Hugo Chávez, presenteia o norte americano Barack Obama com um exemplar deste livro. Foi um ato que fez o livro desconhecido de muita gente, especialmente a juventude, explodir em vendas nos diversos países, inclusive nos Estados Unidos.
Galeano esteve em Curitiba várias vezes. Numa delas, foi entrevistado pela então TV Educativa, no Canal da Música, quando esse canal público cumpria minimamente sua função pública e inclusive retransmitia a Tele Sur.
Tive o privilégio, juntamente com muitos outros militantes sociais do Paraná, de participar de uma conferência onde ouvimos Eduardo Galeano. Foi uma mesa no ginásio Gigantinho em Porto Alegre, durante o Fórum Social Mundial, em janeiro de 2003.
Foi uma fala densa, em que Galeano juntamente com outros intelectuais criticaram duramente a invasão do Iraque pelos Estados Unidos. Afirmou naquele entardecer gaúcho que onde se lesse: “Estamos numa cruzada do bem contra o mal, – lêssemos, -PETRÓLEO, PETRÓLEO, PETRÓLEO”!
Desmentia duramente a propaganda anti-terrorista e a falsa busca de democracia no Oriente Médio, propagandeada pelo então governo Bush que ordenara a invasão do milenar país dos antigos fenícios e babilônios. Os fatos históricos que se seguiram na região comprovam a consistência da sua crítica.
Eduardo Galeano era homem do seu povo, não só do seu país, o Uruguai, mas de toda a América Latina e Caribe. Como todo Uruguaio, adorava o futebol (escreveu o livro “O futebol ao sol e à sombra”), a música, a cultura, e todas as expressões artísticas do povo desse Continente a quem conhecia e amava como poucos intelectuais da região souberam conhecer e amar.
Nestes tempos em que refletimos acerca da necessidade de aprofundar as liberdades, os direitos sociais e os direitos civis em nosso continente e, em nosso caso, especialmente no Brasil – onde parte da massa que protesta nas ruas, de forma inconsequente pede o retorno da intervenção militar no governo do País -, vale relembrar Eduardo Galeano, defensor incansável e imprescindível da Democracia e da Classe Trabalhadora.
Sabemos que não é possível falar desse intelectual militante da maior grandeza, sem utilizar suas próprias palavras, lembrando um de seus tantos encontros com Trabalhadoras e Trabalhadores do mundo. Em tempos do Pl 4330, que libera as terceirizações no mundo do trabalho brasileiro, é importante reafirmar sua lucidez:
“Ao chegar ao bairro de Heymarket, peço aos meus amigos que me mostrem o lugar onde foram enforcados, em 1886, aqueles operários que o mundo inteiro saúda a cada primeiro de maio. – Deve ser por aqui – me dizem. Mas ninguém sabe. Não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires de Chicago nem na cidade de Chicago, nem monolito, nem placa de bronze, nem nada”.
O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal da humanidade inteira, o único dia no qual coincidem todas as histórias e todas as geografias, todas as línguas e as religiões e as culturas do mundo; mas nos Estados Unidos o primeiro de maio é um dia como qualquer outro. Nesse dia, as pessoas trabalham normalmente, e ninguém, ou quase ninguém, recorda que os direitos da classe operária não brotaram do vento, ou da mão de Deus ou do amo”
Nesse mesmo dia, Galeano encontra numa livraria desse mesmo bairro de Chicago, um cartaz onde se reproduzia um provérbio da tradição da África: “Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador”.
Galeano foi nosso historiador, nosso cronista, da história dos vencidos, dos resistentes, dos lutadores do povo, invisíveis na história oficial, oprimidos de todos os quadrantes da terra. E ao mesmo tempo, era um observador arguto do cotidiano, das pequenas alegrias e da força presente nas ações persistentes em defesa do direito a ser livre e feliz. Também essas esperanças nos oferecia e nos alimentava para a dura tarefa de manter viva a utopia e a coragem pra seguir vivendo com integridade, compromisso e alegria:
“Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: Ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.”
OBS: artigo produzido com a colaboração da Professora Janeslei Albuquerque, Secretária de Formação da APP-Sindicato, estudiosa da obra do já saudoso Eduardo Galeano.
Artigo publicado no portal Notícias Paraná – Clique aqui para acessar o artigo.