Uma pesquisa realizada pelo Datafolhae divulgada em 2017 revela que uma em cada três mulheres sofreu algum tipo de violência em 2016. O número alarmante é de 503 vítimas a cada hora. O levantamento apontou, também, que 40% das mulheres acima de 16 anos lidaram com algum tipo de assédio, como, por exemplo, comentários desrespeitosos (20,4 milhões de vítimas), assédio físico em transporte público (5,2 milhões) ou, ainda, o beijo forçado, sem consentimento (2,2 milhões)1. Recente polêmica, postada na Carta Capital, em setembro do ano passado, torna público o caso do rapaz de 27 anos que, detido por um dia após ter ejaculado em uma mulher num ônibus, voltando à liberdade praticou novo assédio em outro coletivo na grande São Paulo. Para surpresa da Polícia Civil, o rapaz tinha uma ficha extensa de delitos sexuais, preso 16 vezes pelo crime de estupro, ato obsceno ou ofensa ao pudor. A atitude abusiva constituía-se em aproximar-se da vítima e mostrar ou encostar o pênis2. Situações semelhantes acontecem, com frequência, em outros países, como foi o caso polêmico das denúncias de assédio sexual sofrido por atrizes de Hollywood contra o produtor de cinema Harvey Weinstein, que geraram a hashtag #MeToo (“eu também”) e ganharam as redes sociais. O episódio revelou milhares de casos de assédio sexual mundo afora, pelos quais passaram mulheres e homens, que se encorajaram e resolveram falar sobre o tema. Expor a temática parece ser sempre surpreendente, devido à quantidade extensa e à proximidade de casos que nos rodeiam. Seja no trabalho, em casa ou entre as amigas, percebemos o quanto é comum que mulheres, muito próximas a nós (inclusive nós mesmas), já tenham sido assediadas de alguma maneira. O assédio sexual, sofrido por ambos os sexos, compreende crime desde 2001 e, de acordo com o Código Penal, no artigo 206 – A, é descrito como “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico”. A tipificação restringe o crime ao âmbito trabalhista, gerando certa confusão com aquele assédio que vemos com maior incidência no espaço público. Para este caso específico, há a contravenção penal conhecida como “Importunação Ofensiva ao Pudor”. É o assédio cometido por meio de palavras, geralmente de cunho sexual, olhares ou gestos. Aguardam votação, desde outubro de 2017, na Câmara dos Deputados, dois Projetos de Lei que serão instrumentos na tentativa de inibir a grande ocorrência desses crimes. Trata-se do Já o PLS 312 altera o Código Penal e o Processual Penal para prever o crime de “Molestamento Sexual” e modificar as hipóteses de internação provisória, respectivamente. O proposto determina pena de reclusão de três a seis anos a quem constranger ou molestar alguém, mediante violência ou grave ameaça, a prática de ato libidinoso diverso do estupro. Caso aprovados, será possível adequar a pena da forma correta para o assédio, principalmente nos transportes públicos. A “Importunação Ofensiva ao Pudor” e a Lei Maria da Penha, que desde 2006 contribui para inibir mais casos de violência doméstica, ainda se mostram incipientes na redução do número de casos de assédio e estupro no Brasil. Os dados do Ligue 180, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, indicam que a violência contra a mulher continua disseminada pelo país. Há que se notar um crescimento na quantidade de relatos e denúncias. As redes sociais e campanhas de iniciativa individual colaboram para o aumento, mostrando-se como medida protetiva utilizada por quem mais sofre com as cantadas desrespeitosas nas ruas, ou com o intenso contato de corpos nos transportes públicos, nós, mulheres. Em torno da violência contra a mulher, há a relação de poder que se apresenta na sociedade brasileira, há muito impregnada, presente nos papéis sociais que desempenhamos cotidianamente. Desde a Grécia e Roma antigas, onde as mulheres não eram nem consideradas cidadãs, não podiam exercer cargos públicos, não possuíam direitos e nem possibilidade de estudo; até à Revolução Francesa, em que nota-se a participação feminina no processo revolucionário, existe um hiato enorme no que tange aos direitos da mulher, em contraste com o excesso de deveres, como ser boa esposa, cuidadora do lar e da família, manter bons modos e ser bela. A saída da mulher do espaço privado familiar para o espaço público do trabalho e do estudo ainda ocasiona a quebra de ordem da sociedade organizada de forma machista (centrada nos direitos dos homens) e patriarcal (o homem é o mantenedor e o mandatário das propriedades, incluindo das mulheres), que se vê afrontada diante de mulheres que desejam ter os mesmos direitos, estar nos mesmos ambientes, prover à família, serem livres, assim como o são seus companheiros. Como diz Simone de Beauvoir, em O segundo sexo, “Há em todo indivíduo uma vontade de poder que se acompanha de um complexo de inferioridade; esse conflito o conduz a utilizar mil subterfúgios para evitar a prova do real que ele receia não poder vencer”4. As políticas de enfrentamento ao modelo arcaico espalham-se e o mote agora é para que o tema “Assédio” seja levado a público, discutido em rodas de amigas, festas familiares, ambiente trabalhista e nas redes sociais. A intensa exposição da temática acaba por ser medida protetiva que devemos fazer uso. E que venham mais. Juliana Tenório, formada em Licenciatura em História, com pós graduação em História e Cultura Afro-brasileira.
1 https://exame.abril.com.br/brasil/os-numeros-da-violencia-contra-mulheres-no-brasil (acesso em 03/01/2018, às 18h59).
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Assédio sexual e medidas protetivas
Juliana Tenório